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ENTREVISTA DA 2ª
Roriz ordena prisão de 15 soldados que usaram espingardas calibre 12
Sérgio Lima/Folha Imagem
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O governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PMDB), assina o pedido de prisão dos policiais |
FERNANDO RODRIGUES
da Sucursal de Brasília
Três dias depois de a PM do Distrito Federal ter matado o jardineiro José Ferreira da Silva, em
confronto na empresa estatal de
urbanização Novacap, o governador Joaquim Roriz (PMDB) decidiu determinar a prisão administrativa dos 15 soldados que portavam espingardas calibre 12 na
operação.
Participaram da operação na
Novacap cem soldados. Só 15 usaram armas das quais pode ter saído o projétil de chumbo que causou a morte do jardineiro José
Ferreira da Silva.
Roriz informou à Folha sobre a
prisão dos 15 soldados em entrevista ontem à tarde, em sua casa,
no Setor de Mansões Parkway,
bairro nobre de Brasília.
Depois da repercussão negativa
do caso, o governador reuniu
uma equipe de mais de dez assessores e declarou também que está
tomando as seguintes providências a respeito da ação policial do
último dia 2, à qual se refere como
"massacre":
1) Criará uma comissão com
membros da OAB e da Comissão
de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados, entre outras entidades, para acompanhar a apuração do episódio;
2) Proporá à Câmara Distrital,
ou buscará outra saída legal, que
institua uma indenização ou uma
pensão para familiares das vítimas da violência policial.
Às vezes exaltado, o governador
repetiu várias vezes durante a entrevista que se considera responsável pelo episódio, mas que vai
apurar quem foram os culpados
diretos pela violência policial.
Aos 62 anos, esta é a segunda
vez que Roriz governa Brasília.
Foi eleito no ano passado com o
apoio da população de baixa renda e de menor nível educacional.
Alguns de seus eleitores estão entre as vítimas da violência em
frente à Novacap.
A seguir, os principais trechos
da entrevista do governador do
DF à Folha, que recebeu o auxílio
de assessores presentes, entre eles
o novo secretário da Segurança,
José de Jesus Filho, o comandante
da Polícia Militar no DF, coronel
Antônio Ribeiro, e o diretor da
Polícia Civil, Laerte Bessa:
Folha - Quais providências o
sr. tomou até agora sobre o episódio de violência em frente à
Novacap?
Joaquim Roriz - Afastei todas as
pessoas diretamente envolvidas
na operação. O secretário da Segurança foi afastado e três coronéis também foram afastados. Fiz
isso para evitar constrangimentos
durante a investigação.
Além disso, já abri quatro inquéritos, três na Polícia Civil e um
na Polícia Militar.
Folha - O que já foi apurado
até agora, três dias depois do
ocorrido?
Roriz - Já sabemos quantos policiais portavam armas calibre 12.
Foram 15 policiais. Esse é o número. Uma dessas 15 armas foi a arma assassina. Um desses soldados
usou munição de chumbo. Vamos identificar quem é ele. E, depois, quem mandou ele fazer isso.
Ou se ninguém mandou. Queremos saber por que ele fez isso.
Não vou deixar que esse tiro atinja Brasília, e de forma singular, o
meu governo.
Folha - Além desses 15 soldados com espingardas calibre 12
havia algum outro policial portando arma de fogo?
Coronel Antônio Ribeiro (comandante da PM, presente à entrevista) - Além disso, existia o revolver, que é arma individual de
cada um. Mas as armas que causaram as lesões corporais, tanto
com bala de borracha como de
chumbo, eram espingardas de calibre 12. Essas de calibre 12 já estão
identificadas, já estão recolhidas.
Sabemos o nome de cada policial
que usou cada arma, pois elas têm
número de identificação.
Roriz - Por causa disso, estou assinando, na sua frente, este decreto (mostra um documento e lê):
"Fica determinado ao comandante da Polícia Militar do Distrito
Federal que promova imediatamente as prisões administrativas
de todos os policiais militares que
portaram as armas tipo espingarda calibre 12 no evento acontecido no último dia 2 do corrente
mês na Novacap, que culminou
com óbito e ferimentos".
Folha - Por quanto tempo os
policiais serão mantidos presos?
Roriz - Pelo tempo que for necessário para conclusão do inquérito que apontará os responsáveis
e culpados.
Folha - A esta altura já é possível saber se apenas um policial
usou munição de chumbo?
Coronel Ribeiro - Nessa arma,
quando é disparado um tiro, se
for de borracha, fica a marca preta
da borracha. Quem atirou com
chumbo fica o vestígio do chumbo. O dr. Laerte Bessa (diretor da
Polícia Civil) está reunindo os
seus melhores peritos. Amanhã
(hoje) as armas serão encaminhadas para a perícia técnica.
Roriz - Eu queria dizer que não
podemos, ainda, dizer com segurança se um dos 15 policiais usou
munição de chumbo. Supõe-se
que dentre esses esteja o criminoso. Mas não posso garantir isso.
Folha - Por quê?
Roriz - Porque sei lá se apareceu
alguém de fora... Por isso eu digo
que o que temos é uma hipótese.
Não quero cometer injustiça.
Folha - Mas o que está nos registros da polícia a respeito da
saída de armas e munição no
dia da operação?
Coronel Ribeiro - A munição
que saiu foi só de borracha. Oficialmente só saiu munição de
borracha. Aliás, nunca sai munição de chumbo para uma operação desse tipo.
Folha - Mas se não saiu munição de chumbo do quartel, pelo
menos segundo os registros oficiais, os srs. estão dizendo que
pode ter ocorrido alguma sabotagem? É isso, governador?
Roriz - Eu não posso falar sobre
algo que pode não ser confirmado. Eu tenho muita esperança que
o inquérito não dure 40 dias. Espero concluí-lo em 15 dias.
Folha - A impressão é que o sr.
demorou para agir. Até agora o
sr. também falou muito pouco.
Por quê?
Roriz - Eu fiquei calado nas últimas 48 horas porque não era hora
de falar. Era hora de respeitar a
dor das famílias. E, sobretudo, era
hora de agir. Porque eu considero
essa tragédia o pior acontecimento na história da capital do meu
país. Eu sequer consegui dormir
depois desse acontecimento. Passei mal fisicamente.
Tenho duas preocupações. Primeiro, manifestar minha solidariedade aos familiares do trabalhador morto e aos feridos. Minha
segunda preocupação é apurar a
verdade integralmente. Ninguém
está mais interessado em apurar
que eu.
Folha - O sr. sabia que a operação estava em andamento. O sr.
autorizou a ação?
Roriz - Eu sabia que havia uma
greve e acompanhei. Mas falei para negociar tudo o que fosse possível.
Folha - Mas o sr. não foi notificado pelo secretário da Segurança, ou pelo comandante da
operação, de que a força seria
usada?
Roriz - Eu falei com o secretário
por telefone. Ele disse que a situação estava difícil. Recomendei expressamente três coisas. Primeiro, que mantivesse a ordem pública. Segundo, que negociasse o
tempo todo, o que fosse necessário. Terceiro, e último, que não
usasse, em nenhuma hipótese,
violência. Meu Deus, eu não tinha
mais nada a dizer. Disse isso categoricamente. Ele naturalmente
vai confirmar isso em determinada hora.
Folha - Portanto, pelo seu relato, o secretário não entendeu o
que o sr. disse ou transgrediu
sua ordem. É isso?
Roriz - Eu não quero falar sobre
hipóteses. Muitas vezes, num momento de confronto, é possível
que o controle tenha sido perdido. Mas eu não posso condená-lo
a priori.
Folha - Por que o sr. não demitiu ou afastou os responsáveis
imediatamente?
Roriz - Não sou homem de agir
impulsivamente. Um governante
tem que ter bom senso. Tem que
ter calma para não cometer injustiças. No primeiro dia eu não tinha informações precisas. Quando recebi o laudo pericial sobre a
causa da morte, tomei providências.
Folha - Por que o sr. afastou o
secretário da Segurança e manteve o comandante da PM?
Roriz - Porque só foram afastados os que estiveram diretamente
envolvidos na operação. O coronel estava recebendo uma delegação estrangeira.
Folha - Mas, coronel, no dia do
ocorrido o sr. não estava acompanhando por telefone?
Coronel Ribeiro - Estava.
Folha - E não o consultaram
quando a tropa de choque foi
acionada para desobstruir a entrada da Novacap?
Coronel Ribeiro - Não, aí não
fui informado. Só depois de tudo
acontecido. Imediatamente, então, me desloquei para lá.
Folha - Coronel, como o sr. explica isso?
Coronel Ribeiro - Alguém falhou. E falhou feio. Isso é o que está sendo apurado. Não queremos
acobertar nada nem eu estou
preocupado em me defender.
Folha - Governador, o sr. se
sente responsável pelo que
aconteceu?
Roriz - Tenho responsabilidade
porque eu nomeei os comandantes e nomeei o secretário. Essa é a
minha responsabilidade e eu assumo. Eu tenho o dever de apurar
o ocorrido.
Folha - É um fato que o secretário da Segurança afastado,
Paulo Castello Branco, não retornará mais ao cargo?
Roriz - Não posso ainda responder essa pergunta. Não quero julgar antes de conhecer o resultado
dos inquéritos.
Folha - Além do afastamento
dos envolvidos e a abertura dos
inquéritos, o que mais o sr. pretende fazer?
Roriz - O atual secretário da Segurança, José de Jesus Filho, é um
ministro aposentado do Superior
Tribunal de Justiça e homem da
maior respeitabilidade. Também
já conversei com o ministro da
Justiça, solicitando ajuda da Polícia Federal.
O secretário José de Jesus sugeriu e estou criando uma comissão
para acompanhar a apuração do
caso. A Polícia Federal vai participar. Também vão participar representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério
Público, da Comissão de Direitos
Humanos. Queremos alguém que
represente todas as comissões de
direitos humanos na cidade. Vamos pedir que indiquem um representante. Essa comissão terá
total liberdade para acompanhar
as apurações.
Folha - As vítimas serão indenizadas?
Roriz - Cabe toda a responsabilidade ao governo distrital. Vou
atrás das vítimas, de uma por
uma. Terão solidariedade total do
governo. Isso significa pensão, se
for o caso. Vou mandar uma
mensagem para a Câmara Distrital, se for o caso. Vou pedir todo o
apoio financeiro necessário para
as vítimas desse massacre. Farei
isso a partir de amanhã (hoje).
Folha - O seu partido, o PMDB
terá uma reunião amanhã (hoje)
e deve discutir o caso. O sr. pretende explicar-se ao PMDB?
Roriz - Não vou ligar para ninguém. Eu sei o que devo fazer. Sou
membro do PMDB, mas não sou
subserviente.
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