São Paulo, segunda-feira, 07 de outubro de 2002 |
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Programa aposta em uma maior intervenção estatal na economia
EDITOR DO FOLHA SINAPSE Ao criticar o liberalismo do pensamento econômico oficial, a campanha de Lula contrapõe uma visão heterodoxa como eixo de um governo liderado pelo PT. Numa imagem: sai a PUC do Rio de Janeiro, entra a Unicamp. A PUC, celeiro de economistas que serviram ao poder na última década, é a escola dos que salientam as virtudes do mercado. A Unicamp, que certamente forneceria quadros para um eventual governo do PT, é o centro dos que ressaltam os vícios do mercado. O substrato teórico do programa da aliança que apóia Lula não fica distante de um keynesianismo defensor de certo grau de intervenção do Estado sobre a atividade econômica. Numa imagem: sai John Williamson, o formulador do Consenso de Washington -a cartilha neoliberal em que rezam os adeptos da globalização-, e entra Joseph Stiglitz, o principal crítico desse modelo. Marx e Stiglitz Entender a cabeça econômica do PT dependerá em grande parte da familiarização com uma herança intelectual que vem de Karl Marx, passa por Joseph Schumpeter, John Maynard Keynes, Raúl Prebisch, Celso Furtado e desemboca em Stiglitz, para ficar apenas em alguns nomes mais representativos. Por ter levado mais a fundo a síntese desses clássicos, a Unicamp serve como símbolo de tudo o que se opõe ao liberalismo. Lá, a hegemonia das idéias dos novos keynesianos ultrapassa a fronteira partidária. Economistas de viés antiliberal se identificam com o PT, o PMDB e até com um PSDB que procura se distanciar do governo, como o do próprio José Serra. A Unicamp pode ter maior visibilidade, mas não monopoliza o pensamento econômico dissidente. A Universidade Federal do Rio de Janeiro é outro foco de disseminação do ideário heterodoxo. Em outras escolas, como a USP e a FGV, também se respira keynesianismo. Keynes Nos centros em que se observa essa linhagem doutrinária, Keynes (1883-1946) estabelece um ponto de partida: a noção de que o Estado deve intervir na economia, mas sem suprimir a autonomia do setor privado. Trata-se de um princípio reformista, que procura preservar o capitalismo. O ponto central é garantir o crescimento econômico e gerar os empregos necessários para impedir o esgarçamento do tecido social. As formas clássicas de intervenção para atingir tal objetivo são a redução das taxas de juros e os investimentos do setor público. Não é por acaso que as teses keynesianas ganham prestígio quando a economia entra em crise. Em tempos de expansão, as falhas do mercado são encobertas pela prosperidade geral e, portanto, não há pressão política para corrigi-las. Debruçando-se sobre problemas práticos da economia -um traço distintivo da cultura acadêmica da Unicamp-, os novos keynesianos desenvolvem estudos voltados para a realidade imediata. Foi assim com a política industrial e assim será com o comércio internacional. No próximo ano, a Unicamp, em parceria com a Unctad, dará início a um curso de mestrado em diplomacia econômica, em que profissionais aprenderão a lidar com contenciosos internacionais. Com a exportação crescente, devido à necessidade de atenuar o desequilíbrio das contas externas, é de se prever cada vez mais impasses com parceiros comerciais. Medir a importância dos heterodoxos pelos feitos do passado não ajuda a entender o papel que podem representar hoje. No Brasil, eles estiveram associados ao nacionalismo, ao protecionismo e ao congelamento de preços. Mas essas foram respostas a situações específicas que não existem mais. Hoje, o país está industrializado e a inflação galopante dos tempos do Cruzado não é mais uma ameaça. Os novos keynesianos não desprezam as conquistas do Real. Criticam seus custos sociais, elevados e desnecessários, mas a correção de rumos não passaria por choques ou surpresas. Pelo menos, esse é o tom do discurso de campanha e os keynesianos parecem pedir o benefício da dúvida. Keynesianismo é um guarda-chuva grande o bastante para abrigar várias correntes de pensamento. Na Unicamp, a história acadêmica lhe deu um contorno único, que só pode ser visualizado pelas lentes das escolas cepalina e schumpeteriana. A Cepal, órgão da ONU com sede em Santiago, no Chile, foi onde se formou a elite keynesiana da América Latina, sob influência do argentino Raúl Prebisch, que propôs nos anos 50 um projeto desenvolvimentista para a região. Até hoje, esse conceito cepalino impregna a Unicamp. Quanto a Schumpeter (1883-1950), formulou a teoria dos ciclos do capitalismo, segundo a qual um período de recessão é seguido por outro de expansão devido ao estímulo de inovações tecnológicas, que aumentam a produtividade e os lucros, possibilitando novos investimentos. É dessa mistura de influências que emergiu o programa de governo petista. Texto Anterior: Estado-maior de Lula tem quatro nomes Próximo Texto: Repercussão - Mercado: Wall Street vê 2º turno com preocupação Índice |
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