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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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PÚBLICO & PRIVADO

Organização pede doações para o Fome Zero a pelo menos cem grandes empresários e estipula valores

ONG presidida por Marisa cobra de empresas

GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A ONG Apoio Fome Zero, que tem como presidente de honra a primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, está cobrando doações de empresas para o principal programa social do governo federal, o Fome Zero.
Em carta enviada no dia 20 de outubro a pelo menos cem grandes empresas e bancos do país, a Apoio Fome Zero pede contribuições e sugere que os valores sejam proporcionais ao faturamento bruto anual das empresas. Os valores mínimos estipulados variam de R$ 100 a R$ 2.500,00 mensais.
O tom imperativo da carta somado à ligação da ONG com o governo federal não agradou aos empresários.
Diz o texto: "A empresa poderá optar por uma das faixas de contribuição acima, respeitando a contribuição mínima, que está associada ao faturamento bruto anual da empresa".
Junto com a carta foram enviados boletos bancários para o pagamento das primeiras contribuições. Cabe à empresa preencher o valor a ser pago, dependendo do seu faturamento.
O diretor-executivo da ONG, Walter Belik, afirma que a primeira-dama não participa da administração da entidade e que os empresários, para quem a carta foi enviada, são associados que aderiram à instituição em julho.
"Não estamos achacando ninguém", afirmou Belik.
Ouvida, a assessoria da primeira-dama confirmou que ela não participa das questões administrativas da ONG. A carta que desagradou aos empresários foi assinada pela coordenadora financeira, Karla Rodrigues.

Ligação com o Planalto
A ONG Apoio Fome Zero foi lançada no dia 8 de julho em São Paulo é, juridicamente, uma organização da sociedade civil de interesse público. Como se depreende do seu nome, a entidade visa apoiar o Fome Zero.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou por 26 minutos no lançamento da ONG. Sua mulher foi apresentada aos cerca de 1.200 empresários presentes como presidente de honra.
Quem toca a instituição é o consultor Antoninho Marmo Trevisan, amigo de Lula. Ele é membro da Comissão de Ética Pública do governo federal, ligada à Presidência da República, mas não é funcionário do governo.
Coube a Trevisan convidar os empresários para participar da ONG. Aderiram empresas como Votorantim, Ford, Companhia Siderúrgica Nacional, Nestlé e ABN Amro Real.
A instalação da ONG foi financiada pelos empresários José Carlos Marques Bumlai (da Pecuária JB) e José Alberto de Camargo (Companhia Brasileira de Mineral e Metalurgia).
Só em outubro a Apoio Fome Zero enviou a carta cobrando as contribuições dos associados - as mesmas cem empresas que aceitaram, em julho, integrar a ONG, inclusive subscrevendo um termo de adesão.
Nem todos os empresários que aderiram à ONG aprovam integralmente o programa Fome Zero, caso de Antônio Ermírio de Moraes, da Votorantim. Ele afirmou, em pelo menos duas entrevistas, em outubro e novembro, que o programa é uma "esmola" e que os pobres querem emprego para pagar as próprias contas.

Mal-estar
As reclamações dos empresários -feitas longe do Palácio do Planalto- em relação ao tom imperativo que vem sendo usado pelo governo e seus aliados ao pedir dinheiro para financiar a área social foi, segundo a Folha apurou, um dos motivos pelos quais Oded Grajew, ex-assessor especial da Presidência, deixou o governo, no início do mês passado.
Grajew é veterano mobilizador dos empresários para questões éticas, caso da erradicação do trabalho infantil. Trouxe para o Brasil o conceito de responsabilidade social e criou o Instituto Ethos.
O instituto, sem apoio do poder público, conseguiu associar 800 empresas, muitas das quais aderiram à ONG Apoio Fome Zero.
Parte da rotina de Grajew no Ethos era pedir aos empresários contribuições financeiras para campanhas de cunho social, na maioria das vezes sem nenhuma ligação com o poder público.
Convidado para ser assessor especial de Lula, a situação mudou. De companheiro dos empresários, Grajew virou governo.
Novamente chamados por Grajew a contribuir, os empresários compareceram, mas, nos bastidores, comentaram fartamente que uma coisa é participar do Ethos e outra, dos programas federais.
Os primeiros sinais de desgaste nessa relação surgiram em maio, depois que Grajew enviou cerca de mil cartas a empresários, solicitando que remetessem um relato sobre as atividades que suas empresas ou associações de classe estavam fazendo em benefício do programa Fome Zero.
Grajew nega que tenha saído do governo por causa disso ou que tenha sido hostilizado pelos antigos companheiros. Prefere lembrar que, por causa de sua passagem pelo Planalto, conseguiu financiamento para 10 mil cisternas no semi-árido nordestino.

Facilidades
"É evidente que a proximidade de uma ONG com o governo facilita a captação de recursos entre os empresários", diz Augusto de Franco, ex-secretário-executivo do Conselho da Comunidade Solidária no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). O conselho criou oito ONGs e a ex-primeira-dama Ruth Cardoso trabalhou para captar recursos para essas instituições.
Franco diz que a força do poder público remonta ao período colonial: "O Brasil teve Estado antes de ter sociedade civil. O Estado chegou aqui de navio".
Léo Voigt, do Gife (Grupo de Instituições, Fundações e Empresas), afirma que a proximidade entre o poder público e uma ONG confere à instituição "maior poder de interpelação e de convencimento". Voigt ressalta que o governo não precisa pressionar os empresários a investir nos seus projetos."Eles contribuem como uma forma de se aproximar."


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