São Paulo, quarta-feira, 06 de novembro de 2002

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JANIO DE FREITAS

Tempo de acordo

A nova linha de pressão do grande empresariado sobre Luiz Inácio Lula da Silva, para abrir um canal de influência na fisionomia e na conduta do futuro governo, é insistir na urgência de que o presidente eleito inicie a formalização do acordo social, reunindo a ele os representantes empresariais e dos assalariados.
Os empresários repetem, com variação do motivo invocado, a onda de pressão que lançaram, inspirados por Pedro Malan, cobrando de Lula os seus nomes para a Fazenda e o Banco Central, quando nem o primeiro turno fora disputado ainda. Hoje como àquela altura, esses empresários fazem um jogo político legítimo em defesa dos seus interesses. Mas esquecem-se de que não foram vencedores. Poderão sê-lo, e até ser os maiores beneficiários, se o projeto do governo Lula, de crescimento econômico e aumento das condições gerais de consumo, der certo. Para isso, porém, as táticas devem reconhecer as novas realidades.
Um projeto sério, de entendimento social, tem seus tempos próprios que, mesmo não sendo isolados de outros, não podem deixar-se apressar ou retardar, sob risco de perder o principal. O próprio presidente da Fiesp, Horacio Lafer Piva, em sua cobrança de urgência menciona dificuldades, como a inevitabilidade de perdas, que podem arruinar o entendimento, se não forem muito ponderadas por todas as partes.
O entendimento só poderá ser discutido com eficácia se atendidas duas pré-condições administrativas. Uma é o conhecimento, pela equipe técnica do presidente eleito, das muitas caixas pretas onde se guarda o verdadeiro legado do atual governo. Fernando Henrique Cardoso disse há pouco que não há segredos, mas tanto existem que, tão logo delineado o sistema de duas equipes para transição, o governo estabeleceu a confidencialidade das informações, incluindo a advertência de punição para o vazamento de "dados sigilosos".
A outra pré-condição é que a equipe de governo se estruture, fazendo primeiro o seu entendimento interno sobre políticas, meios e métodos. Seria muito mais difícil, supondo-se que fosse possível, chegar ao acordo entre empresários, assalariados e governo se este é apenas uma idéia, e não um organismo vivo e com pleno domínio de si. O preferível é que a capacidade negociadora do presidente não se consuma no vazio, inútil vazio.
Entendimento a sério leva tempo.

Devedor
Ao lançar a reivindicação de 110% de aumento para os deputados federais, o deputado Severino Cavalcanti tornou-se duplamente devedor.
Disse ele, uma frase pouco aproveitada no noticiário: "Deputados têm que procurar empresas, para dar condições para manter suas famílias". Em seu socorro, outros deputados saíram-se com a explicação de que Severino Cavalcanti referiu-se a empresas dos próprios deputados. Mas ninguém "procura" a própria empresa.
Severino Cavalcanti foi claro e deve a indicação dos deputados que sabe receberem dinheiro de empresas. Tal informação seria devida por qualquer parlamentar. No caso de Severino Cavalcanti a dívida é mais grave: ele é ex-corregedor da Câmara -e investigador e juiz de primeira instância do comportamento moral dos deputados.
Severino Cavalcanti deve também uma explicação. Se os R$ 8.280 mais auxílios e mordomias são tão pouco, a ponto de obrigá-lo a morar com a filha, por que voltou a se candidatar e reeleger-se?



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