|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
Um símbolo
A decisão judicial que restabeleceu os três salários de parlamentares, para que compareçam ao
Congresso uns dois dias em cada
semana de janeiro, não atenuou,
antes fortaleceu esse privilégio de
senadores e deputados como o
melhor símbolo do pacto de improbidade que domina o Brasil.
Três meses de férias para os parlamentares já são, por si sós, um
privilégio despudorado. Atividade mesmo, na Câmara, só existe
durante a semana para deputados estimáveis em 20% a 30% do
total, uns cem. Do restante, os que
comparecem o fazem assim, quase todos: chegada na terça-feira,
mais para o fim do dia, e saída na
quinta, tão cedo quanto possível.
Os dois dias de descanso remunerado para os brasileiros, em geral, invertem-se para os deputados, que têm um e meio a dois de
comparecimento ao lugar de trabalho e cinco de disponibilidade
remunerada. Nesse sistema, suas
férias só podem ser para descansá-los de tanto descanso.
Dois meses no verão, um mês no
meio do ano, junto com as férias
escolares. Enquanto permanecer
essa diferenciação dos parlamentares, em relação aos cidadãos
que trabalham, estará ainda por
ser iniciada a moralização do
Congresso. Argumentam os defensores da inatividade remunerada que a duração das férias, assim como as ausências nas semanas falsamente úteis, é necessário
para o contato com as bases. A falsidade é dupla.
Antes que deputados e senadores recebessem a abundância de
passagens aéreas e, como complemento, o sistema de comparecimento semanal mínimo, Câmara
e Senado eram muito mais eficientes e, nem se compara, respeitáveis. Além disso, o comportamento da grande maioria dos
parlamentares não tem relação
com o esperado pelas bases eleitorais, mas com as transações em
que apoio e voto são moedas valiosas. Raros são os casos que fogem a essa regra -e o da cobrança aos inativos é um, por seu excesso anti-social.
A grande vantagem dos três meses de férias oficiais é a convocação extraordinária. Para manter
o mesmo esquema de escassa presença e muita omissão, os parlamentares convocados recebem o
triplo do que lhes é pago em dinheiro (não esqueçamos que, aos
"pequenos vencimentos" de R$
8.000, somam-se apartamento ou
auxílio moradia, serviços de gráfica, verba extra dita de gabinete,
passagens aéreas, combustível de
carros e auxiliares na terra natal.
O ganho triplo depende da convocação pelo presidente da República. E Fernando Henrique Cardoso não deu aos parlamentares,
nos últimos quatro anos, o presente de duas convocações anuais,
no verão e a meio do ano. Desde
junho passado, porém, a "reforma" administrativa estabeleceu
que nenhum servidor pode receber mais, nem por acúmulos, do
que os ministros do Supremo Tribunal Federal. Logo, como sentenciou o juiz Eugênio Rosa de
Araújo, confirmado pelo juiz
Theophilo Antonio Miguel, do
Tribunal Regional Federal do
Rio, o novo item da Constituição,
aprovado pelo próprio Congresso,
tornou inconstitucional o pagamento do vencimento triplo. Ou
mesmo duplo.
Com a recusa de grande número
de parlamentares a aceitar a convocação extraordinária, caso não
tivesse o ganho, esse sim, verdadeiramente extraordinário, o governo entrou com um desses expedientes esquisitos, que têm resultado sempre em vitória sua, mesmo quando não o seja também da
lei e da Constituição. E ganhou
outra vez: os parlamentares podem receber, de novo, o presentinho que Fernando Henrique encontra, para mimoseá-los, nos cofres públicos refratários aos problemas da Saúde, da Educação,
do saneamento, ao que a população necessita.
Um juiz federal já me ensinou
na prática, quando de uma inconsequente ocorrência de trânsito,
que é estúpido referir-se a magistrados, em jornal, senão para o
aplauso. Pode acontecer de que
seja um dos que aliam prepotência e temperamento vingativo, e
de repente o acaso ou a Lei de Imprensa põe, frente a frente, juiz e
comentarista. São esses cuidados
que explicam a presença tão exígua do Judiciário no jornalismo
brasileiro.
Mas o presidente do TRF, Alberto Nogueira, emitiu uma sentença
que suponho absolutamente inovadora. Dado que o "Congresso
Nacional não tem conseguido
quórum", por motivos "que não
me (a ele) cabe apurar", Sua Excelência concluiu ser isso "o
quanto basta" para autorizar "o
Congresso Nacional a pagar os jetons", que são os dois salários adicionais.
Nenhuma referência ao texto
constitucional que limita, ou melhor, pretende dar um limite aos
vencimentos dos servidores. Mas
deputados e senadores estão autorizados, teoricamente, a pedir
da próxima vez, não vencimento
triplo, mas quintuplicado, decuplicado. Se "o quanto basta", para
que recebam o valor citado em
qualquer decreto legislativo sobre
sua desejada remuneração, é só se
recusarem a comparecer ao Congresso.
E viva a democracia em que os
Três Poderes, apesar de um ou outro juiz atravessado, acabam se
entendendo tão bem.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|