São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007

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JANIO DE FREITAS

Algo no meio da obsessão


De repente Lula tornou-se obsessivo quanto a hidrelétricas no rio Madeira, fala nisso todos os dias

A FARTURA de situações ridículas nestes últimos tempos ainda não foi capaz de fazer-nos indiferentes, por tédio pessoal ou pesar pelo país, ao estilo Lula. Por ora, não chegamos lá, mas são muitos os sinais de que já estamos perto. É apenas natural que nem pelo humor se reaja mais às bobagens do tipo "nunca na história", "é o maior plano de desenvolvimento que já existiu", "o atendimento à saúde está quase na perfeição".
O problema é que o ridículo nem sempre é só ridículo. Às vezes esconde mistérios, ou guarda segredos, o que soa apenas ridículo pode ter significações muito ruins.
Estão aí as atitudes de Lula em relação às indagações sobre a tolerância, ou não, do meio ambiente amazônico a duas hidrelétricas no rio Madeira, este personagem belo e assustador na lendária tragédia que foi a construção da ferrovia Madeira-Mamoré. Com a profundidade de visão de que é capaz, a imprensa brasileira vê no conflito entre Lula e o Ministério do Meio Ambiente motivo apenas para mais futricas, a ministra Marina Silva está sendo fritada ou não sai, falam no fulaninho para ministro, o PMDB está de olho no orçamento do Ministério, o PT finge que nunca falou em meio ambiente.
Lula passou quatro anos sem falar em hidrelétrica. O segundo mandato não trouxe novidade nenhuma, nem ao menos de ministro, sobre energia elétrica. Apesar disso, de repente Lula tornou-se obsessivo quanto a hidrelétricas no Madeira, fala nisso todos os dias, e quantas vezes possa. Cada vez mais irado. Ora, a menos que sob distúrbio psicológico, o que não consta ser o caso, ninguém se fixaria em um assunto, tanto e tão subitamente, sem motivação objetiva e forte. Há mais do que a alegada preocupação de Lula com a energia elétrica para 2012.
Um presidente da República pressionando funcionários de nível médio, seja com que sentido for, é de um ridículo para lá de subdesenvolvido. Nas circunstâncias atuais, vai muito mais longe. Assume aspectos legais e institucionais muito graves: Lula está pressionando funcionários do Ministério do Meio Ambiente e em particular do Ibama, até publicamente, a desrespeitarem ou contornarem a lei. Em negócio cuja estimativa inicial é de R$ 20 bilhões.
A legislação do meio ambiente é clara e exige estudos técnicos e científicos, nela bem especificados, para autorizar ou vetar obras que possam ter algum reflexo negativo. Os estudos para duas hidrelétricas no Madeira são de complexidade extraordinária. As peculiaridades desse rio imenso na extensão e na largura têm, inclusive, implicação em relações internacionais: uma das conseqüências possíveis das duas hidrelétricas é provocar enchentes em território boliviano. Os estudos não estão concluídos e não prometem data de conclusão.
Eis o que, a serviço de sua obsessão, disse Lula em discurso na sexta-feira: "Ou nós fazemos as hidrelétricas que temos que fazer, vencendo todos os obstáculos, ou vamos entrar na era da energia nuclear".
À parte a sandice da entrada agora na energia nuclear, ou da idéia de apelo ao papa para ajudar na liberação das hidrelétricas, a frase é uma denúncia de propósitos: VENCENDO TODOS OS OBSTÁCULOS. Os obstáculos são a legislação do meio ambiente e os funcionários que a cumprem. A ela e a eles, o presidente da República quer VENCER. E, no caso, só há um meio de VENCER: descumprir a lei pelo necessário ato criminoso e emitir a autorização para as hidrelétricas sem a realização plena dos estudos e conclusões legalmente indispensáveis.
É sintomático destes tempos que Lula tenha tais atitudes e propósitos na semana em que o mundo se abala com os relatórios, provenientes da Conferência de Bancoc, sobre a desgraça de que a humanidade se aproxima, levada pela destruição do equilíbrio ambiental.


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