São Paulo, Segunda-feira, 08 de Março de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ministro retirará de assentado crédito "mais barato do mundo"


Nome: Raul Belens Jungmann Pinto, 46, separado, dois filhos
Local de nascimento: Recife (PE)
Formação: psicologia incompleto Universidade Católica de Pernambuco
Carreira: secretário-executivo do Planejamento (93-94) e presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do MeioAmbiente e dos Recursos Naturais Renováveis) de 95 a 96



ABNOR GONDIM
da Sucursal de Brasília

Leia abaixo os principais trechos da entrevista do ministro Raul Jungmann (Política Fundiária).
Folha - O sr. acha que haverá neste ano radicalização dos sem-terra com novas invasões? A situação tenderá a ficar insuportável no campo?
Raul Jungmann -
Não. Em primeiro lugar, o programa de reforma agrária é irreversível. O programa de assentamentos reduziu a violência e o número de invasões de terra. Como o programa irá se expandir, eu não acredito na radicalização, que é fruto da não realização da reforma agrária.
Além disso, os movimentos sociais estão mudando. Ao longo de 30 anos, a média anual da reforma agrária era de 8.000 famílias. Em 98, foram assentadas 100 mil.
O MST está mudando. Com a chegada do PT ao governo do Rio Grande do Sul, o MST passou a ser parte desse poder. Ele já não pode radicalizar como antes. Em alguma medida, isso ocorre nos demais governos do PT (AC e MS) e outros governos de esquerda (AL e AP) e em Estados (CE e MA) que querem descentralizar a reforma agrária.
Folha - O MST virou governo?
Jungmann -
Com essas parcerias, a agressividade do MST já não será mais dirigida só contra o governo federal. Terá de ser dirigida contra governos estaduais e prefeituras da oposição. No Rio Grande do Sul, o MST detém postos de poder e de muito poder. Isso não quer dizer que o movimento vá perder seu caráter aguerrido. Mas ele chegou num beco sem saída. Por quê? Porque o MST venceu -colocou a reforma agrária na agenda nacional.
Folha - O sr. também pode ser acusado de ter sido radical por ter rompido com o MST desde agosto de 1996?
Jungmann -
Já conversei com o MST em vários Estados. Não com a direção nacional. Isso serve para refletir. Naquela época, tratava-se de passar no Congresso um conjunto de leis que era uma revolução em termos de reforma agrária. Não passaríamos essa legislação se não dividíssemos setores conservadores, se não dividíssemos a direita. Não quis perder a oportunidade histórica de promover a legislação que agilizaria a reforma agrária e fui para o enfrentamento com o MST. Conseguimos fazer a reforma agrária como nunca. Desapropriamos uma área quase igual ao dobro da do Rio de Janeiro.
Folha - Hoje, o sr. aceitaria conversar com o João Pedro Stedile?
Jungmann -
Sim. Aceito conversar com qualquer um. Quando ele critica e perde a cabeça, eu sei que acertei.
Folha - O que o sr. acha dele?
Jungmann -
É uma cabeça de direita dentro de uma causa de esquerda. É o líder máximo da esquerda reacionária. Ele tem talento organizacional, mas possui defeitos sérios.
É machista e preconceituoso quando chama de "prostituta" a ex-sem-terra Débora Rodrigues porque ela posou nua para a revista "Playboy". Stedile diz que a elite fede, sem se reconhecer como alguém da elite, que tem todos os dentes e curso de economia. Ele não aceita pluralismo no MST e defende a idéia de que vale a pena sacrificar a democracia para combater a pobreza.
Folha - Até onde o governo pode ceder em relação ao MST?
Jungmann -
Já está certo que o Banco da Terra vai contar com R$ 200 milhões. Se o MST parar de pressionar o Banco Mundial, teremos mais R$ 1 bilhão. Teremos ainda uma parcela dos assentados atendidos pelo Pronaf.
Folha - O governo vai substituir o Procera (Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária) pelo Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar)?
Jungmann -
Nós temos investido em muitos estudos sobre reforma agrária. Um dos estudos apontou que o subsídio era distorcido.
Folha - Como?
Jungmann -
É muito justo que os assentados queiram ter seu rádio, sua geladeira, seu televisor. Mas o Procera não é feito para isso. É para que você faça cerca, compre o trator, faça o silo e, a partir do giro da produção, você tenha dinheiro suficiente para comprar bens de consumo. Então é um crime, num país tão pobre como este, termos o dinheiro mais barato do mundo para comprar bens de consumo.
É claro que temos de apoiar quem é assentado porque ele começa do zero e precisa ter apoio.
Folha - Como funciona esse esquema?
Jungmann -
No Procera, o assentado tem direito a R$ 7.500 de crédito individual e R$ 7.500 de crédito de cooperativa. Além disso, todo ano ele tem mais R$ 2.000 para plantio, que é o Procerinha.
Como o subsídio é de 50%, o sujeito pagava o investimento com o dinheiro do custeio anual. Como o subsídio é muito alto, ele pegava R$ 1.000 dos R$ 2.000 de custeio para pagar o investimento.
Folha - Quem recebeu crédito do Procera não receberá mais?
Jungmann -
Não será desse jeito. Haverá uma fase de transição. Quem está chegando agora terá sua parte. A reformulação envolverá os créditos de implantação do Procera e do Pronaf.
Folha - Os assentados vão ter acesso a dinheiro mais caro?
Jungmann -
Eu diria que sim. Porque o subsídio estava distorcido e insustentável. Com 414 mil famílias, como o programa de reforma agrária tem hoje, isso iria ter de parar. Quando você chega na faixa de quase R$ 0,5 bilhão, é difícil manter isso. O Procera começou a existir em 93, com R$ 20 milhões, e pulou em 98 para R$ 410 milhões. Daí você percebe que a oposição ao governo é política e ideológica.


Texto Anterior: Entrevista da 2ª: Jungmann e Stedile radicalizam discursos
Próximo Texto: Líder do MST diz número de invasões aumentará em 1999
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.