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Política econômica de tucano deve aliar ortodoxia a maior ação estatal
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A candidatura do intervencionista José Serra tem muito a ver
com a estagnação da economia
sob a gestão liberal de Pedro Malan na Fazenda -ainda que, ao
assumir o posto de candidato favorito do mercado, o tucano tenha feito uma espécie de pacto
com a ortodoxia.
Na campanha, já confirmou a
permanência de Armínio Fraga
no Banco Central caso vença a
eleição, o que, para os investidores, equivale a meio programa de
governo. Elogiou o acordo com o
Fundo Monetário Internacional.
Disse que manterá o câmbio flutuante, as metas de inflação e o
controle de gastos públicos.
O resto, sinalizou Serra, será feito à sua moda. Por resto, entenda-se uma forte ação estatal para elevar exportações e barrar importações, sem o pudor de eventualmente ferir a etiqueta que rege as
atuais relações do país com seus
parceiros comerciais.
Pragmático, o mercado parece
ter aceitado esse tratado de Tordesilhas. Primeiro porque, desde
a renúncia de Roseana Sarney
(PFL), ficou sem opções no pleito
presidencial; segundo, o exemplo
argentino mostrou que o manual
internacional de bons costumes é
inútil se não houver crescimento
econômico.
Serra, como os demais candidatos que pregam uma guinada na
política malanista, tem evitado
entrar em detalhes potencialmente polêmicos. As pistas sobre suas
intenções estão em eventos de
meses atrás.
Sustos
Em outubro de 2001, num seminário sobre a Alca (Área de Livre
Comércio das Américas), o ainda
ministro da Saúde pregou nada
menos que a eliminação do déficit
do Brasil nas transações de bens e
serviços com o resto do mundo.
Traduzindo em números de hoje, isso equivaleria a produzir um
superávit comercial de US$ 23 bilhões -neste ano de disparada
do dólar e economia parada, o saldo ficará perto dos US$ 9 bilhões.
A meta de Serra sugeria o uso de
um volume de subsídios e incentivos incompatível com o atual
aperto fiscal.
De lá para cá, o discurso foi sendo moderado. A equipe do tucano fala, agora, em reduzir o déficit
externo de 3% para 2% do Produto Interno Bruto ao longo do
mandato.
Em janeiro último, quando Serra anunciou sua pré-candidatura,
um estudo divulgado pelo PSDB
assustava a ala ortodoxa do partido, ao defender nova maxidesvalorização do real, anúncio de forte
queda dos juros, afrouxamento
das metas de inflação e política
comercial "agressiva".
O texto, de autoria dos economistas Luiz Carlos Bresser Pereira
e Yoshiaki Nakano, se propunha a
definir as diretrizes para um novo
governo tucano.
Boa parte do incômodo que o
estudo despertou vinha de frases
como: "São falsas as oposições desenvolvimento x estabilidade,
mercado interno x mercado externo. O que existe é política macroeconômica boa ou ruim".
Retórica à parte, as propostas já
soam bem menos assustadoras. A
máxi defendida na época levaria o
dólar a R$ 3, cotação agora só encontrada nas previsões mais otimistas para o final do ano; o Banco Central de Armínio Fraga já
anunciou, com a bênção geral,
maior tolerância com a inflação
em 2003.
São conhecidas as afinidades
entre Serra e Bresser, ex-ministro
da Administração no governo
Fernando Henrique Cardoso.
Ambos fizeram parte do grupo
que, no primeiro mandato de
FHC, se opunha à política de real
sobrevalorizado.
Desenvolvimentistas
Apelidados caricaturalmente de
"desenvolvimentistas", em contraste com os "monetaristas" liderados por Malan e Gustavo Franco, ex- presidente do Banco Central, os dissidentes articulavam
uma agenda para o segundo mandato: desvalorização cambial e
uma estratégia pró-exportação a
ser tocada por um novo ministério, o da Produção.
O núcleo se desarticulou com a
morte do ministro Sérgio Motta
(Comunicações) e a queda de seu
sucessor na pasta, Luiz Carlos
Mendonça de Barros, desgastado
pelo grampo ilegal que mostrou
sua preferência por um dos consórcios que disputavam o leilão
de privatização da Telebrás.
A desvalorização acabou sendo
feita e Franco deixou o BC, mas
Malan manteve a hegemonia e o
ministério criado, o do Desenvolvimento, acabou esvaziado -não
por acaso, o programa tucano
promete agora o Ministério do
Comércio Exterior.
OMC
Deslocado para a Saúde, longe
das decisões econômicas, o ministro Serra pôde exibir parte de
seu arsenal de heterodoxias enquanto preparava seu caminho
para a sucessão de FHC.
Desagradou aos Estados Unidos
e à indústria farmacêutica ao defender a quebra de patentes em
casos de emergências na saúde
pública, posição que foi vitoriosa
na conferência realizada no ano
passado pela OMC (Organização
Mundial do Comércio), em Doha,
no Qatar.
E aplicou aos medicamentos
um tratamento que parecia banido no país pós-real: o controle oficial de preços -que, hoje, o tucano fala em estender às tarifas públicas.
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