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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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NO PLANALTO

Aparelhamento do Incra começa a dar frutos

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O agrônomo Raimundo Pires Silva é militante do PT. Sob Lula, foi premiado com a superintendência do Incra em São Paulo. Em setembro, encomendou uma auditagem em sua própria gestão. Quer administrar às claras. Mas, a julgar pelos resultados da auditoria, aproveita as gemas, sem desprezar as cascas.
O resultado da inspeção consta de relatório de 3 de novembro. Assina-o o contador Nilson Clementino Raposo. Abaixo, alguns dos achados:
1) o Incra de São Paulo bancou passagens aéreas para 34 pessoas estranhas ao seu quadro funcional. Custaram R$ 21.949,83;
2) constituiu-se comissão para analisar a auditoria. Localizaram-se 30 viajantes. Voaram nas asas do erário sob justificativas às vezes curiosas. Dois exemplos: a) nove pessoas foram a "encontros de valorização das manifestações socioculturais de assentados"; b) cinco "lideranças de movimentos sociais" teriam participado de eventos "de interesse do governo";
3) a funcionária Vivian de Godoy Mantovani Hernandes sacou da conta bancária do Incra R$ 5.800,00. Verba destinada à "aquisição de materiais" e "despesas com serviços". Uma parte (R$ 3.300,00) ajudou a financiar seminário da CCA (Cooperativa Central de Reforma Agrária de São Paulo). A entidade é gerida pelo MST. O restante (R$ 2.500,00) teve destinação por ora ignorada;
4) Vivian foi ouvida pelo auditor Raposo. Disse que "não sabia de nada". Os R$ 3.300,00, entregou a Guilherme Quirino Carvalho, chefe da divisão de Suporte Administrativo do Incra-SP. Os R$ 2.500,00, deu a outra pessoa. Quem? "Não me lembro." O auditor pede devolução;
5) em relatório oficial, o Incra-SP discorda. Classifica de "formalidade" a menção à compra de "material" e "serviços". Tudo bem quanto à aplicação em seminário do MST. Deu-se por liquidada a fatura dos R$ 3.300,00. Nenhuma palavra sobre o chefe Quirino Carvalho. Quanto aos R$ 2.500,00, pediu-se à servidora Vivian que preste contas. Silêncio sobre o beneficiário misterioso da grana;
6) o servidor Luiz Roberto Lobão sacou da conta do Incra R$ 5.000,00. Foram ao mesmo seminário da CCA, a cooperativa do MST. Ouvido pelo auditor, Lobão disse que entregou a grana a Antônio Osvaldo Storel Júnior. Era, até bem pouco, chefe da Divisão Técnica. Porém, à época do saque, março de 2003, Storel Júnior nem sequer havia sido nomeado. "O senhor sabia o que estava fazendo?", perguntou Raposo. E Lobão: "Achei que estava ajudando um colega, o qual seria o meu futuro chefe". O auditor pede ressarcimento ao erário;
7) o Incra discorda. De novo, classifica de "falha formal" o fato de a liberação ter sido feita a título de compra de "material". Nada contra a aplicação em seminário do MST. Nenhuma menção à participação de Storel Júnior;
8) o auditor Raposo analisou outras dez liberações para despesas emergenciais. Somam R$ 23.600,00. Na maior parte dos casos não há vestígios de prestações de contas. Em outros, comprovaram-se gastos parciais. Sem devolução da verba que sobrou;
9) o Incra-SP compromete-se a providenciar a comprovação dos gastos e a cobrar a devolução de eventuais sobras;
11) Raposo perscrutou também cinco convênios celebrados pelo Incra-SP. Somam R$ 1,017 milhão. Detectaram-se "vícios" em todos eles. O auditor recomendou rescisões e "ressarcimentos ao erário";
12) Incra-SP admite falhas. Todas, no entanto, "formais". Os convênios vão à análise da Procuradoria do órgão, para correções. Nada de devoluções de dinheiro;
13) entre os convênios condenados pelo auditor Raposo, dois (R$ 351 mil) beneficiaram, de novo, a cooperativa CCA, do MST. Versam sobre "assistência técnica a assentamentos" e organização de "seminário";
14) outro convênio (R$ 30 mil), firmado com a Aesca (Associação Estadual de Cooperação Agrícola de São Paulo), visa a elaboração de diagnóstico da contabilidade da Cocamp, do mesmo MST;
Feita por amostragem, a auditoria não alcançou convênio que o Incra-SP firmou em agosto de 2003 com a CCA. Foi noticiado aqui em setembro. Também era tido por "regular". Na ponta, repassaria R$ 191,1 mil para a Cocamp.
A liberação foi brecada por ação do Ministério Público, às voltas com a apuração de "atos de improbidade" da cooperativa do Pontal do Paranapanema na aplicação de R$ 8,5 milhões. A tentativa de novo socorro à Cocamp rendeu ao governo Lula o primeiro processo por "improbidade administrativa". O superintendente Pires Silva pontifica entre os réus.
O repórter ouviu o presidente nacional do Incra, Rolf Hackbart, no cargo há três meses. Ele disse: a) a superintendência de São Paulo realiza "excelente trabalho"; b) o governo zela pela "transparência total"; c) "havendo erros, serão corrigidos".
O aparelhamento do Incra, cujas superintendências estaduais foram apropriadas por uma sopa de letras (PT, MST, CUT, CPT...), começa a dar frutos. Nem todos, como se vê, associados ao incremento da reforma agrária. Uma pena.


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