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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

Gravações feitas por Norma Cunha tratam de questões patrimoniais, familiares e pessoais, em meio a ofensas

Em fitas, ex-mulher tenta incriminar juiz

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O conjunto de 14 fitas comuns e 20 minicassetes apreendido pela Operação Anaconda no apartamento de Norma Regina Emílio Cunha, 54, ex-mulher do juiz federal da 4ª Vara Criminal de São Paulo, João Carlos da Rocha Mattos, 55, revela a estratégia de Norma em captar conversas comprometedoras para o juiz.
As fitas, às quais a Folha teve acesso, são citadas como indícios de irregularidades pela Polícia Federal no último relatório parcial da operação, feito em 21 de novembro, já com o resultados das buscas e apreensões realizadas nas casas e escritórios das oito pessoas presas sob acusação de integrar uma quadrilha com ramificação na Justiça Federal.
São aproximadamente 19 horas de gravações, a maioria feita no telefone do apartamento de Norma na praça da República, no centro de São Paulo, ao qual ela acoplou um gravador. Na maior parte do tempo, ela faz ataques pessoais contra Rocha Mattos, dando sinais de que está com ciúmes dele por causa de mulheres, as quais sempre desqualificada com palavrões ou acusações de roubo, ou reclamando de uma suposta falta de atenção do ex-marido para com o filho do casal.
Ao telefone, Norma faz diversas provocações, relacionando nomes de políticos, advogados e outros juízes a possíveis negociatas orquestradas pelo ex-marido. Ela pretende que ele confirme os relatos. Também o acusa constantemente de colocar imóveis e carros em nomes de terceiros. "Idiota que gastou R$ 500 mil neste ano" é uma das descrições de Mattos mais leves feitas por Norma.

Ofensas
Quase sempre o juiz responde evasivamente, pede "paz" ou responde com irritação. "Você não está bem da bola", diz, certa vez. "Por favor, tenha um pouco de equilíbrio", reclama, quando a ex-mulher começa a gritar ao telefone. Várias discussões são travadas na presença do filho do casal, de 13 anos (por vezes é possível ouvir a voz do garoto ao fundo, ou então Norma o coloca ao telefone para falar com o pai). Numa das vezes, Norma chega a orientar o menino a como ofender o pai. O garoto repete tudo ao telefone.
Em outras conversas, no entanto, as tentativas de Norma parecem ter produzido resultados. Rocha Mattos acaba admitindo que estava em negociações com Fausto Solano -acionista minoritário da corretora de valores Boa Safra e réu em processo que corre na 4ª Vara por conta do escândalo dos precatórios- para que ele passasse um apartamento no Uruguai para o nome de uma terceira pessoa, identificada como "Valter Lasserre". Pelo que a polícia infere, esse apartamento seria um pagamento relativo à venda de sentença judicial.
"O problema é que ele não tem dinheiro, porque ele não tem mesmo", conta o juiz. A transmissão do imóvel acabou não sendo feita, segundo Rocha Mattos, que teria então sugerido colocar o imóvel em nome de uma empresa offshore [com sede virtual em paraísos fiscais] que fora aberta anos atrás pela própria Norma. A ex-mulher diz que já fechou a empresa, na qual já teria gasto US$ 12 mil pela fundação e manutenção.

"Caixa"
Em outro trecho das conversas, Rocha Mattos faz um relato espontâneo sobre um episódio em que um homem identificado como "Roberto" teria estado com ele portando R$ 100 mil. Rocha Mattos teria então o orientado a trocar o dinheiro por dólares. A transação acabou rendendo US$ 38 mil, pelo câmbio da época.
Norma pergunta se o dinheiro era para "dar para o Casem Mazloum [juiz federal]". Seu ex-marido responde afirmativamente. Acrescenta que o dinheiro iria também para "Adriana". A PF inferiu tratar-se de Adriana Soveral, juíza federal de São Paulo. Não fica claro, na conversa, qual o objetivo desses pagamentos.

Consultas espirituais
O mais recente relatório parcial de inteligência policial da Operação Anaconda, concluído no último dia 21 pelos delegados Élzio Vicente da Silva e Emanuel Henrique Balduíno de Oliveira, usa esse trecho da conversa para reforçar a acusação contra Norma.
Segundo os delegados, o fato de Norma se recordar da transação seria mais um indicativo de que ela operava como "caixa da organização criminosa".
Ex-auditora da Receita Federal, tendo admitido ter contas bancárias e casa nos EUA, com cerca de US$ 550 mil em dinheiro estocados em casa -valor apreendido pela Operação Anaconda-, Norma aparece em conversas também debatendo consultas com um "guia espiritual" e atuando para fazer um "trabalho espiritual" para ajudar Rocha Mattos.
Norma parece preocupada com a possibilidade de problemas iminentes. Numa discussão com o ex-marido, diz que iria com ele "a qualquer lugar", menos para "a cadeia" -ambos estão presos desde o último dia 30.
Numa gravação, a ex-auditora a empregada da casa do juiz comentam que ele tem brigado "muito" com a vizinhança e que sua vida está "um problema". Norma pede que a empregada consiga uma foto da "amante" do juiz. "[Vamos] ver se a gente arruma algum jeito, algum material, para desmanchar esse feitiço."
Em outro momento, Norma decide gravar a consulta que faz com o que seria uma vidente. "Tem alguma coisa ruim chegando", pressente Norma, numa conversa gravada. "Aqui [nas previsões] dá perseguição da Justiça. A gente vai ter que trabalhar muito", raciocina a "guia".



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