São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2000

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"Eu tenho toda a papelada"

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Gravações feitas pelo FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, identificaram negociadores do dossiê Caribe, papéis sem autenticidade comprovada sobre uma suposta conta secreta do presidente Fernando Henrique Cardoso e de tucanos em paraíso fiscal.
Nas gravações, obtidas pela Folha, José Maria Teixeira Ferraz, empresário brasileiro preso em Miami, relata que ele e seu sócio, Oscar de Barros, também detido na Flórida, guardavam o dossiê em seus escritórios e o negociavam com políticos.
Em dezembro do ano passado, tentavam vendê-lo ao ex-governador Orestes Quércia (PMDB-SP). "O Quércia quer e aquele escroto vem e pede US$ 50 milhões para o Quércia. Puxa! US$ 50 milhões!", diz Ferraz, contrariado com o sócio.
Ferraz e Barros tiveram suas conversas gravadas porque eram investigados pelo FBI numa operação de combate ao narcotráfico que durou dois anos. Foram presos no final de março passado e aguardam o julgamento, previsto para dezembro, no Centro de Detenção Federal de Miami.
Em total segredo de Justiça, as gravações fazem parte do processo contra os dois brasileiros na Flórida. Os outros réus são Nigel Ramsay, Richard Lacy e Jamil Degan (que usa o nome de James Deegan nos Estados Unidos). Os dois últimos já fizeram acordo com o Departamento de Justiça dos EUA de colaboração em troca de redução da pena.
A conversa a respeito do dossiê foi gravada em vídeo em 27 de dezembro de 99. Ferraz conversava com Jamil Degan, um ex-doleiro brasileiro que vive em Nova York e que virou informante do FBI após ter sido gravado relatando suas conexões com traficantes.
Além do dossiê Caribe, outras gravações do FBI, também em poder da Folha, revelam ainda a ligação de Ferraz e de Barros com o narcotráfico e mostram que ambos montaram em Miami uma fábrica de crimes com conexões em Brasília e em São Paulo.
O FBI investiga um esquema que se especializou em lavar dinheiro para políticos brasileiros, em intermediar corrupção empresarial, em falsificar documentos e, nos últimos dois anos, envolveu-se ainda com a cúpula do narcotráfico mexicano. O plano era levar cocaína colombiana para os EUA através do México.
A gravação sobre o dossiê Caribe ocorreu no escritório de Degan, em Nova York. No trecho em que se começa a falar do dossiê, Degan pergunta: "Como estão aquelas coisas no Brasil, com os políticos?". Ferraz responde que "está tudo escondido", mas que "há muitas coisas caminhando, não é que as coisas tenham parado". E passa a xingar Barros, que o aceitou como sócio na Overland Advisory Services, empresa sediada no coração financeiro de Miami, no 18º andar de um edifício na luxuosa avenida Brickell.
"O que parou foi por causa de coisas que poderiam ter sido feitas, este filho da puta (Barros) fez as coisas difíceis. (Inaudível) Procuraram-nos para fazer negócio, e este cara pede uma quantia ultrajante. (Inaudível) Este negócio com o presidente (inaudível)", diz Ferraz, declarando possuir uma cópia do dossiê e que estava disposto a vendê-la para políticos da oposição ao governo FHC por preços mais baixos. "O Quércia não quis nem fazer uma oferta, vá se foder. Cinquenta, não... Mas ainda tenho uma cópia."
Segundo o relato de Ferraz, o deputado federal Marcelo Barbieri (PMDB-SP) foi quem fez o primeiro contato com eles em nome de Quércia, a quem é ligado politicamente. Entre os documentos apreendidos pelo FBI no escritório da Overland, está um cartão de apresentação de Barbieri.
Referindo-se ao dossiê, Degan indaga por que não deu certo a negociação com Quércia. Ferraz ainda demonstra esperança de vender a documentação ao ex-governador, que estaria disposto a pagar de US$ 10 milhões a US$ 12 milhões: "Talvez funcione. O Quércia vem para cá em janeiro (de 2000). Ele não quer Miami, quer um outro lugar, porque Miami já está muito conhecida. Mas o deputado federal, Marcelo, é a mão direita do Quércia. Ele está fazendo uma boa mediação lá. O Quércia estava pronto para comprar. Pagaria até dez, doze paus".
Ferraz lamenta que Quércia não tenha feito uma contra-oferta diante do preço exigido pelo sócio. Degan, o informante do FBI, participou diretamente em 98 de uma negociação frustrada para tentar vender o dossiê ao pedetista Leonel Brizola, então candidato a vice-presidente de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Degan comenta que Barros começou pedindo US$ 2 milhões pela papelada, passou para US$ 10 milhões e, por último, US$ 50 milhões, confirmando outras negociações com adversários políticos dos tucanos.
De acordo com Ferraz, Barros pediu US$ 50 milhões por pensar que ninguém compraria nem se pedisse US$ 2 milhões. No entanto, Ferraz afirma que "Quércia é sério, ele quer comprar". O ex-governador não teria feito contraproposta devido ao preço astronômico. Estaria preparado para dar, no máximo, US$ 12 milhões.
Na gravação, Ferraz afirma que guardou uma cópia do dossiê em outro escritório que tem em Miami e que sua intenção era vendê-la, sem a participação de Barros. "Eu tenho toda a papelada. Aquele merda está no meu escritório."
Fala que recebeu um telefonema de um primo que conversou com Quércia (Ferraz e Barbieri se tratam como primos, apesar de não serem parentes). Ferraz repete que o ex-governador queria continuar a negociar: "Ele está vindo para os Estados Unidos em janeiro (de 2000), mas não quer ir para Miami, nós temos de combinar um outro lugar".
O colaborador do FBI pergunta o que pretende fazer com o dossiê. "Ele vai usar isso porque ele está com o Jader Barbalho (senador do PMDB do Pará). Jader será candidato a presidente, presidente do PMDB", responde Ferraz.
Degan chama Jader de "homem forte". Ferraz emenda, especulando sobre as razões do interesse de Quércia pela papelada: "E, além do Jader, deve ter mais coisa".



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