São Paulo, segunda-feira, 06 de março de 2000


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GUERRA FISCAL
Secretário sobrevoa região para identificar empresas e tentar convencê-las a ir para o seu Estado
Bahia espiona empresas de São Paulo


ANGÉLICA SANTA CRUZ
da Reportagem Local

Com uma máquina fotográfica nas mãos, o secretário da Indústria, Comércio e Mineração da Bahia, Benito Gama, costuma sobrevoar São Paulo de helicóptero. É uma espécie de espionagem aérea. Nos vôos, ele identifica empresas e depois tenta convencê-las a migrar para a Bahia.
Voando sobre lugares como São Bernardo, na região do ABC, Benito Gama avista empresas localizadas em bairros onde o IPTU cobrado costuma ser alto. "Telefono para os donos e ofereço impostos mais baixos para que eles mudem para a Bahia", afirma.
Segundo ele, a estratégia já rendeu pelo menos dez novas empresas para o Estado. "Todas pequenas, mas vale tudo."
Colocado em prática há dois anos, o método do secretário faz parte do que alguns empresários já chamam de "guerrilha baiana". Trata-se do esforço agressivo -e declarado- do Estado para romper a barreira dos cinco maiores PIBs brasileiros.
A Bahia está em sexto lugar no ranking dos maiores PIBs. Em 15 anos, quer tirar do Paraná o quinto lugar na lista. Em 1998, a Bahia teve um PIB de R$ 39 bilhões. No mesmo período, o PIB paranaense foi de R$ 56 bilhões.
Na corrida para colocar o Nordeste na geografia das cinco maiores economias brasileiras, a Bahia adota espionagem, jogos de contra-informação e macetes para convencer os investidores.
São maneiras de reforçar o apelo das vantagens tributárias. A Bahia oferece isenção de 75% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) gerado do primeiro ao quinto ano e de 37,5% do sexto ao décimo ano.
Com a isenção fiscal nas mãos, os baianos buscam novos investidores. Nos últimos quatro anos, assinaram 180 protocolos com empresas. Metade resulta da iniciativa do próprio governo.
A transferência da Ford para a Bahia é um exemplo. Quando a fábrica manifestou a intenção de sair do Rio Grande do Sul, o governo baiano acenou com a isenção e publicou anúncios dizendo que a empresa seria bem recebida no Estado.
O governo baiano também começou a atuar nos bastidores. "Morei durante oito meses no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, só por conta disso. Tive dois almoços secretos com executivos da empresa", diz Gama.
À época, a Ford também conversava com outros Estados. E os baianos resolveram ficar de olho. "Quando os executivos viajavam para negociar com outros governos, ia um pessoal meu atrás", afirma Gama.
Os enviados viajavam com a missão de descobrir coisas como a data da próxima reunião marcada entre os investidores e os governos concorrentes. "Cansei de saber quando eles iam se encontrar. Então tentava marcar uma reunião para o mesmo dia, horas antes", afirma o secretário.
A guerrilha baiana também adota métodos mais brandos. De puro convencimento. Há duas semanas, dois representantes da empresa israelense Plassin Irrigation estiveram em Salvador. Queriam visitar locais onde poderiam instalar a empresa.
Acompanhado de dois técnicos, Benito Gama levou os empresários para uma passeio aéreo.
"Levei os dois para ver as áreas residenciais mais bonitas onde eles poderiam morar. Depois sobrevoamos a Linha Verde. Quando eles estavam encantados com a Bahia, aí sim fui para a área industrial. Funcionou. Eles virão para cá", declara Benito.
Os macetes baianos de atração de investimentos começaram a ser desenvolvidos em 1991, quando Antonio Carlos Magalhães assumiu o governo da Bahia. O então vice-governador, Paulo Souto (hoje senador), acumulou a função com a de secretário da Indústria e Comércio.
Nesse período, o governo encomendou relatórios para medir as condições de mão-de-obra, infra-estrutura e restrições ou facilidades legais para atrair empresas.
Com os resultados nas mãos, os políticos começaram a viajar. "Fomos para Coréia, Japão, Estados Unidos, Alemanha, Espanha, França e por aí vai. Ouvíamos falar que uma empresa queria vir para o Brasil e já pegávamos um avião", diz Paulo Souto.
Na maioria dos casos, os viajantes voltavam de mãos vazias. Em 1997, o hoje ministro das Minas e Energia, Rodolpho Tourinho, era secretário da Indústria e Comércio da Bahia. Ele passou o Carnaval na República Tcheca.
O ministro tentava levar para a Bahia a fábrica de tratores Tatra. Passou quatro dias às voltas com a tentativa de explicar a confusa cesta tarifária brasileira a investidores egressos do socialismo.
Voltou de mãos vazias. A empresa só iria para a Bahia anos depois. A Tatra do Brasil/Skoda, depois de entender os impostos brasileiros, investiu US$ 100 milhões em uma fábrica no distrito de Simões Filho.
Com o tempo, os caça-investimentos da Bahia aperfeiçoaram seus métodos. "Temos um profundo conhecimento de tudo o que o Estado pode oferecer", afirma o deputado federal Jorge Khouri (PFL), ex-secretário da Indústria e Comércio.
O empresário gaúcho Nestor de Paula, dono da fábrica de calçados Azaléia, diz que ficou impressionado com a ação dos baianos. Há três anos, ele recebeu um telefonema do então governador, Paulo Souto. Três dias depois, eles tiveram um "almoço secreto" em Porto Alegre.
Nestor de Paula abriu uma fábrica em Itapetininga, no interior da Bahia. Investiu R$ 170 milhões, incluindo 20 pequenas fábricas em 18 municípios vizinhos.
"Todo empresário gosta de saber que pode falar com o governador do Estado", diz ele.
Depois do Carnaval, Benito Gama pretende voltar a invadir o espaço aéreo paulista em busca de novas empresas. No ano passado, ele fez seis vôos do gênero. Dois deles tiveram um requinte especial. "Desembarquei no heliporto da Fiesp. Veja que ironia", diz ele.


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