São Paulo, segunda-feira, 08 de março de 2004

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ENTREVISTA DA 2ª

JORGE BORNHAUSEN

Pefelista critica condução da economia pelo governo e vê marca indelével deixada pelo caso Waldomiro

"Documento do PT que critica política econômica é tiro no pé"

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente nacional do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), 66, ataca duramente a política econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva, mas classifica de "irresponsabilidade" e de "tiro no pé, ou no coração", a nota da Executiva Nacional do PT que cobra mudanças na economia.
"Vamos ver qual a repercussão disso no mercado na segunda-feira [hoje]", disse Bornhausen à Folha no sábado, em seu apartamento de Brasília.
Na sexta-feira, durante encontro em São Paulo, a cúpula do PT divulgou nota defendendo o partido e o governo no caso Waldomiro Diniz -referência ao ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência que foi flagrado em vídeo pedindo propina e dinheiro para campanhas eleitorais em 2002, quando era presidente da Loterj (Loteria do Estado do Rio de Janeiro). Na época, Benedita da Silva (PT) era a governadora do Rio de Janeiro.
O ponto mais sensível da nota, porém, dizia respeito à economia: pedia mudanças de rumo na ortodoxia capitaneada pela equipe do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda). "Vamos trabalhar com afinco para que o governo implemente as medidas necessárias para que 2004 marque o início de um novo e sustentado ciclo de desenvolvimento econômico e social do país, através de mudanças na política econômica necessárias à implantação e consolidação de todos os nossos programas sociais, econômicos e administrativos", diz trecho da nota do PT.
Na quinta, Bornhausen almoçou com o presidente nacional do PSDB, José Serra. Na sexta, encontrou-se com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em São Paulo.
Sua certeza, ratificada também nessas conversas, é de que a crise política deixou marca indelével : "Um governo que era forte e mal gerenciado fica fraco e continua mal gerenciado. É péssimo para o país. A ameaça é de uma nova década perdida".
Bornhausen acha que novas denúncias virão e que a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai ser afetada. Segundo pesquisa Datafolha publicada na semana passada, Lula não teve seu prestígio pessoal abalado pelo caso Waldomiro.
De acordo com o levantamento, apesar de o governo Lula ter sofrido um solavanco, no limite da margem de erro, perdendo um pouco de popularidade, o chefe da administração teve sua imagem totalmente preservada pelos 2.306 eleitores pesquisados pelo Datafolha no dia 1º de março, em todas as unidades da Federação.
Em dezembro passado, o governo Lula tinha 42% de aprovação. O percentual é a soma de respostas ótimo e bom. Hoje, a administração petista tem a aprovação de 38% dos eleitores -43% consideram o governo regular; 17%, ruim ou péssimo.
Já o presidente Lula manteve sua imagem nos últimos meses, apesar dos indicadores ruins da economia e do escândalo Waldomiro Diniz. Em outubro passado, quando o Datafolha fez pela última vez a pergunta sobre o desempenho pessoal do petista, ele teve 60% de aprovação. Na última pesquisa, obteve percentual idêntico.
A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

 


Folha - O sr. concorda com o documento do PT pedindo mudanças na política econômica?
Jorge Bornhausen -
Vamos ver qual a repercussão disso no mercado na segunda-feira [hoje]. Foi mais uma declaração irresponsável do PT em relação à política do ministro [Antonio] Palocci [Filho, da Fazenda]. Acho que eles estão descontrolados com a crise, tentando mudar o foco, tirando o ministro da Casa Civil [José Dirceu] do pênalti e colocando o Palocci, que estava fora.

Folha - Com o virtual enterro da CPI dos bingos, a crise está debelada?
Bornhausen -
A crise foi muito mal administrada e vai se estender por muito tempo, com profundo desgaste do presidente, do governo e do PT.

Folha - E o reflexo disso nas eleições municipais?
Bornhausen -
O governo Lula vai sofrer as conseqüências não só disso, mas das suas contradições, do crescimento zero, da geração de desemprego e do desrespeito à ética. O sonho dos 20 anos vai ser barrado em 2004.

Folha - O sr. se reuniu com Serra e depois com FHC. A oposição está se reaglutinando?
Bornhausen -
Evidentemente, a crise aglutina a oposição, mas isso não significa uma coligação municipal, que depende de peculiaridades locais. O que está certo é que as oposições crescerão e que a expectativa de um grande avanço do PT deixou de existir. Mas o mais importante é que se interrompe o processo de mexicanização em curso.

Folha - O que quer dizer?
Bornhausen -
Que os ratos vão começar a sair do porão. A base governista original, a do primeiro turno [da eleição de 2002], unia PT, PL e PC do B. Depois, no segundo, aumentou para PTB e PPS. Já no governo, vieram PMDB e PP.

Folha - Além de parte do PFL, a do senador Antonio Carlos Magalhães (BA).
Bornhausen -
Estou falando institucionalmente, e o PFL é de oposição. Ficamos de fora PFL, PSDB e depois o PDT. Com a verticalização das eleições [em que as coligações estaduais e municipais têm de repetir as nacionais], o risco é de um achatamento medonho das oposições.
Exemplo: o [Germano] Rigotto [governador do Rio Grande do Sul, do PMDB] tem PMDB, PSDB, PPS, PFL e PDT, mas, como o PMDB nacional está coligado ao PT e ao governo, só vai poder fazer coligação branca com PSDB, PFL e PDT. Ou seja, vai perder tempo de rádio e de TV.

Folha - Não foi o PT que fez a verticalização.
Bornhausen -
Não foi, é verdade, mas será o grande favorecido. A verticalização estraçalha a oposição. Onde PFL e PSDB não se unirem, vão ficar à míngua. Eu conversei com Serra e com FHC também por isso, porque toda essa lógica contra a oposição começou a ruir com o caso Waldomiro. Os ratos vão pular fora do governo, e a tendência é a base se fragilizar e a oposição se fortalecer.

Folha - O que mais muda com o caso Waldomiro?
Bornhausen -
O que havia antes? A imprensa estava amarrada, a oposição era inexistente, e o grande arco de coligações garantia uma maioria imensa para o governo no Congresso. Esse quadro começou a mudar a partir de 13 de fevereiro [quando a revista ""Época" divulgou a fita do assessor palaciano pedindo propina]. A imprensa, por exemplo, estava sendo apenas crítica. Agora, é também investigativa.

Folha - E o discurso de campanha da oposição?
Bornhausen -
Se a administração do PT já era ruim sem nenhum escândalo, agora vai ficar péssima. Fracasso na área social, dosagem exagerada na política econômica para conseguir conquistar credibilidade, resultados ruins em todas as áreas.
Eles subiram os juros quando não precisava, demoraram para baixar, aumentaram voluntariamente o superávit primário e engessaram o setor produtivo com uma política errada de tributos. Conclusão: crescimento negativo de 0,2%, 650 mil desempregados, salários valendo menos 13%.

Folha - O sr. criticou o PT por cobrar mudanças. Então, a economia está bem?
Bornhausen -
No último trimestre de 2003, iniciou-se um círculo virtuoso mundial que se repete de dez em dez anos, mas nós perdemos. O Brasil poderia almejar crescer em 2004 de 6% a 7%, mas não surfou na onda na hora certa. Vamos crescer uns 3% e, com isso, não vamos recuperar os 650 mil desempregos de 2003.
Por quê? Faltou ousadia nos juros, afastaram investimento, fizeram marco regulatório por medida provisória e mais essa política externa voltada para o público interno, especialmente o público interno do PT. É uma política terceiro-mundista e preocupada em afrontar o nosso maior parceiro econômico e comercial: os EUA.

Folha - E quanto aos escândalos? O pior da crise já passou?
Bornhausen -
O fato de o PT abafar a CPI por todos os meios e modos indica que há outras coisas a esconder, e elas certamente vão aparecer.

Folha - Por que tanta certeza?
Bornhausen -
Porque, quando um governo tropeça, as denúncias começam a aparecer, os prejudicados tomam coragem e põem a cara de fora.

Folha - Prejudicados?
Bornhausen -
Os que não se beneficiam de atos ilícitos.

Folha - O que o sr. acha do fortalecimento político de velhas lideranças do PMDB e do seu próprio partido no governo PT?
Bornhausen -
O PT administrou muito mal a crise, indo e voltando sem encontrar um caminho. Exemplos: o ato de desagravo ao Dirceu, a insistência do [senador Eduardo] Suplicy [PT-SP] em convocar o Dirceu para o Congresso e, agora, essa decisão da Executiva Nacional deles transferindo a culpa para o Palocci. Uma irresponsabilidade. Atacar o Palocci foi um tiro no pé. Ou no coração? O atingido pela crise foi o Palácio do Planalto, e houve uma dificuldade grande de reação ante à surpresa e à gravidade da denúncia. Perderam muito tempo, perderam a tranqüilidade e daí vieram todos esses desacertos.

Folha - O que isso projeta?
Bornhausen -
Um governo que era forte e mal gerenciado fica fraco e continua mal gerenciado. É péssimo para o país. A ameaça é de uma nova década perdida.

Folha - O PFL sempre foi contra CPIs. Apoiar agora não é fazer oposição pela oposição?
Bornhausen -
Nunca houve um fato igual ao do Waldomiro, um subchefe da Casa Civil filmado tomando dinheiro para candidatos do partido e para si. Se eu estivesse no governo, assinaria a CPI do mesmo jeito. Como explicar ao meu eleitor que eu não assinei, se ele viu tudo pela televisão?

Folha - E o presidente Lula?
Bornhausen -
O presidente sumiu. Ele quer ficar longe de tudo isso para evitar que a crise atinja sua popularidade. Mas eu acho que ele não vai conseguir.


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