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JANIO DE FREITAS
Brasil abaixo
A degringolada só não é
geral, nas chamadas altas
instâncias, porque alguns setores
são pouco visíveis ou mesmo invisíveis à opinião pública. Fica a
impressão, muito útil para evitar
que o desânimo e reações piores
se alastrem, de que as práticas
condenáveis pelo senso comum
têm minado apenas atividades
públicas bem delimitadas -polícia, fiscalizações diversas, compras e concorrências oficiais e, para não faltar com a moda, o tal
"baixo clero" que infesta Congresso, assembléias estaduais e
câmaras municipais.
O governo está sob uma sucessão humilhante de derrotas parlamentares. A adaga já se virou
para a cabeça do ministro de
Coordenação Política, Aldo Rebelo, porque é do uso pegar alguém
para pagar publicamente. Mas,
entre a falta de comando de um
presidente dedicado a eventos
eleitoreiros, de preferência com
bonezinhos, e a inesgotável incompetência política do governo,
são muitas as causas das derrotas
que o aturdem. Qual, então, a primeira iniciativa afinal adotada?
Os planaltinos organizaram um
café da manhã oferecido por Lula
a Severino Cavalcanti. Na mesa,
muito mais do que os sabores nordestinos, estavam cargos da administração pública. Os bijus
eram de graça, os cargos eram para compra e venda. A isso, nos últimos anos, o jornalismo político
brasileiro chama de negociação
política, articulação, composição
da "base", como se houvesse alguma idéia, um projeto de governo,
algum propósito de interesse público justificador de entendimentos. Como não há, o adotado é
evitar as denominações de imoralidade, de corrupção política, de
improbidade pessoal e partidária.
Mudanças os nomes para proteger
a mudança condenável das práticas.
Manchete de um dos nossos
bravos jornais: "Lula cobra agilidade na liberação de verbas". Recebera um aborrecido Gilberto
Gil, cujo ministério está no terceiro ano de pão e água, e determinara uma reunião especial na
equipe econômica para "discutir
a liberação das verbas". Nada
mais do que o invariável jogo de
cena para desviar a opinião pública. A política econômica do governo Lula consiste disso mesmo:
juros e corte de verbas do Orçamento aprovado pelo Congresso.
Reclamar, como fez Gil, seria próprio da opinião pública, se visse
prontamente desnudados os truques que lhe tapam olhos e ouvidos. Uma espécie de censura que
não leva esse nome.
Na sua primeira entrevista coletiva para brasileiros, semana passada, Lula dava como um dos
"três erros" do seu governo "as
obras das rodovias que queria fazer, mas não pude fazer". Queria?
Há rodovias importantes se desfazendo em buracos, acidentes
com vítimas ou com prejuízos
materiais multiplicam-se, o
transporte rodoviário encarece.
Pois bem, o Lula que "não pode
fazer nas rodovias as obras que
queria" não as fez nem faz porque, do R$ 1,1 bilhão para tal fim
deixado ao Ministério dos Transportes (depois do corte grosso),
até o final do mês passado a equipe econômica só liberou 0,5%.
Por extenso: metade de um por
cento, arredondando-se por gentileza.
Severino Cavalcanti, o inevitável, recebeu ontem obuses merecidos pela designação de um deputado favorecido pelo emprego de
parentes na Câmara -deputado
Manato, só isso mesmo, não precisaria de mais- para presidir a
comissão que examinará "o problema do nepotismo". No Supremo Tribunal Federal, o ministro
Gilmar Mendes foi designado relator da medida provisória que
deu a Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, a condição de ministro, com o direito de
foro privilegiado. Gilmar Mendes
foi beneficiado por idêntica providência de Fernando Henrique,
quando ocupava a Advocacia Geral da União. Alguma dúvida sobre o sentido do parecer que deu,
sobre a constitucionalidade, ou
não, da MP beneficiadora de
Henrique Meirelles, a quem a
Procuradoria Geral da República
suspeita de sonegação fiscal e remessa ilegal de dinheiro?
É claro que o privilégio foi confirmado pelo plenário do STF,
com os votos da apelidada "bancada governista" (Nelson Jobim,
Ellen Northfleet, Cesar Peluso,
Joaquim Barbosa e Eros Grau),
mais o inesperado apoio de Celso
de Mello, contra os votos de Carlos Velloso, Carlos Ayres Britto,
Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio Mello. O Brasil tem agora,
portanto, mais uma originalidade: um ministro (do Banco Central) que é subordinado a outro
ministro de idêntico status (o da
Fazenda). A associação de Planalto e STF inventou a hierarquia
dos iguais.
Um dos argumentos do relator
Gilmar Mendes foi de que o foro
especial estava concedido, pela
MP, ao cargo e não à pessoa. Ora,
foi assim porque só poderia ser assim, não havendo como conceder
o privilégio nominal a Henrique
Meirelles. No caso, o privilégio foi
dado ao cargo para ser à pessoa,
posta sob pedido de investigação,
com indícios fortes. Daí o uso de
medida provisória, com seu efeito
urgente, e não o normal projeto
de lei. Mas, convenhamos, a designação do relator, a sua não-declaração de incompatibilidade
para a tarefa, o teor de seu relatório e a decisão dada pela maioria
do Supremo Tribunal Federal cabem muito bem na atualidade
brasileira. Ou cabem muito bem
na modernidade brasileira, para
dessa forma homenagear o também adequado Fernando Henrique Cardoso, que atrasou o país
com os mais altos juros e agora
critica, sem o menor constrangimento de pudor, os juros menos
altos do seu sucedâneo.
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