São Paulo, Segunda-feira, 06 de Dezembro de 1999


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ENTREVISTA DA 2ª
Roriz ordena prisão de 15 soldados que usaram espingardas calibre 12

Sérgio Lima/Folha Imagem
O governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PMDB), assina o pedido de prisão dos policiais


FERNANDO RODRIGUES
da Sucursal de Brasília

Três dias depois de a PM do Distrito Federal ter matado o jardineiro José Ferreira da Silva, em confronto na empresa estatal de urbanização Novacap, o governador Joaquim Roriz (PMDB) decidiu determinar a prisão administrativa dos 15 soldados que portavam espingardas calibre 12 na operação.
Participaram da operação na Novacap cem soldados. Só 15 usaram armas das quais pode ter saído o projétil de chumbo que causou a morte do jardineiro José Ferreira da Silva.
Roriz informou à Folha sobre a prisão dos 15 soldados em entrevista ontem à tarde, em sua casa, no Setor de Mansões Parkway, bairro nobre de Brasília.
Depois da repercussão negativa do caso, o governador reuniu uma equipe de mais de dez assessores e declarou também que está tomando as seguintes providências a respeito da ação policial do último dia 2, à qual se refere como "massacre":
1) Criará uma comissão com membros da OAB e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, entre outras entidades, para acompanhar a apuração do episódio;
2) Proporá à Câmara Distrital, ou buscará outra saída legal, que institua uma indenização ou uma pensão para familiares das vítimas da violência policial.
Às vezes exaltado, o governador repetiu várias vezes durante a entrevista que se considera responsável pelo episódio, mas que vai apurar quem foram os culpados diretos pela violência policial.
Aos 62 anos, esta é a segunda vez que Roriz governa Brasília. Foi eleito no ano passado com o apoio da população de baixa renda e de menor nível educacional. Alguns de seus eleitores estão entre as vítimas da violência em frente à Novacap.
A seguir, os principais trechos da entrevista do governador do DF à Folha, que recebeu o auxílio de assessores presentes, entre eles o novo secretário da Segurança, José de Jesus Filho, o comandante da Polícia Militar no DF, coronel Antônio Ribeiro, e o diretor da Polícia Civil, Laerte Bessa:

Folha - Quais providências o sr. tomou até agora sobre o episódio de violência em frente à Novacap?
Joaquim Roriz -
Afastei todas as pessoas diretamente envolvidas na operação. O secretário da Segurança foi afastado e três coronéis também foram afastados. Fiz isso para evitar constrangimentos durante a investigação.
Além disso, já abri quatro inquéritos, três na Polícia Civil e um na Polícia Militar.

Folha - O que já foi apurado até agora, três dias depois do ocorrido?
Roriz -
Já sabemos quantos policiais portavam armas calibre 12. Foram 15 policiais. Esse é o número. Uma dessas 15 armas foi a arma assassina. Um desses soldados usou munição de chumbo. Vamos identificar quem é ele. E, depois, quem mandou ele fazer isso. Ou se ninguém mandou. Queremos saber por que ele fez isso. Não vou deixar que esse tiro atinja Brasília, e de forma singular, o meu governo.

Folha - Além desses 15 soldados com espingardas calibre 12 havia algum outro policial portando arma de fogo?
Coronel Antônio Ribeiro (comandante da PM, presente à entrevista) -
Além disso, existia o revolver, que é arma individual de cada um. Mas as armas que causaram as lesões corporais, tanto com bala de borracha como de chumbo, eram espingardas de calibre 12. Essas de calibre 12 já estão identificadas, já estão recolhidas. Sabemos o nome de cada policial que usou cada arma, pois elas têm número de identificação.

Roriz - Por causa disso, estou assinando, na sua frente, este decreto (mostra um documento e lê): "Fica determinado ao comandante da Polícia Militar do Distrito Federal que promova imediatamente as prisões administrativas de todos os policiais militares que portaram as armas tipo espingarda calibre 12 no evento acontecido no último dia 2 do corrente mês na Novacap, que culminou com óbito e ferimentos".

Folha - Por quanto tempo os policiais serão mantidos presos?
Roriz -
Pelo tempo que for necessário para conclusão do inquérito que apontará os responsáveis e culpados.

Folha - A esta altura já é possível saber se apenas um policial usou munição de chumbo?
Coronel Ribeiro -
Nessa arma, quando é disparado um tiro, se for de borracha, fica a marca preta da borracha. Quem atirou com chumbo fica o vestígio do chumbo. O dr. Laerte Bessa (diretor da Polícia Civil) está reunindo os seus melhores peritos. Amanhã (hoje) as armas serão encaminhadas para a perícia técnica.

Roriz - Eu queria dizer que não podemos, ainda, dizer com segurança se um dos 15 policiais usou munição de chumbo. Supõe-se que dentre esses esteja o criminoso. Mas não posso garantir isso.

Folha - Por quê?
Roriz -
Porque sei lá se apareceu alguém de fora... Por isso eu digo que o que temos é uma hipótese. Não quero cometer injustiça.

Folha - Mas o que está nos registros da polícia a respeito da saída de armas e munição no dia da operação?
Coronel Ribeiro -
A munição que saiu foi só de borracha. Oficialmente só saiu munição de borracha. Aliás, nunca sai munição de chumbo para uma operação desse tipo.

Folha - Mas se não saiu munição de chumbo do quartel, pelo menos segundo os registros oficiais, os srs. estão dizendo que pode ter ocorrido alguma sabotagem? É isso, governador?
Roriz -
Eu não posso falar sobre algo que pode não ser confirmado. Eu tenho muita esperança que o inquérito não dure 40 dias. Espero concluí-lo em 15 dias.

Folha - A impressão é que o sr. demorou para agir. Até agora o sr. também falou muito pouco. Por quê?
Roriz -
Eu fiquei calado nas últimas 48 horas porque não era hora de falar. Era hora de respeitar a dor das famílias. E, sobretudo, era hora de agir. Porque eu considero essa tragédia o pior acontecimento na história da capital do meu país. Eu sequer consegui dormir depois desse acontecimento. Passei mal fisicamente.
Tenho duas preocupações. Primeiro, manifestar minha solidariedade aos familiares do trabalhador morto e aos feridos. Minha segunda preocupação é apurar a verdade integralmente. Ninguém está mais interessado em apurar que eu.

Folha - O sr. sabia que a operação estava em andamento. O sr. autorizou a ação?
Roriz -
Eu sabia que havia uma greve e acompanhei. Mas falei para negociar tudo o que fosse possível.

Folha - Mas o sr. não foi notificado pelo secretário da Segurança, ou pelo comandante da operação, de que a força seria usada?
Roriz -
Eu falei com o secretário por telefone. Ele disse que a situação estava difícil. Recomendei expressamente três coisas. Primeiro, que mantivesse a ordem pública. Segundo, que negociasse o tempo todo, o que fosse necessário. Terceiro, e último, que não usasse, em nenhuma hipótese, violência. Meu Deus, eu não tinha mais nada a dizer. Disse isso categoricamente. Ele naturalmente vai confirmar isso em determinada hora.

Folha - Portanto, pelo seu relato, o secretário não entendeu o que o sr. disse ou transgrediu sua ordem. É isso?
Roriz -
Eu não quero falar sobre hipóteses. Muitas vezes, num momento de confronto, é possível que o controle tenha sido perdido. Mas eu não posso condená-lo a priori.

Folha - Por que o sr. não demitiu ou afastou os responsáveis imediatamente?
Roriz -
Não sou homem de agir impulsivamente. Um governante tem que ter bom senso. Tem que ter calma para não cometer injustiças. No primeiro dia eu não tinha informações precisas. Quando recebi o laudo pericial sobre a causa da morte, tomei providências.

Folha - Por que o sr. afastou o secretário da Segurança e manteve o comandante da PM?
Roriz -
Porque só foram afastados os que estiveram diretamente envolvidos na operação. O coronel estava recebendo uma delegação estrangeira.

Folha - Mas, coronel, no dia do ocorrido o sr. não estava acompanhando por telefone?
Coronel Ribeiro -
Estava.

Folha - E não o consultaram quando a tropa de choque foi acionada para desobstruir a entrada da Novacap?
Coronel Ribeiro -
Não, aí não fui informado. Só depois de tudo acontecido. Imediatamente, então, me desloquei para lá.

Folha - Coronel, como o sr. explica isso?
Coronel Ribeiro -
Alguém falhou. E falhou feio. Isso é o que está sendo apurado. Não queremos acobertar nada nem eu estou preocupado em me defender.

Folha - Governador, o sr. se sente responsável pelo que aconteceu?
Roriz -
Tenho responsabilidade porque eu nomeei os comandantes e nomeei o secretário. Essa é a minha responsabilidade e eu assumo. Eu tenho o dever de apurar o ocorrido.

Folha - É um fato que o secretário da Segurança afastado, Paulo Castello Branco, não retornará mais ao cargo?
Roriz -
Não posso ainda responder essa pergunta. Não quero julgar antes de conhecer o resultado dos inquéritos.

Folha - Além do afastamento dos envolvidos e a abertura dos inquéritos, o que mais o sr. pretende fazer?
Roriz -
O atual secretário da Segurança, José de Jesus Filho, é um ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça e homem da maior respeitabilidade. Também já conversei com o ministro da Justiça, solicitando ajuda da Polícia Federal.
O secretário José de Jesus sugeriu e estou criando uma comissão para acompanhar a apuração do caso. A Polícia Federal vai participar. Também vão participar representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, da Comissão de Direitos Humanos. Queremos alguém que represente todas as comissões de direitos humanos na cidade. Vamos pedir que indiquem um representante. Essa comissão terá total liberdade para acompanhar as apurações.

Folha - As vítimas serão indenizadas?
Roriz -
Cabe toda a responsabilidade ao governo distrital. Vou atrás das vítimas, de uma por uma. Terão solidariedade total do governo. Isso significa pensão, se for o caso. Vou mandar uma mensagem para a Câmara Distrital, se for o caso. Vou pedir todo o apoio financeiro necessário para as vítimas desse massacre. Farei isso a partir de amanhã (hoje).

Folha - O seu partido, o PMDB terá uma reunião amanhã (hoje) e deve discutir o caso. O sr. pretende explicar-se ao PMDB?
Roriz -
Não vou ligar para ninguém. Eu sei o que devo fazer. Sou membro do PMDB, mas não sou subserviente.


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