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NO PLANALTO
Azede o domingo,
descobrindo aqui o que
é feito do seu dinheiro
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Dinheiro, como se sabe, é
aquilo que você se esfalfa
para ganhar, a fim de entregar
um naco à Receita Federal, que
o transfere ao Tesouro Nacional, que se incumbe de fazê-lo
chegar às mãos de dois tipos que
abundam no Estado brasileiro:
as pessoas que, não adestradas
para usá-lo, o desperdiçam e as
que, adestradas em demasia, o
subtraem.
Num ou noutro caso, chega-se
ao mesmo resultado: o dinheiro
evapora. E você, entre boquiaberto e irritado, mantém os seus
botões sob questionamento:
"Onde diabos terá ido parar?".
O Tribunal de Contas da
União acaba de concluir um
trabalho que esboça a resposta.
Em 3.000 páginas, listaram-se
obras públicas inconclusas ou
recém-concluídas, entre elas as
que padecem de "irregularidades graves". O calhamaço é, ele
próprio, exemplo de desperdício.
Embora tenha custado o trabalho de algumas dezenas de
técnicos, é de pouca serventia.
Sigiloso, é sonegado ao maior
interessado, o "contribuinte".
Há coisa de dez dias, foi enviado
ao Congresso. Por ora, nenhum
parlamentar se dignou a mergulhar nos papéis, com 30 centímetros de profundidade.
A leitura é enfadonha, mas reveladora. Enfrentando-a, descobre-se que grandes imoralidades, tais como o TRT do juiz Lalau e a Sudam de Jader Barbalho, convivem com indecências
miúdas, escandalosamente rotineiras nos desvãos da engrenagem pública.
Nem a insuspeita Polícia Federal escapa. Na reforma da
Academia Nacional de Polícia,
em Brasília, a PF pagou notas
fiscais "sem identificar os serviços executados", fechou os olhos
para a troca de material mais
caro por mais barato (forro de
metal por forro de gesso, por
exemplo) e engoliu pequenos superfaturamentos. De quebra,
torrou R$ 1.097,65 na compra de
uma placa para a obra. Como o
pessoal do TCU não a encontrou e como placa invisível é coisa que o gênio humano ainda
não produziu, suspeita-se que o
dinheiro tenha tido outra serventia.
Peca-se até, veja você, na construção e reforma de presídios.
Tome-se o exemplo do Amapá,
que vem tentando modernizar
as suas penitenciárias com dinheiro obtido em Brasília. Numa das obras, gastaram-se, logo
de saída, R$ 6.449,20 em serviços de demolição. As marretas
puseram abaixo o vento. Não
havia no local nenhuma edificação. Medindo-se telhados, lajes e calçamentos, nota-se que
há mais material nas notas fiscais do que na obra. Dissiparam-se R$ 26.958,51. Aconselha-se aos responsáveis pela edificação que caprichem um pouco
mais nas celas.
Há outros exemplos. A eles:
1) desde 1999, a Eletronorte
trabalha num sistema de transmissão de energia com 12 subestações em Mato Grosso. Contrataram-se duas firmas: a Ecomind, para realizar a obra, e a
Somel, para fiscalizá-la. O diabo
é que ambas possuem os mesmos sócios. O governo ainda
planeja lubrificar a obra matogrossense com algo como R$ 17,6
milhões até dezembro próximo;
2) a Universidade Federal do
Amazonas iniciou, em dezembro do ano passado, obras de
ampliação de suas instalações.
Até o último mês de abril, escorregaram dos cofres da universidade R$ 555 mil, o equivalente a
30% de todo o orçamento da
construção. Curiosamente,
àquela altura não havia uma
mísera parede levantada no local. As novas salas de aula eram
um sonho ainda nas fundações.
De acordo com o TCU, a conclusão do empreendimento ainda
custará R$ 2,6 milhões;
3) em 1992, o Ministério da Integração Regional, já extinto,
firmou convênio para concluir
uma ponte no município maranhense de Timon. A licitação
atraiu três empresas: Itapoã,
Ciel e Engecol. Um detalhe sinistro as unia: suas propostas exibiam um tipo datilográfico
idêntico. Fechada a "concorrência", sagrou-se vencedora a Itapoã. E o funcionário público que
conduziu a comissão de licitação passou a acumular as funções de engenheiro da empresa,
responsabilizando-se pela obra
que, inacabada, ainda consumirá R$ 2,6 milhões;
4) os custos da restauração e
duplicação da BR-386, que liga
os municípios gaúchos de Lageado e Canoas, foram pavimentados com notas fiscais frias
como o clima daquela região.
Referem-se à compra de material betuminoso, usado no asfalto. A fraude, praticada entre
1997 e 1998, custou ao contribuinte R$ 116 mil. O que fez o
velho e bom DNER? Em vez de
reforçar a fiscalização, deixou
de exigir notas para o reembolso
desse tipo de despesa. Reservam-se R$ 4 milhões para a conclusão da obra;
5) analisaram-se também os
preços de outra rodovia, a BR-230, iniciada em 1996. Trata-se
de um trecho da Transamazônica. Fica na região conhecida como Bico do Papagaio, entre Mato Grosso e Tocantins. Detectou-se um sobrepreço de singelos
46,3%. Sumiram com R$ 9 milhões. A obra termina em junho
de 2002. Até lá, absorverá mais
R$ 22,5 milhões;
6) o DNER recupera e amplia
a BR-060, na divisa do Distrito
Federal com Goiás. Iniciada em
1998, a obra dispõe de projeto
sólido como uma porção de gelatina. No trânsito entre o papel
e a realidade, um único item
-"serviços de proteção ambiental"- saltou de R$ 79 mil
para R$ 3 milhões. Até a conclusão, prevista para meados do
ano que vem, ainda sorverá R$
58 milhões.
Há mais, muito mais. Porém,
talvez seja melhor parar por
aqui. Sob pena de elevar o azedume prometido no título a níveis insuportáveis. O que fazer?
Providenciar uma lei que jogue
na ilegalidade todos os atos de
competência e honestidade.
Desrespeitando a nova lei, como
faz com todas as outras, o governo brindaria o país com uma
onda de capacidade e idoneidade jamais vista.
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