São Paulo, quarta-feira, 06 de março de 2002

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ELIO GASPARI

Há um cheiro de México no ar

Houve uma violação dos direitos de Roseana Sarney e Jorge Murad no processo de apreensão de documentos do escritório da firma em que são sócios. Violação tamanha que deve levar as pessoas a pensarem se o tucanato não está mexicanizando o Brasil. Por mexicanização entende-se a formação de um bloco político que, pela predação dos adversários, transforma-se em única alternativa de poder.
Houve violação dos direitos do casal Murad-Sarney porque o material, apreendido por conta de um processo que corre em segredo de Justiça, foi sorrateira e seletivamente divulgado. A juíza de Palmas fez muito bem em mandar recolher a papelada das firmas suspeitas do saque na Sudam. Fez bem o juiz federal que autorizou a apreensão e cumpriram seu dever os policiais que a executaram.
Se o processo está sob sigilo, como se explica que em questão de horas tenha começado a vazar o acervo do escritório? (Havia R$ 1,3 milhão -em espécie- na empresa, ervanário que o casal Murad-Sarney dirá de onde veio e para onde ia.) Argumente-se que vazou porque as notícias vazam e é bom que assim seja.
O problema é que o vazamento continuou. A cada dia uma gota. Tudo bem, as coisas vazam aos poucos.
Se um episódio semelhante tivesse acontecido com a Polícia Federal americana, ou o seu diretor suspendia os agentes que participaram da apreensão, até a conclusão de uma sindicância destinada a apurar a quebra do sigilo judicial, ou o ministro da Justiça, no dia seguinte, afastava os agentes e o chefe do FBI.
No final de semana, o vazamento já havia inundado o país. E só na segunda-feira o ministro da Justiça solicitou a sindicância.
Já se fez coisa parecida em 1995, com uma pasta cor-de-rosa onde estava a contabilidade política do falecido Banco Econômico. Começou a vazar seletivamente, mas seu conteúdo explodiu. A pasta foi brindada com solene esquecimento, com a ajuda da banda pefelê do governo.
Quando o governo demora a tomar providências (ou mesmo a mostrar curiosidade) para identificar a fonte dos vazamentos, fornece um sinal de que gostou da novela. Mais: o governo sabia que o inquérito da Sudam continha carga para os ombros de Roseana Sarney. Repetindo: sabia. Pode-se argumentar que o fato de saber tem pouca relevância, visto que não podia parar a investigação nem apressá-la (coisa que não há vestígio indicativo de que tenha feito).
O tucanato está mexicanizando o Brasil pelo seguinte:
1) Quebrou a tradição republicana criando o instituto da reeleição. Fez isso com votos de parlamentares documentadamente comprados.
2) Com a ajuda do que dispunha de melhor no PMDB, esterilizou a candidatura do ex-presidente Itamar Franco. Vale lembrar que um dos amigos do Planalto chegou a se referir a Itamar em termos que a educação não permite transcrever. Dele disse o ex-presidente: "É um nome-símbolo da corrupção no país". Seu nome é Jader Barbalho. Conhecendo sua folha de serviços prestados à Sudam, a coligação tucano-pefelê levou-o à presidência do Senado.
3) A banda mexicana reelegeu FFHH à custa da ruína econômica do país, pela manutenção de um regime de populismo cambial (o dólar de R$ 1,20) que foi abandonado dois meses depois da eleição.
4) O vazamento deliberado, sistemático e impune do papelório do casal Murad-Sarney sugere o estímulo à retirada da candidatura (de vento) da governadora do Maranhão à Presidência da República, para benefício do senador José Serra. Não foi Serra quem aconselhou o casal a entrar nos negócios que estão sendo investigados nem é ele quem tem R$ 1,3 milhão para sair por aí botando-os nos escritórios dos outros. Ele pode ser destinatário do benefício, mas é desonesta a lógica que lhe atribui a origem do malefício.
5) Esse processo de mexicanização inclui a contenção da candidatura de Itamar Franco, o sumiço do apoio do PTB a Ciro Gomes. Institui-se assim um bloco de poder tão eterno quanto eterna venha a ser a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva a derrotado de segundo turno. Como diria FFHH, é uma mexicanização com uma pitada de candomblé.
É um modelo engenhoso para quem quer ficar 20 anos no poder, como dizia o ministro Sérgio Motta. O lastimável é que o receituário dessas macumbas tenha entrado no campo da violação dos direitos individuais dos adversários políticos (de novo: a violação está no vazamento e na sua impunidade, não na apreensão).
Quem olha a política brasileira pode achar que José Serra virou uma espécie de passageiro do Expresso do Oriente. Se amanhã ele aparecer apunhalado no seu camarote, será uma bondade dizer que os suspeitos serão só 12. O problema é que, pelo andar do trem, corre-se o risco de ele chegar a Istambul, descer do vagão, chamar um táxi e ir para o hotel. E os outros 12 passageiros?
Eis aí um desfecho que Agatha Christie não imaginou.


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