São Paulo, Segunda-feira, 08 de Março de 1999
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Líder do MST diz número de invasões aumentará em 1999


Nome: João Pedro Stedile, 44, casado com Maria Almeida, quatro filhos
Local de nascimento: Lagoa Vermelha (RS)
Formação: economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pós-graduado na Universidade do México
Carreira: foi economista na Secretaria da Agricultura do RS até 1983, quando foi para os movimentos sociais



LÉO GERCHMANN
da Agência Folha, em Porto Alegre

Leia os principais trechos da entrevista de João Pedro Stedile, coordenador nacional do MST.
Agência Folha - Quais as ações previstas pelo MST para este ano?
João Pedro Stedile -
O MST vai continuar sua missão histórica, que é organizar os pobres no campo. Como a pobreza vem aumentando e o governo não tem a reforma agrária e a agricultura como prioridades, certamente neste ano se multiplicarão mobilizações de sem-terra, pequenos agricultores e pobres na luta para sobreviver.
Agência Folha - Isso significa um número maior de invasões?
Stedile -
Certamente, em 1999, haverá mais ocupações de terra e protestos dessas categorias que falei antes como consequência da desastrosa política econômica do governo, que gerou uma grave crise social no campo e na cidade.
Agência Folha - O MST acredita em radicalização dos conflitos?
Stedile -
Estamos convencidos de que os conflitos sociais são resultado da política econômica, que, por um lado, está subordinando a nossa economia ao capital internacional e, por outro, mantém os privilégios e a concentração de riqueza das elites, utilizando recursos públicos não para resolver os problemas sociais de saúde, educação e reforma agrária, mas priorizando os compromissos com os bancos e com as dívidas interna e externa. A política do governo FHC é a fábrica das tensões sociais.
Agência Folha - O senhor acha que o ministro Raul Jungmann está radicalizando?
Stedile -
O ministro Jungmann não representa nada. O importante é a opinião pública saber que o governo FHC tem uma política econômica que marginaliza a agricultura como um todo, que levou à falência mais de 500 mil proprietários familiares durante o primeiro mandato e que a concentração da propriedade da terra no Brasil continua intocável. Dessa forma, é preciso compreender que o governo FHC não quer fazer reforma agrária na sua concepção, que é a democratização da propriedade da terra, a reorganização da agricultura para o mercado interno e a eliminação da pobreza no meio rural.
Como não adota uma política real de reforma agrária, o governo escala o Jungmann para mostrar à sociedade projetos ilusórios que visam apenas a enganar a opinião pública.
Agência Folha - Nenhuma medida do governo o satisfez?
Stedile -
Os leitores da Folha devem estar lembrados de quantas soluções milagrosas, entre aspas, o governo FHC divulgou na imprensa: ITR, rito sumário, projeto Lumiar, projeto Casulo, descentralização etc. Agora, mais recentemente, assessorados ideologicamente pelo Banco Mundial, o governo FHC lança o Banco da Terra, que significa aplicar os conceitos do neoliberalismo na questão agrária e transformar a política fundiária em um mero negócio de mercado, em que os latifundiários, mesmo improdutivos, receberiam pagamento à vista pelas parcelas de terra que estivessem dispostos a ceder gentilmente ao governo.
Com isso, o governo ignora a Constituição, que determina que a reforma agrária deve ser feita pela desapropriação das grandes propriedades improdutivas. E o pior: o governo se deu à petulância de contrair um empréstimo externo de US$ 1 bilhão com o Banco Mundial para essa compra, à vista, de terras de latifundiários. Ora, essa é a pior forma de gastar dólares. Poderíamos aplicá-los em máquinas, energia elétrica, construção de escolas e instalação de pequenas agroindústrias no meio rural, que certamente trariam mais benefícios sociais a toda a população do que dar dinheiro a latifundiários.
Agência Folha - Até onde o MST pode ceder?
Stedile -
O objetivo do MST é combater incansavelmente as desigualdades sociais e a pobreza no campo. Achamos que, para resolver essa chaga, o caminho é realizar uma reforma agrária que incorpore a cidadania brasileira às 4,5 milhões de famílias de sem-terra, distribuindo a terra, criando condições para a instalação de agroindústrias cooperativas e garantindo o acesso à educação para todos os camponeses. Manteremos a nossa mobilização até que sejam recompostos os programas de reforma agrária em todos os Estados. Queremos a revalorização do Incra e a recuperação dos orçamentos cortados em razão da ingerência externa. É fundamental que o governo esteja com o povo e rompa com o FMI.
Agência Folha - O MST está disposto a conversar?
Stedile -
O que o movimento mais faz é conversar. O governo é que precisa se dar conta de que os problemas sociais não se resolvem com conversas. Resolvem-se com medidas concretas, que consigam eliminar os problemas que afetam a população.
Agência Folha - Cerca de 5.000 sem-terra e pequenos agricultores invadiram, na última semana, os prédios do Incra e do Ministério da Fazenda em Porto Alegre. Isso ocorreu porque as administrações do governo do Rio Grande do Sul e da capital gaúcha são do PT?
Stedile -
No Rio Grande do Sul, há uma aliança dos sem-terra com o agricultor familiar muito importante para atingirmos nossos objetivos. É claro que há também um governo democrático popular que utiliza esse conceito para a segurança pública. Tanto na ocupação quanto na retirada desses agricultores, mostramos ao Brasil que se pode fazer pressão social e negociação sem a participação da polícia. Essa é uma tese antiga do MST. O que houve em Porto Alegre foi uma demonstração de civilidade.


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