São Paulo, sexta-feira, 06 de setembro de 2002

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Oposição reage a acordo com FMI e rompe trégua com FHC


  Lula aponta clima de "fim de festa", e Ciro, contra Serra, frisa que acerto exige mais sacrifícios ao país

  Governo admite que exigência de superávit maior não foi tratada na reunião entre os candidatos e FHC



CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A divulgação anteontem da íntegra do Memorando de Entendimento entre o governo brasileiro e o FMI (Fundo Monetário Internacional) rompeu a relativa trégua obtida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso com os três principais presidenciáveis da oposição, quando se reuniu com eles no dia 19 de agosto.
A principal crítica da oposição é ao fato de que o memorando de entendimentos deixa claro que o superávit fiscal primário (receitas menos despesas do governo, excluídos os juros) será maior do que o inicialmente acertado com o Fundo e comunicado aos candidatos por FHC.
"Não fomos informados disso. Fiquei surpreso quando vi a notícia", afirmou o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva em São José dos Campos (SP). "O perigo que nós corremos é que o governo esteja num fim de festa, de mandato, deixando as coisas acontecerem. Isso é ruim para o Brasil."
Em visita a Jacarezinho (PR), onde fez comício patrocinado pela dissidência do PFL do Paraná ontem à noite, Ciro Gomes foi mais contundente e concentrou seu ataque em Serra. "O candidato do governo foi para televisão várias vezes, dizer que apoiava com entusiasmo o acordo com o FMI porque ele não trazia sacrifícios adicionais", disse.
""Eu fui estudar o memorando e encontrei mais preciosidade, além do superávit extra: uma afirmação do governo brasileiro de que voltará a tentar descontar dos aposentados, o que contraria a Constituição brasileira, além de ser uma ser uma perversidade", acrescentou Ciro.
Segundo o candidato, a democracia brasileira está "em observação". Ele disse que irá conversar com Lula e Anthony Garotinho (PSB) sobre o assunto. "Eu estou inquieto com isso, as condições da disputa estão ficando profundamente desequilibradas", disse.

Meta maior
Pelas contas do deputado Aloizio Mercadante (PT-SP), principal porta-voz econômico do partido, a meta de superávit para o primeiro semestre de 2003 (ou seja, para os primeiros seis meses do novo governo) é 8,65% superior ao resultado efetivamente obtido no primeiro semestre deste ano.
A tese reforça a nota oficial divulgada ontem por Mauro Benevides Filho e Luiz Alberto Rabi Jr., economistas da equipe Ciro: "Diferentemente do que afirmou reiteradas vezes o candidato governista à Presidência da República, José Serra, o novo empréstimo a ser celebrado com o FMI implica sacrifícios adicionais à população brasileira", escrevem.
Tito Ryff, economista de Garotinho, faz eco: "O memorando inclui compromissos que reduzem muito a margem de manobra do próximo governo", disse.
Além das restrições econômico-financeiras, centradas no aumento do superávit fiscal previsto, a crítica da oposição dirige-se também ao fato de que, nas reuniões no Palácio com todos os candidatos, esse dado não foi tratado assim como outros tópicos.
A Folha conferiu no Palácio do Planalto e verificou que, de fato, os oposicionistas têm razão: o único número de superávit fiscal anunciado no encontro com os candidatos foi o 3,75% do PIB.
Não foi mencionado nem o aumento para 3,88% anunciado anteontem pela equipe econômica nem o fato de que a economia maior do governo se estenderá aos primeiros seis meses da futura administração. "É um erro grave", diz Mercadante.
Mas há mais reparos técnicos.
O deputado petista, por exemplo, queixa-se de que o aumento do superávit exigido pelo novo acordo se dá justamente em uma conjuntura interna de desaceleração da economia (o que significa menos receita para o governo) e em um quadro internacional de dificuldades e incertezas.
Mercadante menciona ainda o fato de que parte das receitas deste ano não se repetirá no ano que vem, como é o caso da arrecadação de impostos sobre fundos de pensão ou os pagamentos de impostos via Refis (programa de refinanciamento de dívidas).
O economista petista Guido Mantega diz ainda que o aumento do superávit fiscal já neste ano deve comprometer investimentos do próximo governo. "A conta será paga pela próxima gestão".
Em sua nota, os economistas de Ciro atacam, em especial, a exigência de cobrança de contribuições previdenciárias de servidores aposentados: "Além de perversa e injusta, a proposta afronta a Constituição", diz o texto. O governo FHC de fato tentou várias vezes, sem êxito, mudar a Constituição para estabelecer a contribuição dos aposentados.

Privatizações
Tito Ryff, da campanha de Garotinho, cita ainda o fato de que o acordo prevê privatização dos bancos estaduais hoje federalizados. "Privatizar bancos não faz parte dos nossos planos", diz.
De novo, a Folha apurou, no Planalto, que o tema privatizações tampouco constou das conversas entre FHC e os candidatos.
Críticas e restrições à parte, nenhuma das três candidaturas oposicionistas fala em romper o acordo com o Fundo.
O documento dos economistas de Ciro reafirma o compromisso "com o respeito aos contratos, com a estabilidade da moeda e com a responsabilidade fiscal". Mas diz que "a forma de praticar estes valores será aquela que conforme o novo Projeto Nacional de Desenvolvimento que estamos debatendo com a sociedade".
Mercadante é cauteloso na sua avaliação: "Não vamos tomar nenhuma atitude abrupta".
A reação dos candidatos tem, como é natural, um componente eleitoral, qual seja o de responsabilizar o governo e, por extensão, seu candidato pelas medidas adicionais previstas no acordo. Mas representa igualmente uma espécie de duplo habeas-corpus preventivo, um junto ao público em geral e outro junto ao mercado.
A propósito de ambos, diz o deputado Mercadante: "Não podemos criar expectativas que podem não se realizar". Ou seja, a oposição não quer deixar a impressão, aos agentes de mercado, que os 3,88% de superávit primário prometido pelo governo FHC para o que resta de 2002 é uma meta a ser seguida em 2003.
Ao mesmo tempo, já sinaliza para o público que as promessas talvez não possam ser cumpridas, ao menos no primeiro ano, por culpa não do novo governo, mas da situação legada pelo atual.


Colaboraram XICO SÁ, PATRÍCIA ZORZAN, JÚLIA DUAILIBI e FÁBIO ZANINI, da Reportagem Local



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