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Discípulo de Octavio Paz analisa herança política
SYLVIA COLOMBO
Editora interina de Especiais
A política latino-americana encerra-se num paradigma medieval, herdado do mundo ibérico,
que explica alguns itens da nossa
cultura política, como o corporativismo e o patrimonialismo. Assim pensa o historiador mexicano
Enrique Krauze, 53, para quem a
comemoração dos 500 anos do
Descobrimento do Brasil é data
propícia para a revisão crítica de
seu passado comum com o restante da América Latina.
O historiador dirige a revista
"Letras Libres", novo nome da
publicação "Vuelta", criada por
Octavio Paz em 76 e por ele dirigida até sua morte, em abril de 98.
Criticado pelos acadêmicos
marxistas, Krauze afirma que sua
bandeira é a democracia liberal.
Otimista, acredita que a América
Latina, neste fim de século, segue
um caminho político correto.
Krauze tem uma postura crítica
em relação ao PRI (Partido Revolucionário Institucional), que governa o México desde 1929 e que
tentará, nas eleições do dia 2 de
julho, continuar à frente da nação.
O historiador deu entrevista à
Folha, de seu escritório, na Cidade do México. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Folha - Suas obras tratam do
poder político da oligarquia no
México, tema comum também a
outros países da América Latina.
Qual é o legado das fórmulas
políticas do período pós-independência para as sociedades
atuais do Brasil e do México?
Enrique Krauze - Os dois países
tiveram no século 20 grandes períodos de prostração política. O
militarismo esteve mais presente
no Brasil, mas a violência revolucionária cobrou milhares de vidas
do México. Sempre achei notável
que no Brasil tenha havido menos
movimentos guerrilheiros do que
no restante da América Latina.
Acredito que a fundação traumática dos Estados hispano-americanos contrasta com a do Brasil,
feita por meio de um pacto com a
metrópole portuguesa. Isso facilitou a sua marcha histórica. Certa
vez, Octavio Paz me disse algo impressionante: "O México não se
consolou nunca de não ter sido
uma monarquia". O Brasil não teve do que se consolar: nasceu como filho legítimo de uma monarquia e sua passagem para a vida
republicana foi menos conflitiva.
O México, por sua vez, viveu mais
de um século numa grande simulação: a de ser uma monarquia
fantasiada de república.
Folha - Pudemos assistir, na
América Latina, desde o fim da
colonização, diversos ciclos políticos comuns, como o do liberalismo, o das ditaduras militares, o da redemocratização e,
atualmente, a busca pela adoção da social-democracia. Como
o sr. avalia esse processo?
Krauze - Sempre me surpreenderam os paralelismos da história
ibérica e latino-americana. A
mesma tensão entre monarquismo e liberalismo no século 19, a
mesma alternância entre anarquia e ditadura no século 20.
As ditaduras de Salazar (Portugal) e Franco (Espanha) romperam a semelhança, ainda que a
mesma concentração de poder
em apenas um homem, tirano ou
caudilho, tenha ocorrido também
na maioria dos países latino-americanos. Desde a metade do século
20, os países da América Latina se
parecem mais entre si e não com
suas antigas metrópoles. Prosperaram os clássicos paradigmas latino-americanos: o estatismo, a
economia fechada e protegida, a
ideologia terceiro-mundista, o
marxismo acadêmico e os movimentos guerrilheiros. Na última
década, deu-se entre nós um milagre tão importante quanto a
queda do Muro de Berlim: a adoção, com a exceção vergonhosa de
Cuba, da democracia. Esse voto
continental pela liberdade não
havia ocorrido nunca em nossa
história. É esperançoso, ainda que
a Venezuela e o Peru sejam nuvens de populismo e caudilhismo.
Folha - O sr. acha que a cultura
política herdada de espanhóis e
portugueses subsiste na América Latina?
Krauze - Existe em nosso inconsciente político coletivo um
paradigma medieval do poder,
proveniente dos neo-escolásticos
dos séculos 16 e 17. Isso explica
muitos aspectos de nossa vida política: o corporativismo, o patrimonialismo, a corrupção e o que
o pensador mexicano Gabriel
Zaid chamou de "a propriedade
privada dos postos públicos".
Tocqueville dizia que os costumes políticos são mais importantes que as leis e instituições. Tinha
razão: esses costumes são sólidos
como montanhas. Representam
uma bagagem cultural que nos
preparou mal para a democracia.
Porém os velhos paradigmas da
nossa cultura política vêm se desgastando, devido à força da globalização. Mas nossa inexperiência
histórica na vida democrática nos
faz vulneráveis. Temos de criar e
consolidar instituições e práticas
culturais democráticas para vencer determinações culturais.
Folha - Como diretor de uma
revista literária e política, como
o sr. analisa o papel político
exercido pelos escritores latino-americanos ontem e hoje?
Krauze - Em relação à primeira
metade do século, vejo uma semelhança com o que se passou na
Rússia czarista. A literatura teve
um papel político primordial na
construção das sociedades latino-americanas de hoje. Há entre nós
uma espécie de sacerdócio da cultura. Os escritores são a voz da
nossa consciência. Os pensadores
de nossos problemas históricos
(Octavio Paz e Gilberto Freyre,
entre tantos outros) são os inventores da nossa realidade, enquanto outros (romancistas e poetas)
são os descobridores de uma outra, mais profunda, sobre nossa
identidade cultural.
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