São Paulo, quinta-feira, 07 de julho de 2005

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O ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ CAIXA 2

Eventual superfaturamento de contratos publicitários não bastaria para explicar movimentação de R$ 500 milhões por SMPB e DNA

Governo suspeita que Valério seja "laranja"

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Na tentativa de se antecipar a eventuais fatos novos que possam complicar a situação do governo e do PT na crise política, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discutiu nos últimos dias com ministros e auxiliares a origem de eventuais recursos financeiros das empresas do publicitário Marcos Valério que possam ter irrigado partidos políticos.
A principal conclusão é que dificilmente, como disse o próprio Valério ontem na CPI dos Correios, os recursos do suposto "mensalão" vieram do superfaturamento de contratos de publicidade oficial. A principal hipótese para explicar recursos sem origem identificada é que as empresas das quais Marcos Valério é sócio tenham atuado como laranjas para que outras companhias privadas dessem recursos a partidos políticos na forma de caixa dois.
Um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda, indicou créditos de R$ 500 milhões sem origem identificada entre 1999 e 2005 em operações de Valério, sócios e empresas do publicitário, que é suspeito de ser um dos operadores do suposto "mensalão" -mesada do PT a deputados do PL e do PP.
A cúpula do governo chegou à conclusão de que seria impossível que os contratos oficiais de publicidade alimentassem o eventual esquema de Valério após Lula pedir explicações ao ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) a respeito dos gastos de propaganda do governo.
A DNA e a SMPB, empresas que têm o publicitário como sócio, teriam tido, nas contas do governo, um lucro líquido (o que sobra descontadas todas as despesas e impostos) de cerca de R$ 10,5 milhões em 2004. A quantia é pequena na comparação com as movimentações financeiras que estão chegando ao conhecimento da CPI dos Correios e do governo.
Em 2004, o governo federal gastou cerca de R$ 1,240 bilhão em publicidade. Desse montante, R$ 870 milhões se referem à chamada "veiculação de mídia", dinheiro que o governo repassa às agências para que comprem espaço publicitário. Outros R$ 370 milhões se referem aos gastos para produzir a propaganda.
Sobre os R$ 870 milhões, as agências de publicidade ganham uma comissão que chega a 15%. Em relação aos R$ 370 milhões, estima-se um lucro bruto de 8%. Respectivamente, as 40 agências que servem ao governo federal teriam uma receita bruta de R$ 160 milhões. Descontadas despesas, o lucro líquido cairia para R$ 80 milhões -R$ 2 milhões em média por agência.
Os contratos das empresas de Valério com órgãos públicos renderiam ao final de 2004 um lucro líquido de R$ 10,5 milhões. Somente em espécie, empresas de Valério no Banco Rural sacaram R$ 20,9 milhões em dois anos.

Caixa dois
Essa análise trouxe uma notícia boa e outra ruim para o governo, disse à Folha um auxiliar de Lula que acompanha o dia-a-dia da crise. A boa é que, se ficar provada a existência do "mensalão", os recursos desse esquema não teriam origem em contratos públicos, o que reforça a versão de que Lula não saberia de nada.
A má notícia, segundo esse auxiliar, é que o PT, ao captar recursos, possa ter operado com caixa dois de empresas privadas usando Valério como laranja.
Hoje, há divisão na cúpula do governo. Alguns ministros e auxiliares avaliam que Lula deve fazer manifestação pública mais incisiva, mesmo que tenha de bater em petistas como Delúbio Soares, tesoureiro afastado do partido.
Outro grupo acha mais prudente aguardar o desenrolar da crise, cuja previsão do próprio governo é de agravamento, para que o presidente venha eventualmente a dizer de público o que diz reservadamente sobre alguns petistas. Eles teriam traído sua confiança.


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