São Paulo, domingo, 08 de abril de 2001

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HISTÓRIA

Microfilmes estão no Arquivo Público do Rio; anotações fundamentaram inquérito que indiciou 74 pessoas em 66

Arquivos guardam cadernetas de Prestes

DA SUCURSAL DO RIO

O relatório do dirigente comunista Jover Telles sobre sua viagem a Cuba foi encontrado pela Folha num dos dois microfilmes que guardam o que o historiador Jacob Gorender qualifica de ""preciosidades": as cadernetas de Luís Carlos Prestes apreendidas pela polícia no dia 9 de abril de 1964, pouco mais de uma semana após o movimento militar que depôs o presidente João Goulart .
As cadernetas do então secretário-geral do PCB, chefe legendário dos comunistas brasileiros, foram recolhidas numa casa da Vila Mariana, em São Paulo, onde a mulher de Prestes, Maria, morava com alguns filhos.
Grávida, Maria deixou o prédio após o golpe. Militantes retiraram documentos da casa, mas não viram as cadernetas e outros papéis, que estavam escondidos sob roupas num armário.

Minúcias
Pequenas, vazadas por espiral, as cadernetas de Prestes revelam minúcias da vida, de 1961 a 63, de um partido formalmente clandestino. Nelas, o chefe comunista nomeia -com nomes verdadeiros- centenas de dirigentes e simpatizantes, informa datas e endereços, descreve organogramas, empresas de fachada, balancetes, encontros com autoridades até aquele momento insuspeitas, audiências como as que o secretário-geral teve com o líder soviético Nikita Khruschov.
As 3.426 páginas das 19 cadernetas foram anexadas aos autos do processo 271/64 -havia 20 na casa, uma delas desapareceu- e fundamentaram um inquérito que indiciou 74 pessoas e que levou à condenação de 54 na primeira instância da Justiça Militar, em junho de 1966.
Além de Luís Carlos Prestes, que foi condenado a 14 anos de prisão à revelia, figuraram na lista de réus intelectuais, como o físico Mário Schemberg, e políticos, como Carlos Mariguella. O historiador Sérgio Buarque de Holanda foi uma das testemunhas de defesa dos acusados.

Defensores
No time de advogados, cerca de 15, havia estrelas como Sobral Pinto, Heleno Fragoso (os dois já mortos) e Modesto da Silveira, que se notabilizaria nos anos seguintes como um dos mais importantes defensores de presos políticos do país.
Cúmulo do azar dos comunistas e sorte da repressão, Prestes escrevia como mestre de caligrafia. Depois do movimento de 1935 conhecido como Intentona Comunista, a polícia do Rio de Janeiro encontrara numa casa de Ipanema anotações de Prestes que ajudaram a identificar os protagonistas da conspiração.
Os microfilmes descobertos pela Folha estão no Arquivo Público do Rio de Janeiro. Em mau estado de conservação, é difícil a sua leitura. No Arquivo Público do Estado de São Paulo, há cópias xerográficas nítidas.
Os dois bancos documentais herdaram o que sobrou dos arquivos das polícias políticas do regime militar. Os departamentos que cuidavam da ordem política e social receberam cópias das cadernetas como contribuição às suas apurações sobre os adversários dos militares.

Processos
Devido ao grande número de processos que foram movidos contra Luís Carlos Prestes, morto em 1990, o Superior Tribunal Militar não soube confirmar, na sexta-feira, se as cadernetas estão em seu poder.
O destino provável da caderneta que sumiu são arquivos militares secretos. Contemporâneos de Prestes supõem que elas contêm a identidade de oficiais da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ligados aos comunistas.
Trinta e sete anos depois da apreensão, o episódio das cadernetas motiva análises divergentes.
""Ninguém podia imaginar que Prestes as colecionasse", diz Jacob Gorender, 78. Em 1964, ele integrava o Comitê Central do PCB, do qual se afastaria no fim daquela década para fundar o PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário) e aderir à luta armada. Gorender foi condenado a cinco anos de reclusão no processo das cadernetas, tendo a pena revogada depois.
No seu clássico ""Combate nas Trevas", Gorender aponta ""vocação de arquivista" no chefe comunista. ""Ele (Prestes) era um político ingênuo, sem jogo de cintura, capacidade tática, era imprudente", disse à Folha.
Para o historiador Edgard Carone, professor aposentado da USP e autor de numerosos livros sobre o PCB, a posse das cadernetas ""foi um erro grave". "Não se dá informação que o inimigo possa aproveitar", afirma. Tanto Gorender como Carone nunca tiveram acesso à cópia das cadernetas para suas pesquisas -o que hoje já é possível.
O advogado Modesto da Silveira, 74, considera as críticas a Prestes ""mais ou menos infundadas". ""As cadernetas foram escritas num período (1961-63) sem perseguição política. Eram compatíveis com um homem do nível dele, uma espécie de diário com compromissos, encontros marcados com autoridades em geral, inclusive príncipes da Igreja, cardeais", afirma o advogado.
Modesto diz acreditar que praticamente todos os citados já eram conhecidos dos órgãos de informação que vigiavam os movimentos sociais e as organizações de esquerda. (MÁRIO MAGALHÃES)


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