São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998

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DOMINGUEIRA
TV com taxa

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo


Tem razão a deputada Marta Suplicy, a intelectual orgânica da vida doméstica, quando diz que a programação de TV mereceria ser assunto para discussão pública. Têm razão, igualmente, aqueles que vêem na TV Cultura um espaço a ser preservado na selva da mídia eletrônica comercial.
Mas devagar com o andor. O despotismo esclarecido continua sendo despotismo e vanguardas iluminadas podem produzir obscurantismo.
Se o argumento liberal do "mercado resolve" é precário, quando não cínico (ainda não há de fato condições de livre oferta e escolha), as iniciativas do intervencionismo burocrático ilustrado também são duvidosas.
Não no caso da deputada, que a rigor está apenas levantando uma discussão, mas no episódio da taxa para a manutenção da TV Cultura, fica a impressão de que assistimos a uma boa brasileirada. Uniram-se a malandragem e o autoritarismo para urdir um pequeno golpe fiscal.
De uma hora para outra a população, indiscriminadamente, sem que tivesse sido mobilizada, esclarecida ou consultada, ver-se-ia compelida a pingar mais uma taxa nos cofres do Estado, com a presunção de que esse dinheiro seria utilizado para uma causa nobre.
"É para seu próprio bem, meu filho", diz o funcionário ao seu Manoel, que teve o tostão confiscado para a biblioteca do barraco ganhar uma enciclopédia de bolso.
Antes de pensar em cobrar a taxa, da qual, aliás, viram-se forçados a abrir mão, os responsáveis pela emissora poderiam ter aberto uma discussão pública sobre os problemas que enfrentam. Mostrar as contas, mobilizar espectadores, chamar atenção da sociedade de forma clara e direta. E, a seguir, colher sugestões.
Além da taxa cobrada de todos, há outras alternativas, como a abertura controlada para a comercialização, a colaboração voluntária (como fez recentemente o jornal "Il Manifesto", na Itália), a criação de contribuições sobre o faturamento das redes que exploram lucrativamente a concessão pública ou até mesmo, como em alguns países, um percentual sobre a venda do aparelho de televisão.
Nada, porém, pode ser pensado sem que entre em pauta a questão do acompanhamento público da TV, as garantias contra a ingerência política e a pluralidade da programação.
Colocar gente famosa no ar para dizer que a Cultura é ótima é muito simpático -mas não resolve o problema.



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