São Paulo, segunda-feira, 07 de outubro de 2002


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Política econômica de tucano deve aliar ortodoxia a maior ação estatal

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A candidatura do intervencionista José Serra tem muito a ver com a estagnação da economia sob a gestão liberal de Pedro Malan na Fazenda -ainda que, ao assumir o posto de candidato favorito do mercado, o tucano tenha feito uma espécie de pacto com a ortodoxia.
Na campanha, já confirmou a permanência de Armínio Fraga no Banco Central caso vença a eleição, o que, para os investidores, equivale a meio programa de governo. Elogiou o acordo com o Fundo Monetário Internacional. Disse que manterá o câmbio flutuante, as metas de inflação e o controle de gastos públicos.
O resto, sinalizou Serra, será feito à sua moda. Por resto, entenda-se uma forte ação estatal para elevar exportações e barrar importações, sem o pudor de eventualmente ferir a etiqueta que rege as atuais relações do país com seus parceiros comerciais.
Pragmático, o mercado parece ter aceitado esse tratado de Tordesilhas. Primeiro porque, desde a renúncia de Roseana Sarney (PFL), ficou sem opções no pleito presidencial; segundo, o exemplo argentino mostrou que o manual internacional de bons costumes é inútil se não houver crescimento econômico.
Serra, como os demais candidatos que pregam uma guinada na política malanista, tem evitado entrar em detalhes potencialmente polêmicos. As pistas sobre suas intenções estão em eventos de meses atrás.

Sustos
Em outubro de 2001, num seminário sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), o ainda ministro da Saúde pregou nada menos que a eliminação do déficit do Brasil nas transações de bens e serviços com o resto do mundo.
Traduzindo em números de hoje, isso equivaleria a produzir um superávit comercial de US$ 23 bilhões -neste ano de disparada do dólar e economia parada, o saldo ficará perto dos US$ 9 bilhões. A meta de Serra sugeria o uso de um volume de subsídios e incentivos incompatível com o atual aperto fiscal.
De lá para cá, o discurso foi sendo moderado. A equipe do tucano fala, agora, em reduzir o déficit externo de 3% para 2% do Produto Interno Bruto ao longo do mandato.
Em janeiro último, quando Serra anunciou sua pré-candidatura, um estudo divulgado pelo PSDB assustava a ala ortodoxa do partido, ao defender nova maxidesvalorização do real, anúncio de forte queda dos juros, afrouxamento das metas de inflação e política comercial "agressiva".
O texto, de autoria dos economistas Luiz Carlos Bresser Pereira e Yoshiaki Nakano, se propunha a definir as diretrizes para um novo governo tucano.
Boa parte do incômodo que o estudo despertou vinha de frases como: "São falsas as oposições desenvolvimento x estabilidade, mercado interno x mercado externo. O que existe é política macroeconômica boa ou ruim".
Retórica à parte, as propostas já soam bem menos assustadoras. A máxi defendida na época levaria o dólar a R$ 3, cotação agora só encontrada nas previsões mais otimistas para o final do ano; o Banco Central de Armínio Fraga já anunciou, com a bênção geral, maior tolerância com a inflação em 2003.
São conhecidas as afinidades entre Serra e Bresser, ex-ministro da Administração no governo Fernando Henrique Cardoso. Ambos fizeram parte do grupo que, no primeiro mandato de FHC, se opunha à política de real sobrevalorizado.

Desenvolvimentistas
Apelidados caricaturalmente de "desenvolvimentistas", em contraste com os "monetaristas" liderados por Malan e Gustavo Franco, ex- presidente do Banco Central, os dissidentes articulavam uma agenda para o segundo mandato: desvalorização cambial e uma estratégia pró-exportação a ser tocada por um novo ministério, o da Produção.
O núcleo se desarticulou com a morte do ministro Sérgio Motta (Comunicações) e a queda de seu sucessor na pasta, Luiz Carlos Mendonça de Barros, desgastado pelo grampo ilegal que mostrou sua preferência por um dos consórcios que disputavam o leilão de privatização da Telebrás.
A desvalorização acabou sendo feita e Franco deixou o BC, mas Malan manteve a hegemonia e o ministério criado, o do Desenvolvimento, acabou esvaziado -não por acaso, o programa tucano promete agora o Ministério do Comércio Exterior.

OMC
Deslocado para a Saúde, longe das decisões econômicas, o ministro Serra pôde exibir parte de seu arsenal de heterodoxias enquanto preparava seu caminho para a sucessão de FHC.
Desagradou aos Estados Unidos e à indústria farmacêutica ao defender a quebra de patentes em casos de emergências na saúde pública, posição que foi vitoriosa na conferência realizada no ano passado pela OMC (Organização Mundial do Comércio), em Doha, no Qatar.
E aplicou aos medicamentos um tratamento que parecia banido no país pós-real: o controle oficial de preços -que, hoje, o tucano fala em estender às tarifas públicas.



Texto Anterior: Serra vai mudar comando de campanha
Próximo Texto: Estado-maior de Lula tem quatro nomes
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.