São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2000

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ELIO GASPARI

A casa da mãe Joana dos remédios

Nunca é demais repetir o que ensinou o embaixador Rubens Ricupero: na globalização, como em Pernambuco, há os Cavalcantis e os cavalgados. Nos Estados Unidos, como no Brasil, há pessoas que sofrem de distúrbios digestivos, particularmente de hérnia de hiato. Lá, como cá, milhares de pessoas tomaram uma droga chamada cisaprida. Seu nome de fantasia variou. Chama-se Prepulsid, Cisprid, Enteroprid ou Pangest. Na sua virtude científica, a cisaprida serve para regularizar o funcionamento da válvula que une o estômago ao esôfago. Na prática, pareceu funcionar como um estimulante do funcionamento do aparelho digestivo e assim foi recomendada por muitos médicos. Nos Estados Unidos, onde vivem os Cavalcantis, descobriu-se que a cisaprida tinha um efeito colateral. Provocava arritmias cardíacas em alguns usuários. Foi consumido por centenas de milhares de pessoas, mas matou mais de cem. Por conta disso, em março deste ano o laboratório que fabricava o Propulsid (Prepulsid, em Pindorama) tirou a marca do mercado americano. Se isso fosse pouco, o escritório de advocacia Weitz & Luxenburg (www.masstorts.com) está oferecendo os seus serviços para as pessoas prejudicadas interessadas em processar o laboratório. Nos país dos cavalgados, a cisaprida continua sendo vendida (mediante apresentação de receita). Nenhum consumidor foi advertido sobre os riscos que corre ao tomá-la. Pior: não há notícia de médico que tenha sido informado da retirada do Propulsid do mercado americano. Quanto à Vigilância Sanitária, está deitada em berço esplêndido, mais preocupada em azucrinar a vida da propaganda dos laboratórios. Há um argumento a favor da comercialização desse remédio: em alguns casos (pouquíssimos), vale a pena correr o risco do efeito colateral para prevenir a possibilidade de desenvolvimento de coisas mais graves, como um tipo de câncer de esôfago. A discussão ficaria séria se os laboratórios (e a vigilância) informassem apenas o seguinte: "Alô, alô, patuléia, este remédio não pode ser vendido nos Estados Unidos porque provoca arritmias cardíacas e matou pelo menos cem pessoas". Assim, os cavalgados poderiam usufruir algumas das vantagens do Cavalcantis. Afinal, os Cavalcantis ficam com boa parte dos lucros que os laboratórios americanos amealham vendendo aos cavalgados coisas que não vendem na terra de seus acionistas.


A corretora saltou do populismo e não avisou

Está acontecendo uma coisa magnífica no mercado financeiro. Ao contrário do que sucedeu em crises passadas, quando a patuléia levava em torno de dez anos para saber o que tinha acontecido nos bastidores da banca americana, agora os fatos vêm à tona em poucos anos. Acaba de sair em Nova York um livro que conta a história da quebra do fundo Long-Term Capital Management, aquele que tinha dois prêmios Nobel na diretoria e naufragou num buraco de US$ 100 bilhões, no final de 1998. Chama-se "When Genius Failed" (Quando os Gênios falharam), de Rober Lowenstein. Ele revela, entre outras coisas: - O LTCM tinha feito uma aposta milionária no Brasil. - Em setembro de 1998 seus gênios (como os de Brasília) acreditavam que a Rússia não podia quebrar. Por quê? Porque tinha bombas atômicas. (O que uma coisa tinha a ver com a outra, até hoje não se sabe.) - Também em setembro, quando os diretores nativos da corretora Merrill Lynch faziam juras de amor ao populismo cambial, o presidente da corretora, Herb Allison, cobrou de seus colaboradores uma explicação para os financiamentos que vinham dando às operações do LTCM com papéis brasileiros. Um deles respondeu-lhe que só faziam isso porque ele os estimulava. Allison riu e mandou que esse tipo de operação fosse suspensa. Esqueceram de avisar aos brasileiros, porque deste lado do guichê acreditava-se na fé inabalável que a Merrill Lynch tinha na política econômica brasileira.


A ficção da guerra mineira

Legenda: Na montagem, Itamar Franco É de Jan Gerd Schoenfelder, estudante do 4º ano do curso de jornalismo da Universidade Tuiuti, do Paraná, o melhor texto sobre a guerra da Fazenda Córrego da Ponte. O professor pediu-lhe uma reportagem sobre o caso e ele escreveu o seguinte: "Quando a enfermeira Maria de Jesus Garcia, do 5º Batalhão da Polícia Militar de Minas, fechou com os dedos os olhos do governador Itamar Franco, duas balas de AR-15 zuniram nos seus ouvidos, indo cravar-se na parede, a poucos centímetros de sua cabeça. Maria atirou-se para o lado e viu um clarão, seguido de um estrondo e um forte deslocamento de ar. Quase ao mesmo tempo, a pesada porta de mogno do bunker, reforçada com agarras de aço, partiu-se em dois, e fragmentos de caliça e tijolos voaram por todos os lados. Eram 10h43 da manhã do dia 1º de outubro de 2000. As tropas do Exército, comandadas pelo coronel Newton Ducka, haviam rompido a resistência da milícia mineira, prendido os líderes sediciosos e tomado de vez o Palácio da Liberdade. Ao ser levada do gabinete do governador, Maria de Jesus teve tempo de ver o topete de Itamar, chamuscado. Viu também que ele apertara contra o peito a bandeira do Estado: Liberta Quae Sera Tamen. Nos corredores do prédio, o cheiro de pólvora se misturava ao de sangue. Nos jardins, entre barracas de campanha e um carro-forte com as rodas para cima, ainda com a pistola Beta K-22 do exército boliviano nas mãos, estava o corpo de Milton Campos Neto, assessor de Itamar e principal articulador da guerrilha. A poucos quilômetros dali, nas vielas do centro histórico de Belo Horizonte, pelotões do Exército caçavam franco-atiradores e grupos armados do Morro 5. Sua missão era encontrar João Té, chefe do tráfico de pão de queijo e líder das forças da coalizão pró-Itamar, formadas pela linha vermelha da favela do morro e por policiais militares dissidentes dos seus pelotões. Em pouco tempo o cerco foi fechado e João Té morto com uma rajada de metralhadora, ao resistir à prisão. Com ele, morreram seus seguidores e a favela do Morro 5 foi dinamitada. Nunca, na história contemporânea do Brasil, se havia assistido a tanto horror. Nunca tantos sofreram tanto por tão poucos. Essas e outras histórias estão no livro ‘O dia em que Minas se curvou’, do historiador da USP Leonardo Cordeiro Alves. O livro será lançado hoje à noite, na Galeria de Arte Cega, Surda e Muda, durante as solenidades que marcam a passagem de um ano da Revolta Mineira". Informado da existência dessa versão, ainda que fictícia, Itamar declarou-se devedor ao estudante: "Se eu pudesse escolher as circunstâncias da minha morte, essa que ele me atribui seria verdadeira honraria". Itamar continua vivo e em combate. Na quarta-feira encaminhou ao ministro da Justiça um novo arrazoado sobre o caso da fazenda. Nele, como quem não quer nada, menciona que a empresa Agropecuária Córrego da Ponte "tem como sócio-gerente o senhor Jovelino Carvalho Mineiro Filho", lembrando que dela são sócios os filhos de FFHH. Assim, fica-se diante de um símbolo republicano (cuja defesa cabe ao Exército) que não pertence ao presidente, mas aos seus herdeiros. Pertence-lhes, mas na fazenda eles não deixam o suor do rosto. Quem a gerencia é o sr. Carvalho Mineiro. Resta uma pergunta: a partir de que percentagem a participação societária dos filhos de FFHH transforma uma propriedade rural num símbolo do poder republicano?


Covas ao largo

Vão piorar, e muito, as relações do governador Mário Covas com FFHH. Quando Covas começar a soltar as botinas, haverão de acusá-lo de temperamental e turrão. Ele é as duas coisas, mas, em relação a FFHH, comportou-se como um frade franciscano pagando promessa de jejum. Engoliu todos os sapos do mundo, dando trocos irrelevantes.


Novela histórica

Um sobrevivente dos anos 70 informa: a piada segundo a qual o secretário de Estado Henry Kissinger disse ao chanceler Azeredo da Silveira que o prédio do Itamaraty era muito bonito, mas fazia-se necessário colocar lá dentro uma política externa, não é de Kissinger, nem foi dita a Silveira. Ela teria sido dita por Zbigniew Brzezinsky, assessor para assuntos de segurança nacional do presidente Jimmy Carter na sua visita ao Brasil, pouco antes de sua posse na Casa Branca. Silveira não estava na cena. Apenas circunstantes que acompanhavam o professor americano numa visita ao prédio. Faz sentido. Sobretudo porque Brzezinsky tem um senso de humor tosco e agressivo. Na sua eterna rivalidade com Kissinger, pode tê-lo igualado em muitas coisas, mas nunca foi páreo nas frases de espírito.


Rapaz da Revlon

O debate dos candidatos Al Gore e George Bush mostra que, em breve, a marquetagem americana terá um novo ás nas campanhas: o maquiador. Puseram tamanha quantidade de blush no rosto de Gore que ele parecia saído de um filme de Frederico Fellini. No sentido inverso, maquiaram Bush tão mal que ele parecia um dos muitos condenados à morte que mandou para a sala onde aplicam as injeções letais.


Jader respira

Contadas pelo lado do PFL e do PSDB, aumentaram bastante as chances do senador Jader Barbalho vir a ser o próximo presidente do Senado ou, pelo menos, indicar a pessoa que sentará naquela cadeira de couro azul de ante-sala de cabeleireiro. Feliz com o sucesso de Saraminda e mergulhado na redação de suas memórias, o ex-presidente José Sarney gostaria de substituir ACM, mas não parece disposto a conflagrar o PMDB, muito menos a sua vida. Por enquanto, Sarney está mergulhado em duas fontes de inspiração para seu novo livro. Lê as memórias de Gilberto Amado (as melhores de sua geração) e as do professor Henry Kissinger.


Mão piedosa

Há um mistério na eleição de Fortaleza: quem mandou liberar R¹ 70 milhões do BNDES para que o prefeito Juraci Magalhães fizesse uma ofensiva de obras neste ano? Todas as suspeitas caíram sobre o ex-presidente do BNDES Andrea Calabi. Dele, foram imediatamente repassadas para José Serra. Calabi assegura que as duas suposições são falsas. O dinheiro saiu do BNDES quando ele estava na sua presidência, mas o empréstimo lhe foi imposto por gente da ekipekonômica. A imposição, feita a ele, foi transferida ao corpo técnico do banco, que era contra a liberação do dinheiro. Calabi ainda não revelou o nome do hierarca que batalhou pelo PMDB de Fortaleza. Sabe-se que, em pelo menos uma ocasião, www.malan2002.com.br interessou-se pelo caso, mas não se pode assegurar que ele seja o padrinho da operação. Esse mistério não dura mais uma semana. Vale registrar que nada há de irregular na concessão de um empréstimo do BNDES para obras em Fortaleza. Se o dinheiro foi aplicado onde devia, e se o banco vier a recebê-lo de volta, ninguém tem do que reclamar.


Aviso amigo

Bem que o IBGE poderia tentar organizar um calendário de divulgação de estatísticas. Não é coisa fácil, mas pode ser tentada ou, pelo menos, começada. Havendo esse calendário, todo mundo saberia em que dia a instituição divulgará qual estatística. Fazendo assim, evita que se repita o que aconteceu com os números de revisão do PIB. Três dias depois de uma eleição, o IBGE informou que o desempenho da economia no ano passado e no primeiro trimestre deste ano ficou abaixo de suas contas iniciais. Como o governo festeja números bons e esquece os ruins, deixa a instituição numa situação troncha. Afinal, faz tempo que o IBGE merece mais respeito que o governo. Não seria justo alterar essa escrita.


Justa memória

O sucesso da exposição Geyer e o reconhecimento da generosidade do doação feita pelo casal ao Museu Imperial permitem o registro de um ato de filantropia do mesmo porte, hoje praticamente esquecido. Há mais de 50 anos, Alfredo Ferreira Lage, filho do engenheiro Mariano Procópio, doou à cidade de Juiz de Fora sua chácara, sua casa e tudo o que colecionara ao longo da vida. O acervo incluiu magníficas peças de mobiliário e até mesmo os dois uniformes que d. Pedro 2º usou nas cerimônias do seu casamento e de sua coroação. A generosidade de Alfredo Lage ficou esquecida fora dos limites de Minas Gerais, mas deixou um conforto. O museu, que leva o nome de seu pai, é um sucesso de público e de conservação. Assim como se deu no caso de Maria Cecília e Paulo Geyer, Alfredo Lage fez a doação sem pedir qualquer contrapartida.


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