|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CELSO PINTO
Inflação e emprego,
uma rima difícil
Até junho, o Ministério da Fazenda terá que tomar uma decisão delicada. Além de definir a
meta para a inflação no primeiro
ano da administração do futuro
presidente, em 2003, estará sinalizando um piso para o nível de
preços.
Por enquanto o regime de metas inflacionárias seguiu o bom
senso. Criado em julho de 99,
quando a expectativa era de
uma inflação de 20%, puxada
pela desvalorização cambial, optou-se por um saudável gradualismo: 8% de inflação em 99,
caindo para 6% em 2000 e 4%
neste ano.
Na época, a Fazenda e o BC foram criticados por alguns afoitos
por "acomodar" uma inflação
alta demais. Em retrospecto, foi
uma decisão acertada. A coordenação das expectativas permitiu
atingir as metas, e seu gradualismo abriu espaço para algum
crescimento em 99 e uma expansão mais sólida, de 4,2%, no ano
passado.
Ao fixar a meta para 2002, o
BC voltou a ser cauteloso. A meta
de 3,5% representa um ganho pequeno em relação aos 4% deste
ano, mas é prudente para um
ano eleitoral.
A meta para 2003 é mais complicada. Fixa um compromisso
para um presidente desconhecido. O futuro presidente sempre
pode mudar a meta, mas, se o fizer, pagará um preço alto em termos de credibilidade. De outro
lado, a meta para 2003 embute,
de alguma forma, uma visão sobre o que é desejável, a médio
prazo, em termos de nível de inflação para o país. Não é uma
questão trivial.
A Fazenda lembra que existe
um compromisso firmado pelo
Brasil, no âmbito do Mercosul,
válido até 2005, de uma inflação
não superior a 5%. No sistema
atual de metas, que permite uma
oscilação de até dois pontos percentuais para cima e para baixo,
os 5% equivaleriam a uma meta
"central" de até 3%. Para depois
de 2005, o Mercosul quer ter calculado um "núcleo de inflação",
um indicador de tendência de
preços expurgado da variação de
preços sujeitos a oscilações cíclicas, como energia e alimentos.
Claramente, este governo acha
sensata uma transição para um
regime de meta inflacionária que
use o "núcleo" como meta. Tecnicamente, faz sentido. Até chegar
lá, contudo, o país terá que escolher que piso de inflação quer
usar. Ou se, a exemplo de outros
países, prefere sair da meta central atual para uma faixa de oscilação de preços.
Quem acha que o objetivo ideal
para a inflação é chegar a zero,
quando possível, nada contra a
corrente internacional. Existem
imperfeições na medição de preços. Nos Estados Unidos, calcula-se que uma inflação que marque
pouco mais de 1% equivale, na
verdade, a preços estáveis. Além
disso, um pouco de inflação, na
visão de muitos economistas,
ajuda a "lubrificar" o sistema.
Por exemplo: se houver deflação,
haverá resistências dos trabalhadores a aceitar uma redução nos
salários nominais. Se a inflação
for de 3% ou 4%, pode haver
margem até para alguma redução de salários reais, se o ciclo
econômico assim o exigir.
Mas qual o nível ótimo? Uma
resposta interessante vem do Canadá. O professor Pierre Fortin,
da Universidade de Quebec em
Montreal, um dos mais respeitados especialistas em política monetária do país, acha que uma
inflação inferior a 3%, no Canadá, aumenta o desemprego e não
traz ganhos em eficiência ("Inflation Targeting: the Three Percent Solution": www.irpp.org).
O BC canadense tem usado como meta uma inflação de 1,5% a
3%. Nos últimos nove anos, a inflação ficou em 1,5% ao ano. Em
compensação, o desemprego médio anual, de 1991 a 2000, foi
muito alto, 9,4%, e o crescimento
médio anual ficou longe de ser
brilhante, em 2,9%.
Os bancos centrais operam na
crença que existe um nível "natural" de desemprego, compatível com o máximo de crescimento possível com um mínimo de
inflação. A política monetária,
via aumento dos juros, pode reduzir a inflação à custa de algum
aumento do desemprego, mas ele
é temporário. Qualquer tentativa
de reduzir o desemprego abaixo
do nível natural, contudo, levará
apenas a mais inflação. E mais
inflação, na crença dos BCs, é sinônimo de mais ineficiência -e,
portanto, de menos crescimento.
Fortin questiona os três pontos.
Ele lembra que as pesquisas econômicas (como a de Robert Barro) são capazes apenas de provar
que países com inflação acima de
15% crescem menos. Abaixo desse nível, as pesquisas são inconclusivas ou discutíveis.
Além disso, ele questiona a teoria por trás do nível natural de
desemprego. Ele calcula o nível
natural de desemprego no Canadá e conclui que, se a teoria funcionasse, a inflação canadense
nos anos 90 teria caído 9,7%, e
não ficado estável em 1,5%. A diferença se explica, diz ele, porque, ao contrário do que diz a
teoria, abaixo de um certo nível
"ótimo" de inflação (que ele define como 3%), só se reduzem os
preços à custa da criação permanente e não temporária de mais
desemprego. Para trazer a inflação a zero, ele calcula que o desemprego teria que chegar a 10%,
bem mais do que os 6,8% do ano
passado.
Com 3% de inflação, pelo seu
modelo, o nível de desemprego é
o menor possível: 5,3%. Acima de
3% de inflação ele sobe, e acima
de 6,5% não se consegue gerar
mais empregos, só mais inflação,
mais ineficiência e menos crescimento.
Em suma, o ideal, no caso do
Canadá, seria o BC buscar uma
inflação entre 2% e 4%, e não entre 1,5% e 3%, como fez na última década, elevando inutilmente o desemprego.
O debate entre os economistas
nessa área é interminável e o que
se sabe sobre a relação entre inflação e desemprego é que ela é
"inexorável e misteriosa", na definição de Gregory Mankiw
("The Inexorable and Mysterious
Tradeoff between Inflation and
Unemployment": www.nber.org/papers/w7884).
Mesmo que Fortin tenha razão,
não quer dizer que os cálculos
para o Brasil sejam os mesmos.
Se a decisão é atrelar o futuro a
uma meta inflacionária, contudo, é bom que haja uma discussão ampla, geral e irrestrita.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
Texto Anterior: Precatório de DNER é irregular, diz governo Próximo Texto: Questão agrária: Sem-terra querem transformar Dia Internacional da Mulher em ato Índice
|