São Paulo, quarta-feira, 06 de novembro de 2002

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TRANSIÇÃO

Segundo economista, futuro governo ainda não têm "propriamente projeto"

PT dança conforme música do governo, afirma Furtado

RAFAEL CARIELLO
MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO

O economista Celso Furtado, autor do clássico "Formação Econômica do Brasil", disse ontem no Rio, após encontrar o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, que "não há propriamente um projeto [de política econômica] ainda" entre os principais assessores econômicos do PT. "O projeto está na cabeça do Lula", disse Furtado, 82.
A declaração foi feita em entrevista em seu apartamento em Copacabana (zona sul do Rio), minutos após a saída de Lula. Também participou do encontro a economista da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-deputada pelo PT Maria da Conceição Tavares, 72.
Questionado pela Folha sobre qual seria a linha de pensamento econômico de assessores de Lula, como Aloizio Mercadante e Guido Mantega, o ex-ministro do Planejamento do governo João Goulart (1961-1964) e criador da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) disse que a equipe econômica petista está "dançando conforme a música que o governo toca". "Estão tentando encontrar uma maneira de atravessar esse momento."
A música que o governo toca, segundo Furtado, é a de um país que "sobrevive de constantes endividamentos", o que torna "a margem de manobra e o espaço para inovar reduzidos". Essa "música", afirma o ex-ministro, pode quebrar o país.
"Se não romper, se aguentar os constrangimentos, [o país] pode ser levado à falência. Se ele [Lula] resistir [a mudar o modelo], como fez a Argentina [antes da desvalorização do peso], pode ser levado à falência", disse Furtado.
Para ele, a manutenção do superávit fiscal acordado com o FMI (3,75% do PIB) daria continuidade ao "atual processo de endividamento" e prejudicaria "todo o plano de investimentos sociais" do PT. A saída, diz, está em "tentar encontrar uma fórmula menos traumática". "Se o Brasil faz uma moratória, a reação será muito violenta." "Não excluo a hipótese de que ele rompa com esses constrangimentos. Só ele é que vai saber de que maneira", disse, acrescentando que Lula "buscará o entendimento".
Já Maria da Conceição afirmou que os constrangimentos macroeconômicos não dificultarão as políticas sociais de Lula. "Todo mundo não tem, com qualquer constrangimento, capacidade financeira para casa popular? Tem. E como é que não pode matar a fome se há alimentos apodrecendo? E isso são reais, não é dólar."
Ela disse que foram discutidos com Lula assuntos "que interessam ao povo", como "desenvolvimento do Nordeste, saneamento, caderneta de poupança popular e a habitação popular". Tavares defendeu os moldes do programa de combate à fome anunciado por Lula e criticado pelo senador Eduardo Suplicy.
"Suplicy tem questões monotemáticas. Você tira a renda mínima, ele não pensa mais nada. O programa da fome foi feito por dezenas de pessoas do ramo. Ele acha que dando uma renda mínima está resolvido. Ninguém mais acha isso. Todo mundo sabe que tem que ter cooperativa, crédito para os assentamentos, crédito popular." Questionada se teria um cargo no governo do PT, a economista respondeu: "Não. Tenho 72 anos. Detesto Brasília. Irei para o subterrâneo".



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