São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007

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Na Paraíba, jogo do bicho tem o amparo do governo estadual

Apesar de proibido por lei federal, no Estado banqueiros são credenciados como agentes lotéricos e pagam taxa mensal

Segundo governador, que defende autonomia para Estados decidirem sobre legalização, desde 1967 o jogo é disciplinado na PB

Staley Taliao/Folha Imagem
Cambista faz jogo no centro de João Pessoa; capital tem 15 bancas, a maioria parte de cooperativa


ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL A JOÃO PESSOA

Não parece o mesmo Brasil. Enquanto no Rio de Janeiro banqueiros do jogo do bicho são presos, acusados de corromper membros da polícia, do Judiciário e de envolvimento com assassinatos e exploração de caça-níqueis e bingos, na Paraíba o jogo é amparado pelo Estado há mais de 40 anos.
Os bicheiros da Paraíba querem ser referência para um debate nacional sobre a legalização do jogo. A atividade é proibida pela Lei das Contravenções Penais, que prevê multa e prisão de quatro meses a um ano para os bicheiros. Os apostadores são passíveis de multa.
A Paraíba é o único Estado a dar cobertura legal para o jogo do bicho. As bancas funcionam com licenças expedidas pela loteria estadual, a Lotep. Os banqueiros são credenciados como agentes lotéricos. Nos demais Estados do Nordeste, o jogo é tolerado, mas sem envolvimento explícito das autoridades.
Segundo o governador Cássio Cunha Lima (PSDB), o jogo é disciplinado pelo Estado desde 1967, por iniciativa do então governador João Agripino Maia. Diz o folclore político que Maia foi chamado pelo comandante do 4º Exército, que lhe ordenou que pusesse fim à jogatina. Ele teria dito ao general que coibiria se a União desse empregos para 4 mil cambistas. O jogo segue livre desde então.
Cunha Lima disse que os banqueiros não o preocupam, e que tem "coisas mais sérias" para cuidar, como o combate à pobreza. Diz que o jogo não está associado à criminalidade no Estado. Questionado se conhece algum dos bicheiros, citou o deputado estadual João Gonçalves, do PSDB. Cunha Lima defende que os Estados tenham autonomia para decidir sobre a legalização do jogo.

Clube do bicho
O jogo do bicho é praticado em lojas, quiosques e nas ruas das 223 cidades da Paraíba. A capital tem 15 bancas autorizadas, que funcionam como organizações familiares. Campina Grande, segunda maior cidade, tem seis. O número de licenças é proporcional à população.
As concessões estão em nome das pessoas físicas dos bicheiros, cadastrados como agentes lotéricos. Algumas licenças foram expedidas há 40 anos. Quando os banqueiros morrem, a direção do negócio é assumida pelos filhos ou viúvas, mas a licença de funcionamento fica no nome do fundador. Há ao menos três bicheiros já falecidos que continuam como concessionários do serviço.
Cada banca paga uma taxa mensal para custeio da Lotep. A taxa varia segundo o potencial de arrecadação do município, sendo de R$ 6 mil mensais, por banca, na capital. Os três sorteios diários do jogo são feitos nas dependências da Lotep, em um auditório aberto ao público. Os resultados são anunciados pela rádio oficial do governo.
Para evitar disputas por pontos de exploração, os bicheiros têm uma cooperativa, também informal, a Banca Para Todos, que é presidida, há 15 anos, pelo advogado Geraldo Gomes de Lima, dono de uma banca.
Entre os bicheiros, há dois militares reformados do Exército, um ex-funcionário público, um deputado estadual e um candidato a deputado federal derrotado. A maioria, porém, é de comerciantes que herdaram dos pais os pontos do jogo.

Divisão do bolo
A receita apurada na venda das apostas é rateada entre associados da Para Todos após o pagamento dos prêmios e dos cambistas, que ficam com 20% das vendas. Das 15 bancas em João Pessoa, só duas não fazem parte da cooperativa.
Como as concessões são em nome das pessoas físicas, e a cooperativa não tem registro público, cada banqueiro tem uma carta-testamento guardada no cofre da Para Todos, em que nomeia seu sucessor e a distribuição de suas cotas entre os herdeiros. Quando um bicheiro morre, o presidente da cooperativa lê a carta na presença dos demais e das famílias, para que a determinação do morto seja conhecida e se cumpra a máxima do jogo do bicho de que vale o que está o escrito.


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