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JANIO DE FREITAS
As violências
que nos cercam
O assassinato múltiplo em um
cinema de São Paulo não tem a
ver com a violência que se expande no Brasil todo. Não se inclui no gênero dos assassinatos
em assalto, sequestro, vingança
de traficantes, roubos de todos
os tipos. Sua modalidade provém, obviamente, da sugestão
encontrada por uma mente em
estado psicótico grave nos episódios, tão difundidos, de assassinatos múltiplos em escolas, cabeleireiros, bares, praças e outros lugares dos Estados Unidos,
cujos autores já constituíram a
nova categoria criminal e patológica dos ""serial killers".
Antes de tudo, convém prevenir o espírito para a possibilidade, em futuro incerto e situação
imprevisível, de outra brutalidade semelhante: esses crimes
não são o único e talvez nem sejam o principal estímulo para
outros semelhantes, mas não há
mais dúvida alguma quanto a
sua força sugestiva para a ocorrência de outros mais. Em dois
anos, foram descobertos e evitados três assassinatos múltiplos e
um foi consumado, em escolas
nos Estados Unidos, todos com
reconhecida inspiração no primeiro desses crimes, quando
dois jovens receberam à bala os
colegas ao final das aulas.
A relação entre esses crimes
dementes não é de agora. No Japão do pós-guerra, e por mais
de duas décadas, ocorreu longa
série de crimes múltiplos, entre
os quais ficou bem identificado
o poder sugestivo dos atos de
uns psicóticos sobre outros. Por
coincidência ou não, aqueles e
outros crimes estranhos, além
dos suicídios em série, declinaram proporcionalmente à progressão do desenvolvimento e
das oportunidades de trabalho,
segurança social e bem-estar no
Japão.
Diante da peculiaridade do
crime no cinema, idéias como a
de catracas e detetores de metal
nos shoppings e nos cinemas,
para citar só uma das postas em
discussão imediatamente, não
têm sentido. Seriam apenas
mais um infernizador da vida
urbana. Mas refletem bem o casuísmo a que tudo no Brasil fica
reduzido, e por isso nada encontra o encaminhamento de sua
solução. Crime no shopping?
Pronto, detetores de metal nos
shoppings. E então o crime
acontece em qualquer outro lugar.
A outra violência, a violência
da guerra aberta que assola as
cidades brasileiras, é objeto das
mesmas apreciações reducionistas. Se o problema entra em
momento agudo, então propõem-se as soluções. As mesmas
de idéias, sempre: melhoria de
vencimentos das polícias, aumento dos contingentes policiais e de suas armas, agravamento das penas. Mas a criminalidade urbana não se tornou
calamitosa porque faltassem
aquelas condições, as quais, em
grande parte, nem faltaram.
O problema é extenso e profundo, logo, para começar a entendê-lo e buscar possíveis soluções são necessárias amplitude
e profundidade de abordagem.
Mas o modo brasileiro de considerá-lo é sempre milimétrico,
restrito a uma circunstância,
um episódio, no máximo uma
faceta do problema.
Um aspecto jamais considerado, exemplo entre inúmeros outros possíveis: integrar a vida
policial, sobretudo das PMs, é
perspectiva mais aceitável em
setores sociais contaminados
pelo convívio com a violência,
com maneiras pouco ou nada
regulares de prover a subsistência, com a falta de educação e
de civilidade. Logo, a violência e
a corrupção nas polícias, que todos os dias enchem o noticiário
com casos de policiais e ex-policiais criminosos, têm raízes
mais profundas e complicadas
do que o simples desregramento
funcional.
O aumento da criminalidade
urbana no Brasil não é obra só
dos criminosos.
Aviso aos navegantes
Modesta embora, aqui fica
uma contribuição desta coluna
para a despoluição das mentes
dos leitores: entro em férias.
Bom proveito.
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