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NO PLANALTO
Assentados expõem tudo o que o MST deseja esconder
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
É com imenso pesar que aqui
se constata: o MST virou caso de polícia. O Ministério Público receberá nos próximos dias
uma papelada que expõe as vísceras do movimento. O que se vê
nos papéis é a imagem de um organismo em decomposição.
A radiografia das entranhas do
MST foi obtida a partir do depoimento de centenas de pessoas insuspeitas. São trabalhadores humildes, assentados em diferentes
regiões do país. Gente que deve à
ação de líderes como João Pedro
Stedile o acesso à terra.
Ouvidos, os assentados trazem
à tona o retrato de um MST que o
MST tenta esconder da sociedade. Um movimento que vai buscar nas fronteiras da marginalidade o dinheiro que o mantém de
pé.
A documentação contém, por
exemplo, o testemunho de José
Devanzir Ribeiro, integrante do
assentamento 12 de Abril, no município de Birutuna (PR). Ele conta que era um dos líderes naquela
área. Foi destituído porque ousou
discordar de uma norma do
MST: a cobrança de pedágio de
3% sobre o dinheiro que o governo libera para o cultivo da terra.
Segundo Devanzir Ribeiro, o
pedágio serve para "custear viagens e invasões de prédios públicos". Além de achacar os assentados, o MST obriga-os a fazer compras em empresas previamente
selecionadas.
"Os comerciantes, principalmente de alimentação, ferramentas e maquinário, também foram
pressionados a aceitar o esquema
do movimento, sob pena de não
poder vender para os assentados", revela Devanzir Ribeiro. "A
diferença de preços entre os produtos e o verdadeiro preço pago
era muito grande, talvez até superando os 3%, podendo chegar a
20% (...)."
Garimpando-se no monte de
papéis chega-se a outra preciosidade: declarações assinadas por
18 assentados do interior da Bahia. Diz uma delas: "Eu, José Soares de Oliveira, brasileiro, casado,
trabalhador rural, beneficiário
do projeto de assentamento Lagoa Caldeirão (...), declaro para
os fins de direito que o MST (...)
cobra de cada beneficiário deste
projeto os percentuais de 2%, 3%
e 5% de qualquer recurso do Incra (...) Esses percentuais são cobrados na boca do caixa (...), sendo que aqueles que não pagarem
terão seus recursos bloqueados.
Declaro ainda que estou à disposição de qualquer instituição para os esclarecimentos que se fizerem necessários".
As declarações foram redigidas
por um funcionário do Incra, a
pedido dos assentados. Todas têm
o mesmo teor. Trocam-se apenas
os nomes dos signatários e dos assentamentos a que pertencem.
Ouvidos, todos confirmaram a
autenticidade de suas assinaturas.
Colheu-se também, em Mato
Grosso do Sul, o depoimento de
Edivaldo Gomes Carneiro. Ele
disse ter pedido, junto com outros
45 assentados, o desligamento do
MST. Discordaram da cobrança
do pedágio de 3%. Contatados, 15
assentados exibiram notas e recibos que comprovam o recolhimento da comissão, feito inclusive dentro de uma agência do
Banco do Brasil, numa "mesa arrecadadora".
O Incra decidiu sair a campo
depois que a Folha publicou, em
14 de maio, reportagem em que
revelava a engrenagem montada
pelo MST no Paraná, para arrancar dinheiro dos assentados.
A malha de captação do movimento se servia de pessoas remuneradas pelo próprio governo.
Ou, se preferir, pelo contribuinte.
Eram agrônomos e especialistas
de um projeto chamado Lumiar.
Deveriam levar orientação técnica aos assentados. Mas, indicados
pelo próprio MST, converteram-se em agentes do movimento, cujas ordens eram compelidos a seguir.
Em sindicâncias abertas em todo o país, o Incra foi tirar a prova
dos nove. Descobriu que o esquema paranaense se reproduz, debaixo do seu nariz, em praticamente todas as regiões. Os documentos anotam nome e sobrenome dos técnicos envolvidos.
O pessoal do Lumiar tem enorme poder dentro dos assentamentos. Eles são o elo entre o assentado e o dinheiro no banco. Elaboram projetos e atestam o cumprimento dos planos aprovados pelo
Incra. Assinam notas, faturas e
laudos. Sem as suas rubricas, o
banco não libera a verba dos assentados.
Ouça-se o que diz Edvaldo Jacinto dos Santos, ex-agente do
Lumiar no município de Itaquiraí (MS): "(...) A coordenação do
MST ordenava ao técnico que
não emitisse os laudos que possibilitavam ao assentado receber
seus créditos no caso de o assentado não concordar em pagar a taxa de 3% (...) Sabia que, se não seguisse a determinação da coordenação em relação ao laudo, perderia o emprego".
Em Bituruna (PR), dois técnicos
do Lumiar chegavam mesmo a
coletar o dinheiro junto aos assentados. Chamam-se Antônio
Carlos Halinski e Cláudia Cisoto.
Eles também indicavam as empresas nas quais os assentados
deveriam fazer as suas compras.
Depois, recolhiam contribuições
dos proprietários dos estabelecimentos.
Halinski negou-se a depor na
sindicância. Cisoto, porém, falou.
Disse que a contribuição era voluntária. Dezenas de assentados
a desmentem. Reconheceu que
parte do dinheiro foi parar em
sua conta bancária, tendo sido
repassado ao movimento.
Funcionários do Incra visitaram as empresas que, a mando
do MST, os técnicos indicaram
aos assentados. No endereço da
F.S. Engel & Cia Ltda (Rua Alceu
Moreschi, 281 - Quississana, São
José dos Pinhais - PR), não havia uma casa comercial. Encontraram-se duas residências. Numa delas, mora Josemar, que se
apresentou como cunhado de um
dos supostos sócios da firma, Fernando Soares Engel.
Vários assentados afirmam ter
realizado compras junto a um representante da F.S. Engel. Vistadas pelos técnicos do Lumiar, as
notas foram pagas pelo Banco do
Brasil. Mas os equipamentos não
foram entregues.
O assentado Abel Marcos de
Mota disse ter adquirido da F.S.
Engel um alambique e uma carroça. Desembolsou R$ 2.480. Não
recebeu a mercadoria. Evaldo de
Andrade Teixeira comprou e pagou uma carroça. Também não
recebeu. Casos idênticos saltam
da sindicância como pulgas de
cachorro sardento.
Há pior. Como o caso de Noeli
Aparecida de Ramos, também de
Bituruna (PR). De acordo com a
nota número 12.081, da empresa
Clagil, Aparecida comprou 19
chapas do tipo Eternit. A nota
traz a assinatura da assentada.
Uma assinatura que ela jura ser
falsa. Ou seja, alguém comprou
em seu nome um material de que
não precisava e jamais recebeu.
Vistada, a nota foi paga pelo
Banco do Brasil.
Os técnicos do Lumiar são, em
sua maioria, vinculados a cooperativas. Essas, por sua vez, são ligadas a movimentos sociais. A
sindicância do Incra não se ateve
apenas aos casos em que as cooperativas são atreladas ao MST.
Mas só nestes encontrou a prática
da cobrança do pedágio.
O valor do pedágio é variável. O
mais comum é o confisco de 3%.
Em Santa Catarina, porém, cobra-se 4%. No Espírito Santo, a
taxa oscila de 3% a 10%. Em Rondônia, de 2% a 11%.
No Maranhão, obteve-se uma
evidência documental da promiscuidade que liga o MST à contabilidade dos assentamentos. A
Associação dos Produtores Rurais
da Agrovila Sudelândia coletou
dinheiro junto aos assentados e
repassou ao MST, em 1998, R$
7.619,10. A contribuição encontra-se materializada no cheque
número 949.080, do Banco do
Brasil, agência de Açailândia
(MA).
Em São Paulo, a sindicância
ainda não foi concluída. Em outros Estados, tais como Rio Grande do Sul, Amapá e Tocantins,
não se apurou nenhum desvio.
Não se sabe se por ineficiência de
quem apurou ou se porque de fato não existem.
A sindicância mais robusta é a
do Paraná. Foram intimadas a
depor 111 pessoas. O relatório final anota conclusões duras. Por
exemplo: "(...) integrantes (alguns líderes) do MST utilizam-se
de cooperativas aparentemente
constituídas dentro da legalidade
para ocultar seus verdadeiros
propósitos, quais sejam, manter o
controle sobre os trabalhadores
assentados (portanto não mais
sem-terra), para poder extrair
destes o numerário, os recursos, o
dinheiro que precisam (vindos
tanto do suor laboral dos rurículas - já sofridos e miseráveis historicamente-, quanto dos recursos públicos disponibilizados pela
sociedade, representada pelo governo federal ...)". O documento
sustenta que a ação do MST é tipificável no Código Penal.
Como se vê, é cada vez mais forte o cheiro de peixe podre que
exala dos porões do MST. É espantoso que nenhum de seus líderes, sempre tão loquazes, se disponha a vir a público para dizer
meia dúzia de palavras sobre o
tema. Espanta também que o Ministério Público, sempre célere,
ainda não tenha arregaçado as
mangas para apurar fatos já trazidos a público.
O que está em jogo é o futuro de
gente humilde. Alguns, de primeiras letras, são quase indefesos.
Mexe-se também com dinheiro
público. Isso ainda acaba em CPI.
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