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PRECATÓRIOS
Em três casos de Minas Gerais, valor supera em R$ 44,2 milhões o determinado pelo Judiciário
DNER paga mais do que manda a Justiça
RANIER BRAGON
da Agência Folha, em Belo Horizonte
O DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem)
pagou neste ano pelo menos três
indenizações com valores até sete
vezes superiores às cifras originais
estipuladas pela Justiça.
A Agência Folha teve acesso a
quatro processos cujos precatórios foram quitados pelo órgão
em Minas Gerais. Em três deles, a
soma dos valores das sentenças
judiciais é US$ 5,8 milhões (R$
10,9 milhões, ao câmbio da sexta-feira passada).
"Correções" nos cálculos, aprovadas pela Procuradoria do
DNER em Minas Gerais, elevaram essa cifra para US$ 29,3 milhões (R$ 55,1 milhões).
Os reclamantes das indenizações embolsaram US$ 23,5 milhões (R$ 44,2 milhões) a mais do
que o ordenado pelos juízes.
Os processos em Minas, movidos entre 1982 e 1990, exigiam indenização por desapropriação irregular de terras que o departamento promoveu quando construiu algumas rodovias no Estado
nas décadas de 60 e 70.
A defesa dos interesses do
DNER nos quatro processos analisados ficou a cargo do procurador Adolfo Lage Oliveira, que não
contestou nenhum valor apresentado pelos reclamantes.
Apenas 1 dos 4 casos teve os cálculos questionados. Isso ocorreu
durante as férias de Oliveira. O
processo está sob investigação da
Advocacia Geral da União.
Além da "coincidência" de esses
processos terem passado pelo crivo do mesmo procurador, o advogado Juarez Lopes da Silva representa os reclamantes nos três
casos tidos como "não problemáticos" pelo DNER.
Silva, conforme revelou a Folha
em 31 de outubro último, fez uso
de um esquema suspeito, que está
sob investigação do Ministério
Público Federal, para furar a fila
de pagamento dos precatórios estabelecida pela Justiça.
O advogado contratou lobistas
que abriram as portas necessárias
para antecipar o acesso de seus
clientes aos cofres do DNER. Indenizações que, na melhor das hipóteses, seriam quitadas em 2001,
foram pagas neste ano.
Na lista dos ressarcidos do órgão, os representados por Silva
-Ernane de Souza, Hélio Ferreira Leite e Márcio de Barros Quintão- estão entre os cinco que receberam as indenizações mais altas em 1999.
A morosidade dos pagamentos
é motivo para que os reclamantes
contestem os valores originais
-que já embutem os juros e correções- e consigam aumentar as
cifras por meio de precatórios
complementares.
Como esses também são pagos
com atraso, as vítimas das desapropriações reivindicam a emissão de novos complementos para
repor as perdas inflacionárias.
Até 1994, todos os cálculos eram
feitos pelos técnicos do Judiciário.
A partir dessa data, a incumbência de estimar o valor dos precatórios e de suas atualizações passou
para os autores da ação.
Foi justamente a partir dessa
mudança que as indenizações sofreram aumentos expressivos.
Por meio de escritórios especializados em contabilidade judicial,
os autores apresentam os cálculos, que são submetidos à Procuradoria do DNER. Cabe aos procuradores contestá-los ou não.
A responsável pelos defensores
do departamento em Minas, Mônica Almeida Horta, afirmou que
"não é normal" o fato de o procurador Adolfo Oliveira não ter contestado as cifras apresentadas pelo advogado Silva.
No processo de Ernane de Souza, por exemplo, os 300 hectares
na região de Patos de Minas (a 465
km de Belo Horizonte) desapropriados nos anos 60 valem hoje
-já considerando a valorização
das terras com a construção de
duas rodovias na área-, cerca de
US$ 150 mil, segundo a Empresa
de Assistência Técnica e Extensão
Rural de Minas Gerais.
O precatório original, com juros
e correção, foi calculado em US$
818,9 mil, e o DNER já pagou pelas terras o equivalente a 7,3 vezes
esse valor (US$ 6 milhões).
Em outros processos ocorreu a
mesma coisa. No encabeçado por
Hélio Ferreira Leite, foi determinado o pagamento de US$ 3,1 milhões. O poder público já liberou
US$ 14,7 milhões (4,8 vezes o custo do precatório original).
Márcio de Barros Quintão e outros reclamantes da região de Governador Valadares teriam direito, segundo o Judiciário, a US$ 1,9
milhão. Já receberam até agora
US$ 8,6 milhões (4,5 vezes).
Dois técnicos em contabilidade
jurídica (que pediram para não
ser identificados) analisaram os
valores dos três casos a pedido da
Agência Folha. A conclusão deles
foi que o DNER não podia concordar com os valores pagos.
A chefe dos procuradores disse
que cada um dos seus subordinados tem autonomia para decidir
sobre os processos.
"Nós temos 3.000 processos e eu
não posso ir lá todo dia e bater na
porta para saber o que o procurador fez", disse Mônica Horta.
Segundo ela, cada um responde
pelos seus atos. "Se amanhã for
descoberto que o Adolfo concordou com uma conta exorbitante,
abre-se um inquérito e vai-se apurar. Aí já não é da minha responsabilidade."
O advogado Walter Ceneviva,
articulista da Folha, considerou
estranhos os cálculos aceitos pelo
procurador do DNER. "Isso deve
ser cuidadosamente verificado
pelas autoridades."
A opinião de Ceneviva é compartilhada pelo advogado Lásaro
Cândido da Cunha -autor do livro "Precatório, Execução contra
a Fazenda Pública".
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