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JANIO DE FREITAS
O mínimo dever
De repente, a cúpula do
governo ficou muito preocupada. Difícil é saber se a súbita idéia fixa decorre, de fato, dos
problemas implícitos no déficit
da Previdência ou expressa a
zonzeira com a péssima repercussão do espetáculo do salário
mínimo. Certo é que, supondo
adotar uma saída para suas aflições, a cúpula do governo se
afasta ainda mais da realidade.
Lula só fala na impossibilidade de reajustar melhor o mínimo por força do "déficit de R$ 31
bilhões da Previdência". O PT
recebeu ordem de difundir ao
máximo a mesma defesa. José
Dirceu até produziu uma sugestão para o déficit previdenciário,
com a desvinculação do salário
mínimo e o reajuste das aposentadorias -uma ferroada nos
idosos, é claro.
O argumento do governo é falso. Não foi o déficit atual ou futuro da Previdência que levou
ao reajuste grotesco do salário
mínimo. Entre a posse e o reajuste recente, passaram 16 meses, mas o governo não dedicou
nem um dia, nem um minuto à
criação e ao exame de possíveis
medidas atenuadoras do déficit
que atribui às aposentadorias e
às pensões dos (ex-)assalariados
e autônomos. Passou o primeiro
ano cuidando de impor uma
pretensa reforma destinada a
tomar 11% dos funcionários públicos aposentados, enquanto
reduzia o recolhimento do INSS,
com o aumento do desemprego.
O déficit não foi causa, também ele é efeito. Efeito continuado de uma causa primordial e
evidente: a ausência de dedicação dos governos sucessivos, inclusive o atual, aos problemas
da Previdência. O presidente
metafórico sabe que a morte de
uma pessoa atirada do décimo
andar tem como causa final o
choque com o solo, mas a causa
primordial foi o empurrão. O
governo empurrou a Previdência e o reajuste obrigatório do
salário mínimo para o choque.
O senador Aloizio Mercadante
merece, em reconhecimento à
sua transfiguração, uma paródia do comentário, corrosivamente verdadeiro, que fez ao salário mínimo de 2000: "De R$
151 para R$ 159 dá um reajuste
de R$ 0,28 por dia. E o mínimo é
prioridade absoluta neste país"
(lembrado pelo "Globo"). De R$
240 para R$ 260, o reajuste petista é de R$ 0,66. Com o PT, o mínimo deixou de ser prioridade
absoluta neste país. Perdeu o lugar para os credores, os juros e o
lucro dos bancos. Mas ficou caracterizada a distância entre o
governo passado e o atual: vale
R$ 0,38.
Passadas duas semanas da sua
afirmação de que um governo
ou faz justiça social ou não é governo, José Dirceu sugere que "o
Brasil tenha a coragem de desvincular o salário mínimo da
Previdência". Propõe, portanto,
mais uma sarrafada na Constituição, que é a maneira instituída pelo governo Fernando Henrique e mantida por Lula de solucionar qualquer coisa sem solucionar coisa alguma. A Constituinte introduziu a vinculação
para sustar, e depois corrigir, a
injustiça social e a perversidade
humana que, em nome das contas da Previdência, reduziam à
penúria crescente os aposentados do setor assalariado. A sugestão de José Dirceu é, portanto, restabelecer as ferradas no
trabalhador que não foi alçado
à liderança sindical, ao Congresso, ao governo e, portanto,
ao alto nível socioeconômico pelas greves que ele próprio integrou quando ativo. José Dirceu
diz que os aposentados teriam a
correção do INPC. Mas, se isso
não representasse perda, sua sugestão não existiria.
O que importa, porém, está assegurado: os balanços trimestrais dos bancos estão exibindo
lucros fenomenais, um grande
êxito do governo.
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