São Paulo, Domingo, 07 de Novembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NORDESTE

60% dos 3,3 milhões de habitantes do Estado são atingidos; dos 223 municípios, 193 estão em situação crítica

Paraíba sofre a pior estiagem do século

PATRÍCIA ANDRADE
enviada especial ao Cariri (PB)

A paraibana Maria Aparecida Torres tem uma vida difícil. Aos 30 anos e grávida de sete meses, é mãe de cinco filhos, três dos quais sofrem de desnutrição. Tenta sobreviver com R$ 60 por mês, dinheiro que o marido ganha na frente de trabalho de Soledade, cidade situada na área mais seca do Nordeste -o Cariri da Paraíba.
Aparecida, os filhos e o marido estão entre os cerca de dois milhões de paraibanos que têm sofrido os efeitos da pior estiagem do século no Estado, uma população que representa 60% do total de 3,3 milhões de habitantes da Paraíba.
Dos 223 municípios do Estado, 193 estão em situação crítica devido à seca: 1999 é o terceiro ano consecutivo de poucas chuvas em terras paraibanas.
A seca prolongada já comprometeu o abastecimento de água em praticamente todo o Estado e causou prejuízos para a agricultura e a pecuária.
Calcula-se que um contingente de 1,2 milhão de pessoas dependa de carros-pipa e poços perfurados para ter água em suas casas. Segundo estimativas do governo estadual, cerca de 70% do rebanho bovino foi dizimado entre 98 e 99. As perdas para a agricultura no ano passado foram de R$ 850 milhões.
A falta d'água deixou grande parte da população paraibana sem perspectivas econômicas. Na maioria dos municípios afetados pela seca, as principais fontes de renda são as aposentadorias rurais, o dinheiro das frentes de trabalho e as cestas básicas distribuídas pelo governo federal. Estão alistados no programa de combate à estiagem 110 mil pessoas e recebem cestas 298 mil famílias.
Mas os salários das frentes e as cestas têm sido entregues com um atraso médio de dois meses. Segundo a secretaria de Infra-Estrutura do Estado, até maio elas eram distribuídas em dia, depois veio o atraso e agora devem ser regularizadas pelo governo federal.
Os danos sociais causados pela seca também são evidentes. A família de Aparecida é um exemplo. Por causa da escassez de comida e da falta de água de qualidade, as crianças ficaram desnutridas. O filho mais novo dela, de um ano e um mês, tem sete quilos. Há três meses, ele pesava 5,5 quilos. Está conseguindo engordar aos poucos graças ao trabalho dos agentes comunitários de saúde.

""Catástrofe"
"Vivemos uma catástrofe. Temos dificuldades para obter água para beber. Se essa situação perdurar, a população não terá mais como permanecer no seu habitat", afirma o deputado Francisco Quintans (PSDB), presidente de uma comissão da Assembléia Legislativa da Paraíba que discute o problema da seca.
O quadro no Estado é, de fato, preocupante. Segundo dados do governo estadual, dos 123 sistemas de abastecimento de água, 43 estão em colapso.
Até a capital João Pessoa e Campina Grande, segunda maior cidade da Paraíba, foram afetadas pela seca. O açude que abastece Campina Grande está operando com 16% de sua capacidade original. O que supre João Pessoa está funcionando com 28% de sua condição inicial.
Por esse motivo, Campina Grande vive racionamento de água desde o ano passado. João Pessoa adotou a mesma política no início de 99 e vai começar a racionar água a partir de dezembro.
Um dos motivos para o agravamento da seca é que a quantidade de chuvas tem diminuído ao longo dos anos.
A média pluviométrica das regiões do Cariri e Curimataú, as mais áridas da Paraíba, é de 500 mm por ano. Em 97, choveu nessas áreas 434,2 mm. Em 98, 136 mm. Neste ano, a quantidade aumentou um pouco (265 mm), mas ficou bem abaixo da média histórica.
O volume de chuvas também diminuiu no agreste e no litoral, cuja média é de 1.042 mm. Em 97, choveu 936 mm. Em 98, 628 mm, e neste ano, 599 mm. A perspectiva para um futuro próximo não é animadora. Segundo um estudo do CTA (Centro Tecnológico da Aeronáutica), feito em 1982, no semi-árido nordestino há um ciclo de secas a cada 26 anos. Essa previsão diz que os períodos de estiagem são de cinco anos e o próximo começaria em 2002.


Texto Anterior: Maranhão: Empresário suspeita de deputado
Próximo Texto: Transposição é alternativa
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.