São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2001

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JANIO DE FREITAS

O problema das provas

A possibilidade de que Osama bin Laden seja o chefe do ataque aos Estados Unidos é real, sem que isso elimine outras possibilidades, mas o que foi apresentado como conclusão das investigações é insuficiente para justificar uma operação de guerra e, no caso do Brasil, qualquer envolvimento, mesmo que apenas moral.
As tais provas referidas ao Parlamento inglês pelo primeiro-ministro Tony Blair e o que foi aqui transmitido ao governo brasileiro, por intermédio dos ministros José Gregori, Geraldo Quintão e Celso Lafer, suscitam perguntas, em vez de dar a resposta esperada.
Os acusados pela operação de ataque, segundo as investigações, agiram sob seus nomes verdadeiros. Também sob seus nomes verdadeiros entraram nos Estados Unidos legalmente, lá viveram legalmente, tinham movimentação financeira e até cursos de aviação alguns deles fizeram. Como seria isso possível se as autoridades americanas os identificaram entre os "autores de atentados anteriores contra os Estados Unidos na África e no Oriente Médio"? Não está explicado nem se pode imaginar uma resposta, sabendo-se como são atentas as inspeções do serviço americano de imigração, na chegada de estrangeiros, e as caçadas policiais aos procurados.
O pormenor de uma conversa de Bin Laden, na véspera do ataque, chega a ser grotesco, como está posto até aqui. Os constantes telefonemas de Bin Laden para sua mãe postiça eram captados, mas não entendidos porque ele usava de metáforas e outros subterfúgios. Mas uma das provas é seu aviso à mãe de que, no dia seguinte, iria fazer algo muito importante e sumiria por uns tempos. Essa dica, logo essa, é que, segundo as conclusões investigatórias, Bin Laden iria dar com toda a clareza no telefonema.
O horror que é o terrorismo precisa ser encarado sobretudo com inteligência. Do jeito como as coisas vão, o lapso de Bush em discurso no Departamento de Estado -"Não tenho a menor dúvida de que fracassaremos"- se transmitirá a muita gente, e não como lapso. Se, no caso dele, Freud explica, no dos outros, o próprio Bush e seu governo já estão explicando.

Outra derrota
Na queda de Jader Barbalho (uff!), do ponto de vista político, o governo é o grande perdedor. O empenho de Fernando Henrique Cardoso para elegê-lo presidente do Senado e, depois, para mantê-lo tinha razão política de ser. As aprovações obtidas pelo governo, mesmo nos temas mais contraditados, só foram possíveis pela existência, no Congresso, dos chamados operadores, os parlamentares que têm condições de induzir a ação de seus grupos, e não só desses. Luís Eduardo Magalhães, no comando da Câmara, foi decisivo ali. Antonio Carlos Magalhães, nas horas decisivas, manobrou com o Senado sempre na direção da vitória do governo. Jader Barbalho, em numerosas ocasiões, mostrou sua capacidade de aglutinador, decidindo paradas para o governo.
Sarney, como presidente do Senado e do Congresso quando o governo começava, não atrapalhou, mas não fez manobras governistas. Por isso Fernando Henrique agiu contra sua indicação para substituir Antonio Carlos e favoreceu Jader. E agora? Na Câmara há a habilidade de Inocêncio Oliveira. Mas, com a queda de Jader, na bancada governista do Senado não sobrou nem o aprendiz de cacique José Roberto Arruda.

Pela história
Está chegando às livrarias "A Era de Vargas" (Casa Jorge Editorial). O autor, José Augusto Ribeiro, está entre os primeiros dos mais brilhantes, cultos e íntegros jornalistas de nossa geração, do que posso dar testemunho até por o haver levado a trabalharmos juntos em duas grandes (à época) redações do Rio.
Não é possível dizer por quantos anos José Augusto pesquisou para o livro, porque ele o fez, aparentemente, desde sempre. "A Era de Vargas" não é um livro de historiador de universidade. A sensibilidade especial de José Augusto para a política e sua análise, a mesma que o fez assessor de Tancredo Neves na batalha para encerrar o regime militar em 84, trouxe à dimensão real motivações e situações perdidas na desmemória, dando novo sentido a inúmeros episódios e ao próprio percurso de Getúlio. Tanto mais que José Augusto pôs em questão um a um os clichês pespegados no período e na personagem, e "A Era de Vargas" -dos primórdios formadores do trabalhismo ao grande gesto brasileiro do suicídio de Getúlio- colhe o resultado extraordinário.

Segunda via
O Tony Blair que é o maior pregador da guerra, para justiçar o assassinato de 5.000 pessoas no ataque às torres e ao Pentágono, é o mesmo que libertou e devolveu ao Chile o general Augusto Pinochet, que está sob processo criminal como mandante de pelo menos 4.000 assassinatos políticos quando ditador.


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