São Paulo, quarta-feira, 07 de dezembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ FUNDOS DE PENSÃO

Relatório divulgado por ACM Neto aponta que operações que deram prejuízo às instituições beneficiaram personagens do "valerioduto"

Fundos perderam R$ 780 mi, aponta CPI

LEONARDO SOUZA
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A CPI dos Correios identificou operações no mercado financeiro com indícios de irregularidades que teriam representado prejuízos da ordem de R$ 780 milhões aos 14 fundos de pensão investigados por suspeitas de desvio de recursos com fins políticos.
O fundo que teve a maior perda foi a Prece (da Cedae, companhia estadual de saneamento do Rio), com R$ 309 milhões, seguido da Sistel (telecomunicações), com R$ 154 milhões, segundo relatório divulgado ontem pelo sub-relator da CPI deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA).
Numa sessão fechada, o deputado apresentou os números das investigações aos demais integrantes da CPI. Ele evitou relacionar o resultado do trabalho a ingerências políticas e disse que ainda não é possível dizer se as perdas dos fundos se deveram à gestão ineficaz dos recursos ou "à má-fé".
O relatório aponta, ainda que de forma indireta, para o esquema de caixa dois de Marcos Valério de Souza, devido a alguns dos beneficiários das transações: as perdas dos fundos de pensão representam ganhos na mesma proporção para outros agentes do mercado financeiro, como investidores, corretoras e distribuidoras de valores. Entre os beneficiários das transações com os fundos foram citados José Carlos Batista, dirigente da empresa de fachada Guaranhuns (empregada pelo PL para receber recursos de Valério), Bônus-Banval (ligada a integrantes do PP acusados no esquema) e Lúcio Bolonha Funaro, tido como doleiro e suspeito de envolvimento com lavagem de dinheiro. Segundo a CPI, há fortes indícios de que Batista era usado como laranja para repassar a outras pessoas ganhos oriundos das transações.
O período analisado vai de 2000 a 2005. A CPI teve a ajuda de uma força-tarefa composta por técnicos de Banco Central, CVM (Comissão de Valores Mobiliários), SPC (Secretaria de Previdência Complementar), Bolsa de Valores de São Paulo e BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros).
Há operações suspeitas no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), mas nos casos de algumas fundações a CPI constatou perdas recorrentes com as mesmas corretoras e distribuidoras a partir de 2003, como a Prece, a Real Grandeza (Furnas) e a Nucleos (estatais nucleares).
A CPI relacionou as corretoras e distribuidoras envolvidas em operações que trouxeram supostas perdas superiores a R$ 1 milhão aos fundos, entre elas a Laeta e a Bônus-Banval. Segundo relatórios da CVM, há indícios de que as duas instituições estão envolvidas com lavagem de dinheiro.
A Laeta é ligada a Lúcio Bolanha Funaro, fundador da Guaranhuns. A CVM identificou que Funaro operava contra a Refer por meio da Laeta. A Laeta realizou transações que teriam causado prejuízos de R$ 55 milhões ao conjunto dos fundos de pensão analisados. Desse valor, R$ 53,5 milhões ocorreram entre 2003 e 2005. Entre 2002 e 2004, a Bônus-Banval teria gerado perdas aos fundos de quase R$ 15 milhões.
Pelo menos dois nomes podem ligar as perdas de um dos fundos (Nucleos) ao PT: Christian de Almeida Rego, operador da gestora de recursos Arbor, e Rogéria Costa Beber. Christian é irmão de Murilo de Almeida Rego, amigo e ex-assessor do prefeito petista de Nova Iguaçu (RJ), Lindberg Farias (PT), quando exerceu mandato de deputado federal. Rogéria é mulher de Murilo.
Christian aparece como beneficiário de três fundos, Nucleos, Real Grandeza e Prece, no total de R$ 9,045 milhões. Rogéria e seu irmão, Cristiano Beber, teriam ganho cerca de R$ 13 milhões.
Lindberg não é o único petista ligado à família Almeida Rego. Marcelo Sereno, ex-secretário de Comunicação do PT e ex-assessor de José Dirceu, também os conhecia. Sereno foi ao casamento de Christian, realizado em 2004 na mansão de seu pai, Haroldo de Almeida Rego, operador de mercado ligado a fundos conhecido como Haroldo "Pororoca". Sereno exercia influência sobre o Nucleos, fundo contra o qual Christian e Rogéria ganharam, entre 2003 e 2005, R$ 3,1 milhões.

Operações
O trabalho da CPI se limitou a analisar operações realizadas na BM&F e com títulos públicos. No mercado futuro são negociados contratos em que os investidores se dispõem a comprar ou vender mercadorias e ativos em datas futuras a preços combinados.
Tanto as operações no mercado futuro quanto as transações com títulos públicos são intermediadas por corretoras ou distribuidoras. Na maioria dos casos, os prejuízos registrados pelos fundos ocorrem porque as fundações compram títulos ou contratos futuros por preço acima do de mercado ou porque os vendem por preço abaixo do de mercado.
ACM Neto disse que seu relatório é apenas o começo dos trabalhos de investigação. Uma das frentes é a das consultorias que prestam serviços aos fundos de pensão. A CPI já identificou indícios de irregularidades em contratos da Globalprev, que pertenceu ao chefe da Núcleo de Assuntos Estratégicos, Luiz Gushiken.


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