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HISTÓRIA
Microfilmes estão no Arquivo Público do Rio; anotações fundamentaram inquérito que indiciou 74 pessoas em 66
Arquivos guardam cadernetas de Prestes
DA SUCURSAL DO RIO
O relatório do dirigente comunista Jover Telles sobre sua viagem a Cuba foi encontrado pela
Folha num dos dois microfilmes
que guardam o que o historiador
Jacob Gorender qualifica de ""preciosidades": as cadernetas de Luís
Carlos Prestes apreendidas pela
polícia no dia 9 de abril de 1964,
pouco mais de uma semana após
o movimento militar que depôs o
presidente João Goulart .
As cadernetas do então secretário-geral do PCB, chefe legendário dos comunistas brasileiros, foram recolhidas numa casa da Vila
Mariana, em São Paulo, onde a
mulher de Prestes, Maria, morava
com alguns filhos.
Grávida, Maria deixou o prédio
após o golpe. Militantes retiraram
documentos da casa, mas não viram as cadernetas e outros papéis,
que estavam escondidos sob roupas num armário.
Minúcias
Pequenas, vazadas por espiral,
as cadernetas de Prestes revelam
minúcias da vida, de 1961 a 63, de
um partido formalmente clandestino. Nelas, o chefe comunista nomeia -com nomes verdadeiros- centenas de dirigentes e
simpatizantes, informa datas e
endereços, descreve organogramas, empresas de fachada, balancetes, encontros com autoridades
até aquele momento insuspeitas,
audiências como as que o secretário-geral teve com o líder soviético Nikita Khruschov.
As 3.426 páginas das 19 cadernetas foram anexadas aos autos
do processo 271/64 -havia 20 na
casa, uma delas desapareceu- e
fundamentaram um inquérito
que indiciou 74 pessoas e que levou à condenação de 54 na primeira instância da Justiça Militar,
em junho de 1966.
Além de Luís Carlos Prestes,
que foi condenado a 14 anos de
prisão à revelia, figuraram na lista
de réus intelectuais, como o físico
Mário Schemberg, e políticos, como Carlos Mariguella. O historiador Sérgio Buarque de Holanda
foi uma das testemunhas de defesa dos acusados.
Defensores
No time de advogados, cerca de
15, havia estrelas como Sobral
Pinto, Heleno Fragoso (os dois já
mortos) e Modesto da Silveira,
que se notabilizaria nos anos seguintes como um dos mais importantes defensores de presos
políticos do país.
Cúmulo do azar dos comunistas
e sorte da repressão, Prestes escrevia como mestre de caligrafia. Depois do movimento de 1935 conhecido como Intentona Comunista, a polícia do Rio de Janeiro
encontrara numa casa de Ipanema anotações de Prestes que ajudaram a identificar os protagonistas da conspiração.
Os microfilmes descobertos pela Folha estão no Arquivo Público
do Rio de Janeiro. Em mau estado
de conservação, é difícil a sua leitura. No Arquivo Público do Estado de São Paulo, há cópias xerográficas nítidas.
Os dois bancos documentais
herdaram o que sobrou dos arquivos das polícias políticas do regime militar. Os departamentos
que cuidavam da ordem política e
social receberam cópias das cadernetas como contribuição às
suas apurações sobre os adversários dos militares.
Processos
Devido ao grande número de
processos que foram movidos
contra Luís Carlos Prestes, morto
em 1990, o Superior Tribunal Militar não soube confirmar, na sexta-feira, se as cadernetas estão em
seu poder.
O destino provável da caderneta
que sumiu são arquivos militares
secretos. Contemporâneos de
Prestes supõem que elas contêm a
identidade de oficiais da Marinha,
do Exército e da Aeronáutica ligados aos comunistas.
Trinta e sete anos depois da
apreensão, o episódio das cadernetas motiva análises divergentes.
""Ninguém podia imaginar que
Prestes as colecionasse", diz Jacob
Gorender, 78. Em 1964, ele integrava o Comitê Central do PCB,
do qual se afastaria no fim daquela década para fundar o PCBR
(Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário) e aderir à luta armada. Gorender foi condenado a
cinco anos de reclusão no processo das cadernetas, tendo a pena
revogada depois.
No seu clássico ""Combate nas
Trevas", Gorender aponta ""vocação de arquivista" no chefe comunista. ""Ele (Prestes) era um político ingênuo, sem jogo de cintura,
capacidade tática, era imprudente", disse à Folha.
Para o historiador Edgard Carone, professor aposentado da USP
e autor de numerosos livros sobre
o PCB, a posse das cadernetas ""foi
um erro grave". "Não se dá informação que o inimigo possa aproveitar", afirma. Tanto Gorender
como Carone nunca tiveram
acesso à cópia das cadernetas para
suas pesquisas -o que hoje já é
possível.
O advogado Modesto da Silveira, 74, considera as críticas a Prestes ""mais ou menos infundadas".
""As cadernetas foram escritas
num período (1961-63) sem perseguição política. Eram compatíveis com um homem do nível dele, uma espécie de diário com
compromissos, encontros marcados com autoridades em geral, inclusive príncipes da Igreja, cardeais", afirma o advogado.
Modesto diz acreditar que praticamente todos os citados já eram
conhecidos dos órgãos de informação que vigiavam os movimentos sociais e as organizações
de esquerda.
(MÁRIO MAGALHÃES)
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