São Paulo, quarta, 7 de maio de 1997.



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ELIO GASPARI
Telefone a R$ 300: surfismo de neobobo


O governo levou longe demais o seu hábito de brincar com a demanda reprimida de telefones. Quando atraiu milhares de pessoas para as portas das empresas e deu a alguns milhões de brasileiros a impressão de que o preço dos aparelhos caiu de R$ 1.100 para R$ 300, nem demagogia fez. Foi covardia mesmo. O telefone de R$ 300 não é gogó, é lorota. É barato, mas não existe. Há 10 milhões de cidadãos na fila dos aparelhos convencionais e 7 milhões na dos celulares. Na fila continuarão.
São vários os casos de propaganda enganosa em que se meteu o governo de FFHH, mas nenhum tinha chegado a esse ponto. Aos fatos.
No seu livro "Mãos à Obra, Brasil", (página 57) o candidato Fernando Henrique Cardoso informava que se podiam agregar aos sistemas telefônicos "2 milhões de novas linhas por ano". Nessa conta, ao fim de junho próximo, teriam sido agregados 5 milhões de linhas. Até março passado, haviam-se agregado 2,4 milhões, menos da metade. Nesse ritmo, FFHH precisa do segundo mandato para cumprir o que ofereceu para levar o primeiro.
Como dizia o primeiro-ministro inglês Clement Atlee, "é de profundo mau gosto lembrar aos governantes as promessas dos candidatos".
Que tal lembrar aos governantes as promessas dos governantes?
Em setembro de 1995, ao anunciar o seu Plano Plurianual, FFHH anunciou que em quatro anos elevaria o número de telefones de 14,2 milhões para 24,9 milhões. Passaram-se 20 meses e os telefones existentes são 14,9 milhões. A esse ritmo (que não é justo projetar) FFHH precisaria ficar no Planalto mais 24 anos para cumprir seu plano.
O governo projeta o que bem entende. Como não há ministro sem telefone, pois não pagam nem sequer as contas das linhas de suas casas, parecem tratar o assunto como se fosse brincadeira. Em janeiro de 1996, FFHH informou que em 18 meses haveria tantos telefones disponíveis no Rio e em São Paulo que o mercado livre, no qual são vendidos a R$ 3.000, estaria defunto. No fim do mês que vem, completam-se os 18 meses. A fila paulistana tem 3,5 milhões de pessoas. A carioca, 4 milhões.
Em alguns casos o ilusionismo oficial chega a ser cruel. Em janeiro do ano passado, as máquinas de propaganda do Ministério das Comunicações e do governo do Rio de Janeiro anunciaram que em novembro os moradores da Barra da Tijuca conseguiriam um terminal telefônico em 24 horas. Novembro passou, e os moradores da Barra ganharam uma nova promessa: até o fim deste ano estará atendida a fila de 27 mil interessados em comprar telefones. Mais: sobrarão 13 mil linhas. Até agora não sobrou uma.
O ministro Sérgio Motta promete que até o final do ano que vem o tempo de espera por um telefone em São Paulo e no Rio será de, no máximo, 30 dias. Beleza. Como no final do ano que vem o distinto público será chamado a votar, nada melhor do que torcer e lembrar dessa promessinha.
A lorota do telefone barato não é uma completa brincadeira. As linhas custavam R$ 1.100 porque o interessado financiava a empresa que lhe vendia o aparelho, comprando-lhe ações. Quem guardou os papéis, tem hoje um patrimônio superior ao valor da operação. Portanto, com a moeda estável, o tal telefone de R$ 1.100 saía de graça e o cidadão ainda ganhava algum.
Em 1996, a Telebrás (a mãe de todas as teles) tinha 6 milhões de pequenos acionistas. Em um ano, o Ministério das Comunicações baixou esse número para 4,3 milhões. Com o novo preço das linhas, acaba-se a venda das ações, contém-se a capitalização das empresas e, com isso, elas podem ser vendidas a um precinho mais camarada.
O governo vai privatizar o setor de telecomunicações livrando-se da chusma dos pequenos acionistas. Precisamente o contrário do que se vem fazendo no mundo. Exatamente o oposto do que fez na Inglaterra a baronesa Thatcher, mãe de todas as privatizações.
Em última instância, os atos do governo derivam de um mandato recebido do povo. Se FFHH achou certo proibir os fundos de pensão de entrar no leilão da Light e, um ano depois, os obrigou a entrar na hasta da Vale, tem mandato para isso. Assim como o tem para promover a concentração da atividade econômica privada por meio da venda do bem público. Ainda assim, mandato para que seu ministro da reeleição diga que se pode comprar telefone a R$ 300, ninguém lhe deu. A menos que os 10 milhões de sem-telefone que estão na fila sejam nebobos, surfistas das perdidas ilusões.



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