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"Eu tenho toda a papelada"
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Gravações feitas pelo FBI, a polícia federal dos Estados Unidos,
identificaram negociadores do
dossiê Caribe, papéis sem autenticidade comprovada sobre uma
suposta conta secreta do presidente Fernando Henrique Cardoso e de tucanos em paraíso fiscal.
Nas gravações, obtidas pela Folha, José Maria Teixeira Ferraz,
empresário brasileiro preso em
Miami, relata que ele e seu sócio,
Oscar de Barros, também detido
na Flórida, guardavam o dossiê
em seus escritórios e o negociavam com políticos.
Em dezembro do ano passado,
tentavam vendê-lo ao ex-governador Orestes Quércia (PMDB-SP). "O Quércia quer e aquele escroto vem e pede US$ 50 milhões
para o Quércia. Puxa! US$ 50 milhões!", diz Ferraz, contrariado
com o sócio.
Ferraz e Barros tiveram suas
conversas gravadas porque eram
investigados pelo FBI numa operação de combate ao narcotráfico
que durou dois anos. Foram presos no final de março passado e
aguardam o julgamento, previsto
para dezembro, no Centro de Detenção Federal de Miami.
Em total segredo de Justiça, as
gravações fazem parte do processo contra os dois brasileiros na
Flórida. Os outros réus são Nigel
Ramsay, Richard Lacy e Jamil Degan (que usa o nome de James
Deegan nos Estados Unidos). Os
dois últimos já fizeram acordo
com o Departamento de Justiça
dos EUA de colaboração em troca
de redução da pena.
A conversa a respeito do dossiê
foi gravada em vídeo em 27 de dezembro de 99. Ferraz conversava
com Jamil Degan, um ex-doleiro
brasileiro que vive em Nova York
e que virou informante do FBI
após ter sido gravado relatando
suas conexões com traficantes.
Além do dossiê Caribe, outras
gravações do FBI, também em
poder da Folha, revelam ainda a
ligação de Ferraz e de Barros com
o narcotráfico e mostram que ambos montaram em Miami uma fábrica de crimes com conexões em
Brasília e em São Paulo.
O FBI investiga um esquema
que se especializou em lavar dinheiro para políticos brasileiros,
em intermediar corrupção empresarial, em falsificar documentos e, nos últimos dois anos, envolveu-se ainda com a cúpula do
narcotráfico mexicano. O plano
era levar cocaína colombiana para os EUA através do México.
A gravação sobre o dossiê Caribe ocorreu no escritório de Degan, em Nova York. No trecho em
que se começa a falar do dossiê,
Degan pergunta: "Como estão
aquelas coisas no Brasil, com os
políticos?". Ferraz responde que
"está tudo escondido", mas que
"há muitas coisas caminhando,
não é que as coisas tenham parado". E passa a xingar Barros, que o
aceitou como sócio na Overland
Advisory Services, empresa sediada no coração financeiro de Miami, no 18º andar de um edifício na
luxuosa avenida Brickell.
"O que parou foi por causa de
coisas que poderiam ter sido feitas, este filho da puta (Barros) fez
as coisas difíceis. (Inaudível) Procuraram-nos para fazer negócio, e
este cara pede uma quantia ultrajante. (Inaudível) Este negócio
com o presidente (inaudível)", diz
Ferraz, declarando possuir uma
cópia do dossiê e que estava disposto a vendê-la para políticos da
oposição ao governo FHC por
preços mais baixos. "O Quércia
não quis nem fazer uma oferta, vá
se foder. Cinquenta, não... Mas
ainda tenho uma cópia."
Segundo o relato de Ferraz, o
deputado federal Marcelo Barbieri (PMDB-SP) foi quem fez o primeiro contato com eles em nome
de Quércia, a quem é ligado politicamente. Entre os documentos
apreendidos pelo FBI no escritório da Overland, está um cartão de
apresentação de Barbieri.
Referindo-se ao dossiê, Degan
indaga por que não deu certo a
negociação com Quércia. Ferraz
ainda demonstra esperança de
vender a documentação ao ex-governador, que estaria disposto a
pagar de US$ 10 milhões a US$ 12
milhões: "Talvez funcione. O
Quércia vem para cá em janeiro
(de 2000). Ele não quer Miami,
quer um outro lugar, porque Miami já está muito conhecida. Mas o
deputado federal, Marcelo, é a
mão direita do Quércia. Ele está
fazendo uma boa mediação lá. O
Quércia estava pronto para comprar. Pagaria até dez, doze paus".
Ferraz lamenta que Quércia não
tenha feito uma contra-oferta
diante do preço exigido pelo sócio. Degan, o informante do FBI,
participou diretamente em 98 de
uma negociação frustrada para
tentar vender o dossiê ao pedetista Leonel Brizola, então candidato
a vice-presidente de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT). Degan comenta que Barros começou pedindo
US$ 2 milhões pela papelada, passou para US$ 10 milhões e, por último, US$ 50 milhões, confirmando outras negociações com adversários políticos dos tucanos.
De acordo com Ferraz, Barros
pediu US$ 50 milhões por pensar
que ninguém compraria nem se
pedisse US$ 2 milhões. No entanto, Ferraz afirma que "Quércia é
sério, ele quer comprar". O ex-governador não teria feito contraproposta devido ao preço astronômico. Estaria preparado para
dar, no máximo, US$ 12 milhões.
Na gravação, Ferraz afirma que
guardou uma cópia do dossiê em
outro escritório que tem em Miami e que sua intenção era vendê-la, sem a participação de Barros.
"Eu tenho toda a papelada. Aquele merda está no meu escritório."
Fala que recebeu um telefonema de um primo que conversou
com Quércia (Ferraz e Barbieri se
tratam como primos, apesar de
não serem parentes). Ferraz repete que o ex-governador queria
continuar a negociar: "Ele está
vindo para os Estados Unidos em
janeiro (de 2000), mas não quer ir
para Miami, nós temos de combinar um outro lugar".
O colaborador do FBI pergunta
o que pretende fazer com o dossiê. "Ele vai usar isso porque ele
está com o Jader Barbalho (senador do PMDB do Pará). Jader será
candidato a presidente, presidente do PMDB", responde Ferraz.
Degan chama Jader de "homem
forte". Ferraz emenda, especulando sobre as razões do interesse de
Quércia pela papelada: "E, além
do Jader, deve ter mais coisa".
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