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JANIO DE FREITAS
Algo no meio da obsessão
De repente Lula tornou-se obsessivo quanto a hidrelétricas no rio Madeira, fala nisso todos os dias
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A FARTURA de situações ridículas nestes últimos tempos
ainda não foi capaz de fazer-nos indiferentes, por tédio pessoal
ou pesar pelo país, ao estilo Lula. Por
ora, não chegamos lá, mas são muitos os sinais de que já estamos perto.
É apenas natural que nem pelo humor se reaja mais às bobagens do tipo "nunca na história", "é o maior
plano de desenvolvimento que já
existiu", "o atendimento à saúde está quase na perfeição".
O problema é que o ridículo nem
sempre é só ridículo. Às vezes esconde mistérios, ou guarda segredos, o
que soa apenas ridículo pode ter significações muito ruins.
Estão aí as atitudes de Lula em relação às indagações sobre a tolerância, ou não, do meio ambiente amazônico a duas hidrelétricas no rio
Madeira, este personagem belo e assustador na lendária tragédia que foi
a construção da ferrovia Madeira-Mamoré. Com a profundidade de visão de que é capaz, a imprensa brasileira vê no conflito entre Lula e o Ministério do Meio Ambiente motivo
apenas para mais futricas, a ministra
Marina Silva está sendo fritada ou
não sai, falam no fulaninho para ministro, o PMDB está de olho no orçamento do Ministério, o PT finge que nunca falou em meio ambiente.
Lula passou quatro anos sem falar
em hidrelétrica. O segundo mandato não trouxe novidade nenhuma,
nem ao menos de ministro, sobre
energia elétrica. Apesar disso, de repente Lula tornou-se obsessivo
quanto a hidrelétricas no Madeira,
fala nisso todos os dias, e quantas vezes possa. Cada vez mais irado. Ora,
a menos que sob distúrbio psicológico, o que não consta ser o caso, ninguém se fixaria em um assunto, tanto e tão subitamente, sem motivação
objetiva e forte. Há mais do que a
alegada preocupação de Lula com a
energia elétrica para 2012.
Um presidente da República pressionando funcionários de nível médio, seja com que sentido for, é de
um ridículo para lá de subdesenvolvido. Nas circunstâncias atuais, vai
muito mais longe. Assume aspectos
legais e institucionais muito graves:
Lula está pressionando funcionários do Ministério do Meio Ambiente e em particular do Ibama, até publicamente, a desrespeitarem ou
contornarem a lei. Em negócio cuja
estimativa inicial é de R$ 20 bilhões.
A legislação do meio ambiente é
clara e exige estudos técnicos e científicos, nela bem especificados, para
autorizar ou vetar obras que possam
ter algum reflexo negativo. Os estudos para duas hidrelétricas no Madeira são de complexidade extraordinária. As peculiaridades desse rio
imenso na extensão e na largura
têm, inclusive, implicação em relações internacionais: uma das conseqüências possíveis das duas hidrelétricas é provocar enchentes em território boliviano. Os estudos não estão concluídos e não prometem data
de conclusão.
Eis o que, a serviço de sua obsessão, disse Lula em discurso na sexta-feira: "Ou nós fazemos as hidrelétricas que temos que fazer, vencendo
todos os obstáculos, ou vamos entrar na era da energia nuclear".
À parte a sandice da entrada agora
na energia nuclear, ou da idéia de
apelo ao papa para ajudar na liberação das hidrelétricas, a frase é uma
denúncia de propósitos: VENCENDO TODOS OS OBSTÁCULOS. Os
obstáculos são a legislação do meio
ambiente e os funcionários que a
cumprem. A ela e a eles, o presidente
da República quer VENCER. E, no
caso, só há um meio de VENCER:
descumprir a lei pelo necessário ato
criminoso e emitir a autorização para as hidrelétricas sem a realização
plena dos estudos e conclusões legalmente indispensáveis.
É sintomático destes tempos que
Lula tenha tais atitudes e propósitos
na semana em que o mundo se abala
com os relatórios, provenientes da
Conferência de Bancoc, sobre a desgraça de que a humanidade se aproxima, levada pela destruição do
equilíbrio ambiental.
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