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ELIO GASPARI
Telefone a R$ 300:
surfismo de neobobo
O governo levou longe demais o seu hábito de brincar
com a demanda reprimida de
telefones. Quando atraiu milhares de pessoas para as portas das empresas e deu a alguns milhões de brasileiros a
impressão de que o preço dos
aparelhos caiu de R$ 1.100
para R$ 300, nem demagogia
fez. Foi covardia mesmo. O
telefone de R$ 300 não é gogó, é lorota. É barato, mas
não existe. Há 10 milhões de
cidadãos na fila dos aparelhos convencionais e 7 milhões na dos celulares. Na fila
continuarão.
São vários os casos de propaganda enganosa em que se
meteu o governo de FFHH,
mas nenhum tinha chegado a
esse ponto. Aos fatos.
No seu livro "Mãos à Obra,
Brasil", (página 57) o candidato Fernando Henrique
Cardoso informava que se
podiam agregar aos sistemas
telefônicos "2 milhões de novas linhas por ano". Nessa
conta, ao fim de junho próximo, teriam sido agregados 5
milhões de linhas. Até março
passado, haviam-se agregado
2,4 milhões, menos da metade. Nesse ritmo, FFHH precisa do segundo mandato para
cumprir o que ofereceu para
levar o primeiro.
Como dizia o primeiro-ministro inglês Clement Atlee,
"é de profundo mau gosto
lembrar aos governantes as
promessas dos candidatos".
Que tal lembrar aos governantes as promessas dos governantes?
Em setembro de 1995, ao
anunciar o seu Plano Plurianual, FFHH anunciou que
em quatro anos elevaria o
número de telefones de 14,2
milhões para 24,9 milhões.
Passaram-se 20 meses e os telefones existentes são 14,9 milhões. A esse ritmo (que não é
justo projetar) FFHH precisaria ficar no Planalto mais 24
anos para cumprir seu plano.
O governo projeta o que
bem entende. Como não há
ministro sem telefone, pois
não pagam nem sequer as
contas das linhas de suas casas, parecem tratar o assunto
como se fosse brincadeira.
Em janeiro de 1996, FFHH
informou que em 18 meses
haveria tantos telefones disponíveis no Rio e em São
Paulo que o mercado livre,
no qual são vendidos a R$
3.000, estaria defunto. No fim
do mês que vem, completam-se os 18 meses. A fila
paulistana tem 3,5 milhões
de pessoas. A carioca, 4 milhões.
Em alguns casos o ilusionismo oficial chega a ser cruel.
Em janeiro do ano passado,
as máquinas de propaganda
do Ministério das Comunicações e do governo do Rio de
Janeiro anunciaram que em
novembro os moradores da
Barra da Tijuca conseguiriam um terminal telefônico
em 24 horas. Novembro passou, e os moradores da Barra
ganharam uma nova promessa: até o fim deste ano
estará atendida a fila de 27
mil interessados em comprar
telefones. Mais: sobrarão 13
mil linhas. Até agora não sobrou uma.
O ministro Sérgio Motta
promete que até o final do
ano que vem o tempo de espera por um telefone em São
Paulo e no Rio será de, no
máximo, 30 dias. Beleza. Como no final do ano que vem o
distinto público será chamado a votar, nada melhor do
que torcer e lembrar dessa
promessinha.
A lorota do telefone barato
não é uma completa brincadeira. As linhas custavam R$
1.100 porque o interessado financiava a empresa que lhe
vendia o aparelho, comprando-lhe ações. Quem guardou
os papéis, tem hoje um patrimônio superior ao valor da
operação. Portanto, com a
moeda estável, o tal telefone
de R$ 1.100 saía de graça e o
cidadão ainda ganhava algum.
Em 1996, a Telebrás (a mãe
de todas as teles) tinha 6 milhões de pequenos acionistas.
Em um ano, o Ministério das
Comunicações baixou esse
número para 4,3 milhões.
Com o novo preço das linhas,
acaba-se a venda das ações,
contém-se a capitalização
das empresas e, com isso, elas
podem ser vendidas a um
precinho mais camarada.
O governo vai privatizar o
setor de telecomunicações livrando-se da chusma dos pequenos acionistas. Precisamente o contrário do que se
vem fazendo no mundo. Exatamente o oposto do que fez
na Inglaterra a baronesa
Thatcher, mãe de todas as
privatizações.
Em última instância, os
atos do governo derivam de
um mandato recebido do povo. Se FFHH achou certo
proibir os fundos de pensão
de entrar no leilão da Light e,
um ano depois, os obrigou a
entrar na hasta da Vale, tem
mandato para isso. Assim como o tem para promover a
concentração da atividade
econômica privada por meio
da venda do bem público.
Ainda assim, mandato para
que seu ministro da reeleição
diga que se pode comprar telefone a R$ 300, ninguém lhe
deu. A menos que os 10 milhões de sem-telefone que estão na fila sejam nebobos,
surfistas das perdidas ilusões.
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