São Paulo, Segunda-feira, 06 de Dezembro de 1999


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PRECATÓRIOS
Em três casos de Minas Gerais, valor supera em R$ 44,2 milhões o determinado pelo Judiciário
DNER paga mais do que manda a Justiça

RANIER BRAGON
da Agência Folha, em Belo Horizonte

O DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) pagou neste ano pelo menos três indenizações com valores até sete vezes superiores às cifras originais estipuladas pela Justiça.
A Agência Folha teve acesso a quatro processos cujos precatórios foram quitados pelo órgão em Minas Gerais. Em três deles, a soma dos valores das sentenças judiciais é US$ 5,8 milhões (R$ 10,9 milhões, ao câmbio da sexta-feira passada).
"Correções" nos cálculos, aprovadas pela Procuradoria do DNER em Minas Gerais, elevaram essa cifra para US$ 29,3 milhões (R$ 55,1 milhões).
Os reclamantes das indenizações embolsaram US$ 23,5 milhões (R$ 44,2 milhões) a mais do que o ordenado pelos juízes.
Os processos em Minas, movidos entre 1982 e 1990, exigiam indenização por desapropriação irregular de terras que o departamento promoveu quando construiu algumas rodovias no Estado nas décadas de 60 e 70.
A defesa dos interesses do DNER nos quatro processos analisados ficou a cargo do procurador Adolfo Lage Oliveira, que não contestou nenhum valor apresentado pelos reclamantes.
Apenas 1 dos 4 casos teve os cálculos questionados. Isso ocorreu durante as férias de Oliveira. O processo está sob investigação da Advocacia Geral da União.
Além da "coincidência" de esses processos terem passado pelo crivo do mesmo procurador, o advogado Juarez Lopes da Silva representa os reclamantes nos três casos tidos como "não problemáticos" pelo DNER.
Silva, conforme revelou a Folha em 31 de outubro último, fez uso de um esquema suspeito, que está sob investigação do Ministério Público Federal, para furar a fila de pagamento dos precatórios estabelecida pela Justiça.
O advogado contratou lobistas que abriram as portas necessárias para antecipar o acesso de seus clientes aos cofres do DNER. Indenizações que, na melhor das hipóteses, seriam quitadas em 2001, foram pagas neste ano.
Na lista dos ressarcidos do órgão, os representados por Silva -Ernane de Souza, Hélio Ferreira Leite e Márcio de Barros Quintão- estão entre os cinco que receberam as indenizações mais altas em 1999.
A morosidade dos pagamentos é motivo para que os reclamantes contestem os valores originais -que já embutem os juros e correções- e consigam aumentar as cifras por meio de precatórios complementares.
Como esses também são pagos com atraso, as vítimas das desapropriações reivindicam a emissão de novos complementos para repor as perdas inflacionárias.
Até 1994, todos os cálculos eram feitos pelos técnicos do Judiciário. A partir dessa data, a incumbência de estimar o valor dos precatórios e de suas atualizações passou para os autores da ação.
Foi justamente a partir dessa mudança que as indenizações sofreram aumentos expressivos.
Por meio de escritórios especializados em contabilidade judicial, os autores apresentam os cálculos, que são submetidos à Procuradoria do DNER. Cabe aos procuradores contestá-los ou não.
A responsável pelos defensores do departamento em Minas, Mônica Almeida Horta, afirmou que "não é normal" o fato de o procurador Adolfo Oliveira não ter contestado as cifras apresentadas pelo advogado Silva.
No processo de Ernane de Souza, por exemplo, os 300 hectares na região de Patos de Minas (a 465 km de Belo Horizonte) desapropriados nos anos 60 valem hoje -já considerando a valorização das terras com a construção de duas rodovias na área-, cerca de US$ 150 mil, segundo a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais.
O precatório original, com juros e correção, foi calculado em US$ 818,9 mil, e o DNER já pagou pelas terras o equivalente a 7,3 vezes esse valor (US$ 6 milhões).
Em outros processos ocorreu a mesma coisa. No encabeçado por Hélio Ferreira Leite, foi determinado o pagamento de US$ 3,1 milhões. O poder público já liberou US$ 14,7 milhões (4,8 vezes o custo do precatório original).
Márcio de Barros Quintão e outros reclamantes da região de Governador Valadares teriam direito, segundo o Judiciário, a US$ 1,9 milhão. Já receberam até agora US$ 8,6 milhões (4,5 vezes).
Dois técnicos em contabilidade jurídica (que pediram para não ser identificados) analisaram os valores dos três casos a pedido da Agência Folha. A conclusão deles foi que o DNER não podia concordar com os valores pagos.
A chefe dos procuradores disse que cada um dos seus subordinados tem autonomia para decidir sobre os processos.
"Nós temos 3.000 processos e eu não posso ir lá todo dia e bater na porta para saber o que o procurador fez", disse Mônica Horta.
Segundo ela, cada um responde pelos seus atos. "Se amanhã for descoberto que o Adolfo concordou com uma conta exorbitante, abre-se um inquérito e vai-se apurar. Aí já não é da minha responsabilidade."
O advogado Walter Ceneviva, articulista da Folha, considerou estranhos os cálculos aceitos pelo procurador do DNER. "Isso deve ser cuidadosamente verificado pelas autoridades."
A opinião de Ceneviva é compartilhada pelo advogado Lásaro Cândido da Cunha -autor do livro "Precatório, Execução contra a Fazenda Pública".


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