São Paulo, Domingo, 07 de Novembro de 1999
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JANIO DE FREITAS

As violências que nos cercam

O assassinato múltiplo em um cinema de São Paulo não tem a ver com a violência que se expande no Brasil todo. Não se inclui no gênero dos assassinatos em assalto, sequestro, vingança de traficantes, roubos de todos os tipos. Sua modalidade provém, obviamente, da sugestão encontrada por uma mente em estado psicótico grave nos episódios, tão difundidos, de assassinatos múltiplos em escolas, cabeleireiros, bares, praças e outros lugares dos Estados Unidos, cujos autores já constituíram a nova categoria criminal e patológica dos ""serial killers".
Antes de tudo, convém prevenir o espírito para a possibilidade, em futuro incerto e situação imprevisível, de outra brutalidade semelhante: esses crimes não são o único e talvez nem sejam o principal estímulo para outros semelhantes, mas não há mais dúvida alguma quanto a sua força sugestiva para a ocorrência de outros mais. Em dois anos, foram descobertos e evitados três assassinatos múltiplos e um foi consumado, em escolas nos Estados Unidos, todos com reconhecida inspiração no primeiro desses crimes, quando dois jovens receberam à bala os colegas ao final das aulas.
A relação entre esses crimes dementes não é de agora. No Japão do pós-guerra, e por mais de duas décadas, ocorreu longa série de crimes múltiplos, entre os quais ficou bem identificado o poder sugestivo dos atos de uns psicóticos sobre outros. Por coincidência ou não, aqueles e outros crimes estranhos, além dos suicídios em série, declinaram proporcionalmente à progressão do desenvolvimento e das oportunidades de trabalho, segurança social e bem-estar no Japão.
Diante da peculiaridade do crime no cinema, idéias como a de catracas e detetores de metal nos shoppings e nos cinemas, para citar só uma das postas em discussão imediatamente, não têm sentido. Seriam apenas mais um infernizador da vida urbana. Mas refletem bem o casuísmo a que tudo no Brasil fica reduzido, e por isso nada encontra o encaminhamento de sua solução. Crime no shopping? Pronto, detetores de metal nos shoppings. E então o crime acontece em qualquer outro lugar.
A outra violência, a violência da guerra aberta que assola as cidades brasileiras, é objeto das mesmas apreciações reducionistas. Se o problema entra em momento agudo, então propõem-se as soluções. As mesmas de idéias, sempre: melhoria de vencimentos das polícias, aumento dos contingentes policiais e de suas armas, agravamento das penas. Mas a criminalidade urbana não se tornou calamitosa porque faltassem aquelas condições, as quais, em grande parte, nem faltaram.
O problema é extenso e profundo, logo, para começar a entendê-lo e buscar possíveis soluções são necessárias amplitude e profundidade de abordagem. Mas o modo brasileiro de considerá-lo é sempre milimétrico, restrito a uma circunstância, um episódio, no máximo uma faceta do problema.
Um aspecto jamais considerado, exemplo entre inúmeros outros possíveis: integrar a vida policial, sobretudo das PMs, é perspectiva mais aceitável em setores sociais contaminados pelo convívio com a violência, com maneiras pouco ou nada regulares de prover a subsistência, com a falta de educação e de civilidade. Logo, a violência e a corrupção nas polícias, que todos os dias enchem o noticiário com casos de policiais e ex-policiais criminosos, têm raízes mais profundas e complicadas do que o simples desregramento funcional.
O aumento da criminalidade urbana no Brasil não é obra só dos criminosos.

Aviso aos navegantes
Modesta embora, aqui fica uma contribuição desta coluna para a despoluição das mentes dos leitores: entro em férias. Bom proveito.


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