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PODERES EM ATRITO
Governo pretende usar dinheiro de empresas para modernizar Justiça; magistrados e Ministério Público protestam
Governo quer verba privada no Judiciário
SILVANA DE FREITAS
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo planeja injetar dinheiro do setor privado em projetos de modernização do Poder Judiciário, como a informatização
de juizados especiais, e descarta o
risco de essa medida comprometer a independência e a imparcialidade da Justiça.
A cúpula do Judiciário e do Ministério Público reagiu mal à idéia
e protestou contra o fato de não
ter sido consultada sobre a conveniência de execução dessa proposta. A medida está em estudo
pela Secretaria de Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça,
sob o comando do advogado Sérgio Renault.
"É uma idéia estranha. A Justiça
tem de ser totalmente independente. Parece-me haver um certo
prurido [sensação desagradável
peculiar] ético, que deve ser respeitado", disse o presidente do
STF (Supremo Tribunal Federal),
ministro Maurício Corrêa.
"Se o Executivo está tão interessado [em atrair dinheiro privado], por que não canaliza os recursos para programas do próprio governo, como o Fome Zero
ou tapa-buracos de rodovias? Daí
poderia pegar a verba que gastaria
nesses projetos e mandar para o
Judiciário", acrescentou.
Procuradoria
Já o procurador-geral da República, Claudio Fonteles, disse ter
"a impressão de que isso não é salutar". "Chamar a iniciativa privada para resolver a distribuição de
Justiça?", questionou.
Ele sugeriu que a parceria entre
governo e instituições privadas
poderia ser feita no combate à
violência com projetos sociais em
"áreas sociais totalmente carentes
e marginalizadas." Mas os recursos para modernização do Judiciário deveriam ser públicos, avalia o procurador-geral. "O presidente não disse que acabou o
tempo de penúria? Se vamos entrar no tempo das vacas gordas, o
governo não pode ficar alheio a
essa área de prestação da Justiça"
Na próxima quarta-feira, o Ministério da Justiça irá garantir o
recebimento de dinheiro da Companhia Vale do Rio Doce para instituir prêmios para quem executar, na área jurídica, experiências
bem-sucedidas de modernização
e eficiência.
Cooperação
Será assinado um termo de cooperação entre o ministério, a Vale,
a Fundação Getúlio Vargas do Rio
e a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). O valor a ser
liberado pela empresa não foi informado. Haverá quatro prêmios
-para um juiz, um grupo deles,
um tribunal e um juizado especial- no valor de R$ 50 mil cada.
Renault disse à Folha que cogita
a adoção, em seguida, de parcerias com o setor privado para o financiamento direto de projetos
de modernização de varas e juizados. Nessa fase, o dinheiro das
empresas poderiam servir, por
exemplo, para multiplicar o número de juizados especiais totalmente informatizados.
Ele revelou já ter conversado
com empresas e confederações
que as representam, mas não quis
revelar nomes. Ao ser informado
pela Folha sobre a reação negativa no meio jurídico, declarou que
já pretendia consultar juízes e
membros do Ministério Público
antes de assinar os próximos termos de cooperação.
"O Poder Judiciário está obsoleto, teve poucos investimentos na
captação de pessoal para a administração da máquina pública e
em material. Quando há investimentos, eles não são aproveitados
plenamente. Queremos difundir
experiências de gestão bem sucedidas utilizando recursos da iniciativa privada. O retorno será
institucional."
Em defesa da medida, Renault
disse que o investimento não será
localizado, o que não comprometeria a independência e a imparcialidade dos juízes.
O dinheiro de determinada empresa não iria apenas para uma
vara. "A modernização visa tirar o
Judiciário do marasmo para chegar ao século 21. Esse marasmo
traz prejuízos ao país." Para ele,
"essa será a verdadeira reforma
do Judiciário", afirmou ele.
Mais críticas
O presidente da AMB, Cláudio
Baldino, que participará do primeiro termo de cooperação, disse
ter dúvidas sobre a captação de
dinheiro privado diretamente para projetos de modernização de
órgãos judiciais.
Também crítico da idéia do governo, o presidente da Conamp
(Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), Marfan Vieira, afirmou que a medida
traria "suspeição" à decisão dos
juízes. Se implementada, a idéia
poderia, ainda, abrir uma brecha
para que a Justiça se tornasse "lavanderia de dinheiro".
"E se uma empresa que estiver
se locupletando de recursos públicos desviados injetar dinheiro
no Judiciário? A Justiça vai servir
para lavagem de dinheiro. É gravíssimo", disse.
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