São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998

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CELSO PINTO
O tombo da Cesp

O que aconteceu com as ações da Cesp foi um massacre. Nos últimos 30 dias, as preferenciais e ordinárias caíram mais de 40%, e a queda chegou a mais de 60% em relação ao pico dos últimos 12 meses.
Hoje, as ações da Cesp estão sendo negociadas a 25% do valor patrimonial da empresa -de longe, a pior marca entre as empresas elétricas. As ações da Light, por exemplo, com toda a confusão, continuam valendo 180% do valor patrimonial, as da Eletropaulo valem 112%, as da CPFL valem 140%.
O tombo recente veio com a rejeição do mercado à forma encontrada pelo governo paulista para vender a área de distribuição. O governo tentou explicar, sem sucesso, suas razões. As dúvidas em relação ao futuro da Cesp persistem e vão além do modelo de venda.
A Cesp fez um enorme esforço de ajuste e saneamento nos últimos três anos. Enxugou, melhorou a produtividade e equacionou várias dívidas. Continuou, contudo, com um passivo gigantesco, em torno de R$ 12 bilhões, dos quais pouco mais de R$ 2 bilhões são dívidas não financeiras e US$ 6,6 bilhões são dívida externa.
É muito dinheiro e custa muito caro. Nos últimos anos, a Cesp vendeu a idéia de que poderia reduzir substancialmente esse passivo, usando o dinheiro da venda fatiada de seus negócios. No final, supunha-se que sobraria para privatizar a maior empresa de geração de energia do país, com uma dívida administrável, valendo uns US$ 6,5 bilhões, dos quais o acionista controlador, o governo paulista, ficaria com uns US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões.
O modelo de criar subsidiárias integrais (uma para a distribuição e três para a geração), contudo, cria dúvidas. O governo paulista decidiu que vai subscrever pelo menos 60,5% do capital votante da Elektro (de distribuição) e se apropriar do lucro com a privatização.
A Cesp transferiu R$ 800 milhões em dívidas para a Elektro e vai se beneficiar com sobras não subscritas e com a capitalização da subsidiária. O lucro do governo paulista com a venda, contudo, ficará com ele, não com a Cesp. O mercado estima que a Elektro poderá render até US$ 2,5 bilhões (o que depende, entre outras coisas, de um reajuste de tarifas pedido, que Brasília reluta em aceitar).
O mesmo processo valerá para as três subsidiárias que serão criadas para a geração. Parte da dívida da Cesp será alocada nessas empresas, mas parte do lucro com os ativos irá para o cofre do Estado.
Sobram várias dúvidas. Não se sabe quantas geradoras de energia será viável privatizar em 98, mesmo supondo que Brasília adie a venda de suas maiores geradoras. Se o futuro governador for Paulo Maluf, há dúvidas se a privatização continuará. Não se sabe o tamanho da dívida que sobrará na última holding de geração, o que poderá complicar sua venda.
Esses são temores dos minoritários que ajudam a derrubar os preços das ações. A privatização da Cesp, contudo, envolve outras dúvidas mais amplas.
Não existe um marco regulatório claro para a geração privada de energia. Até hoje o governo não enviou um projeto de lei regulamentando o funcionamento do operador independente e da interligação do sistema.
Sem isso, quem comprar uma geradora privada não saberá em que circunstâncias será obrigado a reduzir ou elevar sua produção em benefício da otimização do sistema nacional. Não saberá como vai funcionar o mercado de oferta de energia no atacado, como ficarão contratos de longo prazo e a precificação.
Sem leis definindo questões cruciais que afetam custos e lucros, o valor da privatização acabará caindo. Exatamente como aconteceu com as primeiras privatizações na distribuição, como as da Escelsa e da Light. Os compradores privados pagaram pouco, garantiram tarifas altas por oito anos e ficaram com muito menos obrigações do que as embutidas em privatizações mais recentes (como a da CPFL).
Deu no que deu, e os problemas com a Light podem acabar afetando o próprio programa de privatização. Se isso se repetir na área de geração, será pela mesma razão: o desespero do Estado em fazer caixa, de um lado, e a lentidão em regulamentar, de outro.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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