São Paulo, domingo, 08 de abril de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A Light tomou uma santa surra

Desde o final de 1997 o doutor Michel Gaillard, presidente da Light, está com um espinho no pé. Começou a infeccionar. Ele se chama Eliane Alcantara de Oliveira, que tem 36 anos, foi bancária e era dona de uma confecção com 35 trabalhadores, em Caxias. Faturava R$ 100 mil por mês até o dia em que um carro da Light chegou ao seu galpão.
Os funcionários vinham acompanhados por policiais da 61ª DP. Concluíram que a confecção furtava energia da empresa. Interromperam o fornecimento e levaram o gerente para a delegacia, onde ele passou oito horas. Deu-se à diligência um caráter espetacular, com direito a noticiário de rádio e de jornais. No dia seguinte, um perito do Instituto Carlos Éboli examinou o relógio.
A Light pegou pesado. Deixou a confecção sem energia durante o período das vendas de Natal e, verbalmente, um funcionário disse à empresária que a religação da energia custaria R$ 14 mil. Se a acusação fosse procedente, a confecção furtava algo em torno de R$ 120 por mês.
Eliane Alcantara de Oliveira trabalhava desde os 18 anos. Nunca se metera em encrenca. Seu negócio foi para o ralo. Quando a perícia do Instituto Carlos Éboli informou que o relógio da confecção "não apresentava irregularidade que pudesse caracterizar haver ali um furto de energia elétrica", ela resolveu brigar. O inquérito policial foi ao arquivo e ela, à Justiça.
Pediu que a Light religasse a luz, e a juíza Natacha Fontes Machado, em apenas 48 horas, ordenou que a empresa o fizesse. Não foi atendida. A religação demorou mais quatro dias.
A Light voltou a pegar pesado quando cobrou R$ 32 mil na conta da confecção em setembro de 1999. Normalmente, ela girava em torno de R$ 130. A empresária reclamou e disseram-lhe que ocorrera um engano.
Em condições normais de temperatura e pressão, o melhor que dona Eliane podia fazer era botar a viola no saco e começar tudo de novo. Se a Light queria transformá-la em bode expiatório na sua política de repressão aos fraudadores de relógios, paciência. O doutor Gaillard não estava para brincadeira. Meteu-lhe uma ação criminal, por crime de furto.
Com o socorro da advogada Lúcia Goulart, dona Eliane encarou a briga. Seu litígio com a Light já entrou no terceiro ano, produziu três processos e soma perto de 1.500 páginas. Resultou em verdadeira surra.
Na última semana de março a empresária foi absolvida da acusação de furto de energia pelo juiz Fernando Antonio de Almeida, da 3ª Vara Criminal de Duque de Caxias. Ele baseou a sua sentença na mais óbvia das constatações: não pode haver furto se o laudo dos peritos diz que indicações de furto não foram encontradas. Nas suas palavras: "A prova produzida nestes autos não traz a necessária certeza da ocorrência do crime de furto e, muito menos, a certeza de que os réus foram seus autores".
Na véspera, a juíza Natacha condenara a Light a pagar dez salários mínimos por dia em que manteve a energia desligada depois da data em que ela mandou religá-la.
Dona Eliane quer que a Light lhe pague uma indenização por danos materiais e lucros cessantes. No ano passado a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio deu-lhe razão, por unanimidade. Tentado um embargo, a Light foi novamente surrada, também por unanimidade.
A turma do doutor Gaillard foi à confecção de dona Eliane disposta a mostrar à patuléia o que acontece com quem lhe furta energia: o gerente vai para a delegacia, o fornecimento é interrompido, e o delinquente é processado. O laudo dos peritos quebrou a perna da acusação, mas ainda assim a Light persistiu. A essa altura, queria provar outra coisa: quando ela diz que alguém está furtando energia, nem laudo de perito do Estado impede que a vítima se dane. Não deixa de ser uma idéia, mas o episódio mostra que ela se transformou num fator de desmoralização da prepotência que a gerou.
Não é comum que o andar de baixo reaja com a pertinácia da dona Eliane, nem que consiga uma advogada com a obstinação de Lúcia Goulart.
No mínimo, faltou sorte ao doutor Gaillard. É direito da Light brigar pelos seus interesses em todas as instâncias judiciais, mas o que foi rosa agora é espinho. Aquilo que seria um fator de dissuasão para a choldra transformou-se num estímulo para dona Eliane. O ônus que a Light quis jogar em cima da empresária está agora em suas costas. Carrega uma vítima inocentada, perdeu um embargo e tomou uma condenação por não cumprir ordem judicial. Ainda tem chão pela frente, mas o doutor Gaillard vai percorrê-lo com o pé doendo.

Malan é um ótimo candidato

Há exatamente um ano o professor Pedro Malan rebateu a idéia de vir a se candidatar à Presidência da República com a seguinte afirmação:
"A política é uma vocação, exige paixão, dedicação exclusiva e, além disso, votos. Eu não os tenho".
Meses depois atribuiu as notícias de que poderia ser candidato a uma fraudulenta "capacidade mediúnica" de alguns jornalistas. Foi categórico:
"Esse tipo de empreitada demanda uma série de palavras terminadas em "ão", que não tenho: ambição, vocação, paixão, dedicação, o sentimento de predestinação, filiação partidária e votação".
Tudo bem. Política é coisa excêntrica, como se fosse possível ocupar o Ministério da Fazenda sem fazê-la. Jornalistas escrevem bobagens ("capacidade mediúnica" foi apenas uma expressão gentil).
Agora FFHH sustenta que Malan deveria filiar-se ao PSDB, pois seria uma boa aposta como candidato a governador do Rio de Janeiro. Pelos critérios de Malan, FFHH inaugurou o mediunismo presidencial.
Com 20 anos de conhecimento e seis de convivência, ou FFHH não decifrou o professor Malan ou decifrou-o tão bem que é capaz de ver nele "ambição, vocação, paixão" e "dedicação" suficientes para lançá-lo como candidato. A filiação partidária depende apenas de uma canetada, mas não é tudo.
Resta o principal: a "votação". Malan é carioca. Infelizmente, tratando-se de um dos Estados onde FFHH acumula os piores índices de rejeição, a idéia parece ruim. É certamente pior que uma candidatura presidencial.
Malan é um grande candidato a presidente da República. Se essa candidatura acontecer, pela primeira vez em 70 anos a direita terá um candidato civil e sério. É necessária uma ressalva. Classificar Malan como um candidato de direita seria coisa primitiva. Ele é, sem dúvida alguma, o candidato da direita. Pela primeira vez a direita tem um candidato civil, sério e honrado.
Por civil, não carregaria o fardo das vivandeiras que andavam atrás do brigadeiro Eduardo Gomes e dos generais Eurico Dutra e Juarez Távora. Por sério, livraria a direita de carregar embustes, como fez com as desastrosas mistificações de Jânio Quadros e Fernando Collor. FFHH é civil, sério e honrado, mas não saiu da direita. Ela é que foi a ele. Num lance de sorte, viu-se diante do melhor de seus quadros desde 1964, quando tirou o marechal Castello Branco de sua modesta casa de Ipanema.
Chega-se a um saudável possibilidade. A direita vai atrás de Malan, e todo mundo vai à eleição. Contam-se os votos. Se ganhar, governa. Se perder, a direita vai para a oposição, coisa que detesta fazer.

Caixa social

Só não vê quem não quer. O governo montou uma caixa social para o ano que vem. O pagamento da tunga do FGTS começará a ser feito em julho. Com isso, despejam-se algo como R$ 7,8 bilhões na conta de 57 milhões de pessoas. Num cálculo grosseiro, cada um deles receberá, em média, R$ 130.
Afora isso, corrigindo-se a tabela do Imposto de Renda, suspende-se a tunga que vem sendo imposta aos trabalhadores menos abonados e isenta-se cerca de 1,5 milhão de contribuintes trazidos para a malha fiscal por conta de um artifício matemático. Pode-se estimar que a providência deixe no bolso dessas pessoas cerca de R$ 400 a cada ano. Quem ganha R$ 1.500 por mês, com dois dependentes, deixará de pagar cerca de R$ 500.
A ekipekonômica gosta de dizer que ano eleitoral custa dinheiro. Não é verdade. Em ano eleitoral ela apenas tira a mão do bolso da patuléia. Depois, dependendo do resultado, volta a colocá-lo.

Cabeça de prego

É muito divertida a forma de pensar da ekipekonômica. Primeiro ela ampara uma política monetária que patrocina os juros mais altos do mundo para o andar de cima. Quando a choldra reclama, o ministro Pedro Malan diz que os brasileiros não têm a sofisticação financeira dos suecos. Quando o IBGE revela que durante os seis anos de governo de FFHH a distribuição de renda ficou gloriosamente estagnada, surge uma explicação científica: foi uma consequência, entre outras coisas, dos juros altos.
Essa explicação tem a inteligência de um prego. É como dizer que um sujeito se queimou porque entrou num prédio pegando fogo. Faltou dizer que tocaram fogo no andar de baixo e mandaram o de cima para a praia.
Quem botou R$ 1.000 a render juros no dia da posse de FFHH, em 1995, triplicou o seu capital em termos reais. Ganhou 200%.
Quem vive de salário mínimo ganhava R$ 70 por mês naquele mesmo dia. Hoje recebe R$ 180, mas seu ganho real foi de apenas R$ 63 -ou 54%.

Fumaça tucana

O deputado José Aníbal, secretário de Ciência e Tecnologia do governo de São Paulo, está cada vez mais disposto a disputar a presidência do PSDB.
Se os sábios do Planalto tentarem atropelá-lo, correm o risco de uma derrota ou, pelo menos, de uma eleição disputada. Ele racha o tucanato paulista e leva os de Minas Gerais e do Ceará. Desta vez não se poderá dizer que o governador Tasso Jereissati se distraiu.

ENTREVISTA

Jeffrey Lesser

(40 anos, professor de história na Universidade Emory, autor do livro "A Negociação da Identidade Nacional - Imigrantes, Minorias e a Luta pela Etnicidade no Brasil", editado pela Unesp)

O seu livro conta conta o comportamento da elite brasileira diante da imigração vinda de fora da Europa. Lidando com árabes e japoneses ela foi mais ou menos racista que a de outros países?
Em termos de racismo, pode ter sido parecida, mas o Brasil foi específico. Mesmo havendo um discurso racista, a elite dividia-se. Havia uma facção que desejava excluir esses imigrantes, enquanto outra corrente, que também tinha um discurso racista, queria incluí-los. Isso faz com que o racismo deixe de ser um fator preponderante e diferencia o Brasil dos Estados Unidos, do Canadá e da Argentina. Os japoneses, por exemplo, eram vistos ao mesmo tempo como um fator de poluição racial e como um elemento de branqueamento social, por empreendedores. Houve uma visão dos japoneses como um elemento de ordem e progresso, como se o Japão fosse um modelo ideal de sociedade para o Brasil.
A que o sr. atribui a onda racista contra os árabes nos anos 20 e 30?
Ela foi influenciada pela questão da imigração dos assírios do Iraque. A Liga das Nações queria assentar 20 mil famílias assírias que viviam como refugiadas em seu próprio país. Durante o Estado Novo, para melhorar sua imagem, Getúlio Vargas ofereceu-se para abrigar alguns milhares desses assírios no Paraná. Sucedeu-se uma enorme polêmica. Oliveira Viana, por exemplo, chamava-os de "fanáticos muçulmanos". Os assírios eram cristãos, e a idéia fracassou. O grosso da imigração árabe veio para o Brasil sem contratos, por iniciativa própria. Milhares de árabes abrasileiraram-se e voltaram aos seus países. Lembre-se de que havia um bairro em Beirute onde as pessoas se juntavam no correio à espera do resultado do jogo do bicho do Rio de Janeiro.
Num balanço, o sr. acha que o Brasil tornou-se um bom exemplo de aculturação dos imigrantes não europeus?
Acho que sim. Sobretudo nos últimos 15 anos, percebe-se que os descendentes de imigrantes japoneses e árabes são vistos como brasileiros. O multiculturalismo brasileiro é um fato consumado. Nesse sentido, formou-se uma sociedade mais parecida com a americana ou a canadense do que com a francesa ou a alemã. Você passa por um banca de jornais e vê a revista "Japão Aqui" ao lado da revista "Raça Negra". Não pensa que é uma publicação japonesa. É brasileira.

Aviso

Se FFHH tentar impedir a candidatura de Itamar Franco pelo PMDB com os mesmos recursos que usou para esmigalhá-la em 1998, arrisca criar todas as CPIs do varal.
Além disso, poderá patrocinar uma inédita coligação de interesses dos candidatos de oposição.
Com o truque do dólar a R$ 1,20, qualquer mágica política era possível. A R$ 2,15, o negócio é outro.


Texto Anterior: Arquivos guardam cadernetas de Prestes
Próximo Texto: Operação abafa: Verba, cargo e influência convencem a barrar CPI
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.