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São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2003

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PODERES EM ATRITO

Governo pretende usar dinheiro de empresas para modernizar Justiça; magistrados e Ministério Público protestam

Governo quer verba privada no Judiciário

SILVANA DE FREITAS
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo planeja injetar dinheiro do setor privado em projetos de modernização do Poder Judiciário, como a informatização de juizados especiais, e descarta o risco de essa medida comprometer a independência e a imparcialidade da Justiça.
A cúpula do Judiciário e do Ministério Público reagiu mal à idéia e protestou contra o fato de não ter sido consultada sobre a conveniência de execução dessa proposta. A medida está em estudo pela Secretaria de Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça, sob o comando do advogado Sérgio Renault.
"É uma idéia estranha. A Justiça tem de ser totalmente independente. Parece-me haver um certo prurido [sensação desagradável peculiar] ético, que deve ser respeitado", disse o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Maurício Corrêa.
"Se o Executivo está tão interessado [em atrair dinheiro privado], por que não canaliza os recursos para programas do próprio governo, como o Fome Zero ou tapa-buracos de rodovias? Daí poderia pegar a verba que gastaria nesses projetos e mandar para o Judiciário", acrescentou.

Procuradoria
Já o procurador-geral da República, Claudio Fonteles, disse ter "a impressão de que isso não é salutar". "Chamar a iniciativa privada para resolver a distribuição de Justiça?", questionou.
Ele sugeriu que a parceria entre governo e instituições privadas poderia ser feita no combate à violência com projetos sociais em "áreas sociais totalmente carentes e marginalizadas." Mas os recursos para modernização do Judiciário deveriam ser públicos, avalia o procurador-geral. "O presidente não disse que acabou o tempo de penúria? Se vamos entrar no tempo das vacas gordas, o governo não pode ficar alheio a essa área de prestação da Justiça"
Na próxima quarta-feira, o Ministério da Justiça irá garantir o recebimento de dinheiro da Companhia Vale do Rio Doce para instituir prêmios para quem executar, na área jurídica, experiências bem-sucedidas de modernização e eficiência.

Cooperação
Será assinado um termo de cooperação entre o ministério, a Vale, a Fundação Getúlio Vargas do Rio e a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). O valor a ser liberado pela empresa não foi informado. Haverá quatro prêmios -para um juiz, um grupo deles, um tribunal e um juizado especial- no valor de R$ 50 mil cada.
Renault disse à Folha que cogita a adoção, em seguida, de parcerias com o setor privado para o financiamento direto de projetos de modernização de varas e juizados. Nessa fase, o dinheiro das empresas poderiam servir, por exemplo, para multiplicar o número de juizados especiais totalmente informatizados.
Ele revelou já ter conversado com empresas e confederações que as representam, mas não quis revelar nomes. Ao ser informado pela Folha sobre a reação negativa no meio jurídico, declarou que já pretendia consultar juízes e membros do Ministério Público antes de assinar os próximos termos de cooperação.
"O Poder Judiciário está obsoleto, teve poucos investimentos na captação de pessoal para a administração da máquina pública e em material. Quando há investimentos, eles não são aproveitados plenamente. Queremos difundir experiências de gestão bem sucedidas utilizando recursos da iniciativa privada. O retorno será institucional."
Em defesa da medida, Renault disse que o investimento não será localizado, o que não comprometeria a independência e a imparcialidade dos juízes.
O dinheiro de determinada empresa não iria apenas para uma vara. "A modernização visa tirar o Judiciário do marasmo para chegar ao século 21. Esse marasmo traz prejuízos ao país." Para ele, "essa será a verdadeira reforma do Judiciário", afirmou ele.

Mais críticas
O presidente da AMB, Cláudio Baldino, que participará do primeiro termo de cooperação, disse ter dúvidas sobre a captação de dinheiro privado diretamente para projetos de modernização de órgãos judiciais.
Também crítico da idéia do governo, o presidente da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), Marfan Vieira, afirmou que a medida traria "suspeição" à decisão dos juízes. Se implementada, a idéia poderia, ainda, abrir uma brecha para que a Justiça se tornasse "lavanderia de dinheiro".
"E se uma empresa que estiver se locupletando de recursos públicos desviados injetar dinheiro no Judiciário? A Justiça vai servir para lavagem de dinheiro. É gravíssimo", disse.


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