São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998

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REFORMA AGRÁRIA
Líder do MST trouxe irmãos do ES para cuidar de lote de 14 hectares
Agora com terra, Rainha é um 'quase emergente'

CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO
enviada especial a Teodoro Sampaio

De sem-terra a "quase emergente", a vida de José Rainha Jr., o mais famoso líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), está distante dos tempos em que morava num acampamento de barracas de plástico ou lona. Hoje, ele é oficialmente dono de um sítio, já com parte da sua área ocupada por plantações, mas nem mora na sua propriedade.
Na semana passada, ele recebeu o título oficial de posse de um lote de 14 hectares -área equivalente a quase 20 campos de futebol- em que já estão plantados 5.000 pés de café, 15 mil mudas de abacaxi, arroz, mandioca e milho para consumo da família.
Rainha não mora no lote, que fica a cerca de 15 km de Teodoro Sampaio. Há dois anos ele começou a pagar as prestações de uma casa de cerca de 100 metros quadrados na cidade, que arrematou por aproximadamente R$ 4.000, num leilão promovido pela Cesp (Companhia Energética de São Paulo).
O sítio fica em Teodoro Sampaio, cidade com cerca de 25 mil habitantes, a 710 km de São Paulo.
Casa na cidade
Há dois anos sua família já ocupava a área, depois que o Incra promoveu o assentamento de 46 famílias na antiga fazenda Santa Clara. Hoje, o assentamento tem água, luz e uma escola até a 4ª série. As casas, construídas perto da escola formando uma espécie de vilazinha, são de alvenaria. Ao lado, há um campo de futebol.
Sem tempo para cuidar da terra, Rainha "importou" do Espírito Santo, seu Estado de origem, dois irmãos, Bertoldo e Eurico.
São eles que cuidam das plantações e da criação de porcos e galinhas, ajudados pelos três filhos de Bertoldo, com idades entre 15 e 19 anos. A família Rainha foi uma das escolhidas para plantar frutas que serão processadas na fábrica que está sendo construída pela cooperativa dos sem-terra da região.
Três quartos
José Rainha reconhece que tem pouco tempo para cuidar do seu lote, mas diz que sempre que pode gosta de trabalhar na terra.
Cada um dos irmãos tem sua casa, com três quartos e varanda. A mãe de Rainha também mora na vilazinha, em outra casa.
Até agosto de 1996, quando se mudou de Vila Valéria (ES), Bertoldo trabalhava de meeiro numa plantação de café -foi por isso, aliás, que ele decidiu cultivar café, diferentemente dos outros assentados da fazenda Santa Clara, que preferiram milho e algodão. "Não quis arriscar. Só vim a conhecer algodão aqui. Como ia plantar?"
Vida melhor
Ainda é cedo para avaliar se o tamanho do lote (considerado uma micropropriedade rural) e a produtividade serão suficientes para garantir o sustento das famílias.
A primeira colheita do café, esperada por Bertoldo para o próximo ano, deverá ser muito pequena -como são os primeiros anos de produção de qualquer cafezal.
Por enquanto, os créditos recebidos do Incra e o rendimento da venda da produção foram suficientes para que cada irmão Rainha mantivesse sua casa.
"Não está sobrando dinheiro, mas a vida é muito melhor aqui", diz Bertoldo. Os sinais de que a vida melhorou aparecem em outras casas do assentamento -pelo menos uma família já comprou sua antena parabólica.
Cláudio Cano, da cooperativa dos sem-terra, lembra que muitos assentados passaram fome, seja nas cidades em que moravam anteriormente ou como bóias-frias. "Agora, eles pelo menos comem o que plantam e o que criam."



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