São Paulo, quinta-feira, 08 de março de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CELSO PINTO

Inflação e emprego, uma rima difícil

Até junho, o Ministério da Fazenda terá que tomar uma decisão delicada. Além de definir a meta para a inflação no primeiro ano da administração do futuro presidente, em 2003, estará sinalizando um piso para o nível de preços.
Por enquanto o regime de metas inflacionárias seguiu o bom senso. Criado em julho de 99, quando a expectativa era de uma inflação de 20%, puxada pela desvalorização cambial, optou-se por um saudável gradualismo: 8% de inflação em 99, caindo para 6% em 2000 e 4% neste ano.
Na época, a Fazenda e o BC foram criticados por alguns afoitos por "acomodar" uma inflação alta demais. Em retrospecto, foi uma decisão acertada. A coordenação das expectativas permitiu atingir as metas, e seu gradualismo abriu espaço para algum crescimento em 99 e uma expansão mais sólida, de 4,2%, no ano passado.
Ao fixar a meta para 2002, o BC voltou a ser cauteloso. A meta de 3,5% representa um ganho pequeno em relação aos 4% deste ano, mas é prudente para um ano eleitoral.
A meta para 2003 é mais complicada. Fixa um compromisso para um presidente desconhecido. O futuro presidente sempre pode mudar a meta, mas, se o fizer, pagará um preço alto em termos de credibilidade. De outro lado, a meta para 2003 embute, de alguma forma, uma visão sobre o que é desejável, a médio prazo, em termos de nível de inflação para o país. Não é uma questão trivial.
A Fazenda lembra que existe um compromisso firmado pelo Brasil, no âmbito do Mercosul, válido até 2005, de uma inflação não superior a 5%. No sistema atual de metas, que permite uma oscilação de até dois pontos percentuais para cima e para baixo, os 5% equivaleriam a uma meta "central" de até 3%. Para depois de 2005, o Mercosul quer ter calculado um "núcleo de inflação", um indicador de tendência de preços expurgado da variação de preços sujeitos a oscilações cíclicas, como energia e alimentos.
Claramente, este governo acha sensata uma transição para um regime de meta inflacionária que use o "núcleo" como meta. Tecnicamente, faz sentido. Até chegar lá, contudo, o país terá que escolher que piso de inflação quer usar. Ou se, a exemplo de outros países, prefere sair da meta central atual para uma faixa de oscilação de preços.
Quem acha que o objetivo ideal para a inflação é chegar a zero, quando possível, nada contra a corrente internacional. Existem imperfeições na medição de preços. Nos Estados Unidos, calcula-se que uma inflação que marque pouco mais de 1% equivale, na verdade, a preços estáveis. Além disso, um pouco de inflação, na visão de muitos economistas, ajuda a "lubrificar" o sistema. Por exemplo: se houver deflação, haverá resistências dos trabalhadores a aceitar uma redução nos salários nominais. Se a inflação for de 3% ou 4%, pode haver margem até para alguma redução de salários reais, se o ciclo econômico assim o exigir.
Mas qual o nível ótimo? Uma resposta interessante vem do Canadá. O professor Pierre Fortin, da Universidade de Quebec em Montreal, um dos mais respeitados especialistas em política monetária do país, acha que uma inflação inferior a 3%, no Canadá, aumenta o desemprego e não traz ganhos em eficiência ("Inflation Targeting: the Three Percent Solution": www.irpp.org).
O BC canadense tem usado como meta uma inflação de 1,5% a 3%. Nos últimos nove anos, a inflação ficou em 1,5% ao ano. Em compensação, o desemprego médio anual, de 1991 a 2000, foi muito alto, 9,4%, e o crescimento médio anual ficou longe de ser brilhante, em 2,9%.
Os bancos centrais operam na crença que existe um nível "natural" de desemprego, compatível com o máximo de crescimento possível com um mínimo de inflação. A política monetária, via aumento dos juros, pode reduzir a inflação à custa de algum aumento do desemprego, mas ele é temporário. Qualquer tentativa de reduzir o desemprego abaixo do nível natural, contudo, levará apenas a mais inflação. E mais inflação, na crença dos BCs, é sinônimo de mais ineficiência -e, portanto, de menos crescimento.
Fortin questiona os três pontos. Ele lembra que as pesquisas econômicas (como a de Robert Barro) são capazes apenas de provar que países com inflação acima de 15% crescem menos. Abaixo desse nível, as pesquisas são inconclusivas ou discutíveis.
Além disso, ele questiona a teoria por trás do nível natural de desemprego. Ele calcula o nível natural de desemprego no Canadá e conclui que, se a teoria funcionasse, a inflação canadense nos anos 90 teria caído 9,7%, e não ficado estável em 1,5%. A diferença se explica, diz ele, porque, ao contrário do que diz a teoria, abaixo de um certo nível "ótimo" de inflação (que ele define como 3%), só se reduzem os preços à custa da criação permanente e não temporária de mais desemprego. Para trazer a inflação a zero, ele calcula que o desemprego teria que chegar a 10%, bem mais do que os 6,8% do ano passado.
Com 3% de inflação, pelo seu modelo, o nível de desemprego é o menor possível: 5,3%. Acima de 3% de inflação ele sobe, e acima de 6,5% não se consegue gerar mais empregos, só mais inflação, mais ineficiência e menos crescimento.
Em suma, o ideal, no caso do Canadá, seria o BC buscar uma inflação entre 2% e 4%, e não entre 1,5% e 3%, como fez na última década, elevando inutilmente o desemprego.
O debate entre os economistas nessa área é interminável e o que se sabe sobre a relação entre inflação e desemprego é que ela é "inexorável e misteriosa", na definição de Gregory Mankiw ("The Inexorable and Mysterious Tradeoff between Inflation and Unemployment": www.nber.org/papers/w7884).
Mesmo que Fortin tenha razão, não quer dizer que os cálculos para o Brasil sejam os mesmos. Se a decisão é atrelar o futuro a uma meta inflacionária, contudo, é bom que haja uma discussão ampla, geral e irrestrita.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


Texto Anterior: Precatório de DNER é irregular, diz governo
Próximo Texto: Questão agrária: Sem-terra querem transformar Dia Internacional da Mulher em ato
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.