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MAQUIAGEM FISCAL
Governos criam fundos para reduzir base de cálculo da receita
Estados driblam repasse da saúde e dívida com a União
CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Inspirados no pioneirismo do
governador de Mato Grosso do
Sul, José Orcírio, o Zeca do PT,
pelo menos dez Estados do país
estão recorrendo ao "jeitinho brasileiro" para driblar a destinação
obrigatória de recursos para saúde e educação, não repassar parcela do ICMS para municípios e
até reduzir a prestação mensal de
sua dívida com a União.
A forma varia, mas o artifício é o
mesmo: a criação de fundos que
abocanham boa fatia do Imposto
sobre Circulação de Mercadorias
e Serviços (ICMS). A exemplo do
ruidoso caso do Rio, o ICMS devido é transformado em "doação"
para os fundos. Com isso, a receita oficial encolhe. E, com ela, a base sobre a qual se desconta o pagamento da dívida com a União.
Em média, a parcela é de 13%
sobre a receita corrente líquida. A
Bahia, por exemplo, deixa de pagar sobre R$ 500 milhões anuais;
Mato Grosso, R$ 270 milhões;
Mato Grosso do Sul, R$ 285 milhões. E, pela lei aprovada no dia
15 de abril, o Rio poderá poupar
R$ 3,6 bilhões do desconto.
"O Fundo é para combate à pobreza. Não é justo usarmos os recursos para pagar a dívida", argumenta o governador de Alagoas,
Ronaldo Lessa (PDT).
Vice-governador de Pernambuco, José Mendonça Bezerra Filho
(PFL) diz que a Procuradoria do
Estado concluiu que o dinheiro
não deveria ser usado no pagamento da dívida com a União.
"Não é esse o espírito do fundo."
Adesão
A onda é tamanha que, só neste
ano, quatro Estados aderiram à
estratégia: Rio, Alagoas, Rio
Grande do Norte e Santa Catarina. No Rio, as empresas podem
doar até 20% do ICMS que têm a
recolher. Criado em fevereiro, o
Fundo Social, de Santa Catarina,
tem expectativa de arrecadação
de R$ 240 milhões anuais e sofisticada fórmula de composição.
Uma das modalidades prevê
que as empresas doem até 5% do
ICMS devido ao fundo. Em compensação, terão abatimento de
10% da colaboração no imposto
devido. Se uma empresa contribuir com R$ 100 mil, terá desconto de R$ 10 mil de ICMS.
Em Goiás, os incentivos fiscais
são convertidos em doação. Para
manter o direito, as empresas têm
de doar o correspondente a 5% do
benefício para o Protege Goiás.
Administradora do fundo, Marília Vecci diz: "A empresa não abre
mão voluntariamente. Para ter direito ao benefício, a condição é
contribuir para o fundo Protege".
Outra fonte de recurso é a exigência de 1% dos empréstimos
concedidos às empresas para o
Bolsa-Universitária.
Dizendo ter se espelhado em
Mato Grosso do Sul, Marília organiza para o dia 19 reunião com pelo menos nove Estados adeptos
dos fundos, entre eles Sergipe. Segundo ela, o Rio "terá rica experiência a passar". Ela se refere ao
fato de Rio e Bahia terem obtido
no Supremo Tribunal Federal liminar que os livra de pagamento
da dívida sobre receita que integra
o fundo de combate à pobreza.
"O governo federal deu o exemplo. Não distribui recursos", diz o
secretário de Negócios Estratégicos de Mato Grosso, Clóvis Vetoratto. Lá, nenhum centavo do
Fundo de Transporte e Habitação
vai para o pagamento da dívida.
Cobrança da União
A assessoria do Tesouro Nacional não se manifestou. A irritação,
porém, é tanta que seus técnicos
já procuraram o governo de Santa
Catarina para avisar que teriam
de pagar à União. "A nossa conclusão é que não vale a pena [entrar em confronto]. Vamos pagar", afirma Cleverson Swiert, secretário-executivo do fundo.
A conclusão foi tirada depois de
uma briga do governo com o PT
no Tribunal de Justiça do Estado,
que determinou a transferência
de recursos para os municípios e
o repasse de 17% para os outros
Poderes. Para Swiert, só a desvinculação já vale: "Para quem não
tinha nada, 58% [de desvinculação] já é muito bom".
Há muito, os Estados reclamam
das amarras constitucionais, especialmente porque a União tem
20% da arrecadação livres, graças
à Desvinculação das Receitas da
União (DRU). Pela Constituição,
porém, os Estados são obrigados
a destinar 25% de sua receita para
a saúde e 12% para a educação.
"Para a União aprovar a DRU, é
responsabilidade fiscal. Quando
os Estados defendem a DRE, é insensibilidade social. Daqui a pouco, não temos nem combustível
para carro de polícia", alega o secretário de Finanças da Bahia e
coordenador do Confaz, Albérico
Mascarenhas. Como os fundos
não compõem essa receita, os governadores acabaram conquistando a tão sonhada Desvinculação da Receita do Estado, a DRE.
Nem sempre a fórmula consiste
em transformar crédito já existente em doação. Amparados na
emenda constitucional que criou
o programa de combate à pobreza, Alagoas, Ceará e Pernambuco
aumentaram em dois pontos percentuais alíquotas de supérfluos,
bem como de energia, combustíveis e telecomunicações, para a
composição de seus fundos.
Nesses casos, a Constituição libera os Estados da obrigação de
transferir 25% dessa arrecadação
para os municípios, mas não os livra de pagar a dívida, nem da vinculação para saúde e educação.
"O fundo está totalmente isolado do caixa único", alega Marcos
Holanda, que é diretor-geral do
Instituto de Pesquisa Econômica
do Ceará. O argumento é que o
próprio governo asfixiou os Estados com a concentração de receita. E pelo menos um Estado, o Espírito Santo, já tem aprovada a
emenda que permite a adoção do
fundo. A moda promete pegar.
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