|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DOMINGUEIRA
TV com taxa
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo
Tem razão a deputada
Marta Suplicy, a intelectual
orgânica da vida doméstica,
quando diz que a programação de TV mereceria ser assunto para discussão pública.
Têm razão, igualmente, aqueles que vêem na TV Cultura
um espaço a ser preservado na
selva da mídia eletrônica comercial.
Mas devagar com o andor.
O despotismo esclarecido continua sendo despotismo e
vanguardas iluminadas podem produzir obscurantismo.
Se o argumento liberal do
"mercado resolve" é precário,
quando não cínico (ainda
não há de fato condições de
livre oferta e escolha), as iniciativas do intervencionismo
burocrático ilustrado também
são duvidosas.
Não no caso da deputada,
que a rigor está apenas levantando uma discussão, mas no
episódio da taxa para a manutenção da TV Cultura, fica
a impressão de que assistimos
a uma boa brasileirada. Uniram-se a malandragem e o
autoritarismo para urdir um
pequeno golpe fiscal.
De uma hora para outra a
população, indiscriminadamente, sem que tivesse sido
mobilizada, esclarecida ou
consultada, ver-se-ia compelida a pingar mais uma taxa
nos cofres do Estado, com a
presunção de que esse dinheiro seria utilizado para uma
causa nobre.
"É para seu próprio bem,
meu filho", diz o funcionário
ao seu Manoel, que teve o tostão confiscado para a biblioteca do barraco ganhar uma
enciclopédia de bolso.
Antes de pensar em cobrar a
taxa, da qual, aliás, viram-se
forçados a abrir mão, os responsáveis pela emissora poderiam ter aberto uma discussão
pública sobre os problemas
que enfrentam. Mostrar as
contas, mobilizar espectadores, chamar atenção da sociedade de forma clara e direta.
E, a seguir, colher sugestões.
Além da taxa cobrada de todos, há outras alternativas,
como a abertura controlada
para a comercialização, a colaboração voluntária (como
fez recentemente o jornal "Il
Manifesto", na Itália), a criação de contribuições sobre o
faturamento das redes que exploram lucrativamente a concessão pública ou até mesmo,
como em alguns países, um
percentual sobre a venda do
aparelho de televisão.
Nada, porém, pode ser pensado sem que entre em pauta
a questão do acompanhamento público da TV, as garantias contra a ingerência
política e a pluralidade da
programação.
Colocar gente famosa no ar
para dizer que a Cultura é
ótima é muito simpático
-mas não resolve o problema.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|