São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2004

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CAMPO MINADO

Ministro reage a exigência de maior rigor contra sem-terra e diz que a lei não pode valer só para os fazendeiros

Rossetto vê exagero e critica vítima do MST

Sérgio Lima/Folha Imagem
Rossetto, para quem as invasões estão sendo supervalorizadas


ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, reagiu fortemente à pressão para que o governo endureça contra o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). "O que querem? Que eu chame a polícia? Ou o Exército, a Marinha, a Aeronáutica?", disse à Folha.
Na opinião do ministro, que é de uma das alas mais à esquerda do PT, "estão supervalorizando as invasões": "Colocar em risco a democracia e os investimentos? Isso é um exagero, uma bobagem, distorce o sentido histórico de tudo".
A reação de Rossetto tinha um endereço certo: a cobrança feita pelo presidente da Veracel Celulose, Vitor Manoel da Costa, para que o governo tome uma "ação enérgica" contra a invasão de terras particulares e produtivas.
Na segunda-feira, cerca de 2.500 membros do MST invadiram uma propriedade da empresa e derrubaram eucaliptos.
Apesar de a invasão ter sido feita em terras produtivas e de uma multinacional que anunciou investimentos de US$ 1,25 bilhão no país, Rossetto foi mais duro com o presidente da empresa do que com os responsáveis pela ação.
"Eu não sou instituição policial nem judiciária. Isso [a cobrança de Costa] é um exagero absoluto. Esse cidadão, como qualquer outro, tem acesso às instituições para fazer valer seus direitos. Temos que olhar o outro lado da moeda."
Rossetto, 43, ex-vice-governador do Rio Grande do Sul, explicou esse "outro lado": "A lei diz que todo cidadão tem direito a vida, educação, saúde, moradia. Não dá para escolher a lei só para um lado [o dos proprietários]".
O MST já promoveu cerca de 40 invasões apenas no mês de março. Para o ministro, essas ações são "normais numa democracia" e endurecer seria uma volta ao autoritarismo. "O que querem? Um novo Eldorado do Carajás [a morte de pequenos agricultores em 96, no Pará]? Ou recuperar uma ação repressora e autoritária que o Brasil já superou?"
Ele passou toda a terça-feira no Acre com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No avião presidencial, falaram sobre as invasões.
"É óbvio que o presidente está atento, informado e preocupado", disse ele, acrescentando que Lula nunca sugeriu que o governo "caísse de pau" no MST.
A entrevista de Rossetto à Folha evidencia as diferenças de tratamento que o governo Lula tenta dar à questão das invasões. Parte dos ministros, como Roberto Rodrigues (Agricultura), José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci Filho (Fazenda) tenderiam a ser "mais pragmáticos".
De certa forma, eles concordam em tese, nas reuniões internas, com a advertência feita agora pelo presidente da Veracel de que a invasão de terras produtivas (e, no caso, de uma das maiores empresas do ramo no país) pode afugentar investidores e dar a idéia de um governo excessivamente condescendente com excessos.
Para Rossetto, a explicação para posições diferentes é simples: "Há uma franja muito tênue e há quem [empresários e fazendeiros] associe a dinâmica social, política e coletiva à idéia de criminalidade". Além disso, "as pessoas criam um fetiche com as relações entre o MST e o governo, sem entender que há é diálogo, independência, insubordinação".
Então essas invasões são normais? "Claro que não. Mas uma greve também não é normal. Nem as graves desigualdades sociais".
Para ele, já "há uma violência social pesada no campo, e impor uma violência institucional em cima disso não vai ajudar a democracia nem os investimentos".
A questão, portanto, é resultado de uma "polarização ideológica": "Se você é contra isso [endurecer contra o MST], vão dizer que você é a favor da bagunça, da quebra da normalidade democrática. Mas o oposto seria ditadura, e não é por aí".
O ministro foi compreensivo com o MST: "Num ambiente democrático, é natural que se expressem. O sujeito está debaixo de uma lona preta há quatro anos, não tem acesso à escola pública nem a posto de saúde".
Estaria sendo muito condescendente? "Eu não me acho condescendente. Um ambiente de tolerância e respeito não significa concordância".

Mudança de tom
No início da noite de ontem, após a entrevista à Folha, o ministro amenizou o tom em relação às cobranças do presidente da Veracel. Divulgou uma nota na qual rotulou de "inaceitável" a invasão da fazenda da multinacional:
"Acontecimentos como os ocorridos na Bahia, nesta semana, em nada contribuem para o andamento da reforma agrária. São inaceitáveis, na medida em que incidem sobre uma propriedade evidentemente produtiva que, pela Constituição Federal, não pode ser desapropriada".


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