São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

INVESTIGAÇÃO
José Maria Teixeira Ferraz diz que dossiê de 98 é falso e afirma ter um que seria autêntico, mas não apresenta prova

Brasileiro preso nega ter negociado papéis

DE WASHINGTON

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O empresário José Maria Teixeira Ferraz negou, em resposta à Folha por escrito, que ele e o sócio Oscar de Barros tenham envolvimento com o dossiê Caribe. "Não vendemos nenhuma informação e não divulgamos nada", disse.
Nos últimos seis meses, a Folha tentou falar pessoalmente com os empresários brasileiros José Maria Teixeira Ferraz e Oscar de Barros a respeito do dossiê Caribe e de outros fatos investigados pelo FBI, a polícia federal dos EUA, e a Justiça norte-americana. Os contatos, porém, foram feitos por amigos, familiares e advogados.
Nesses contatos, em maio e nos últimos dias, Ferraz sustentou que existem dois dossiês. Pediu que fosse dito à Folha que é falso o dossiê Caribe que se tornou público em 1998 (conjunto de papéis sobre a suposta conta secreta em um paraíso fiscal do presidente Fernando Henrique Cardoso, do ministro da Saúde, José Serra, do governador Mário Covas e de Sérgio Motta, ministro das Comunicações e amigo de FHC que morreu no dia 21 de abril de 98).
Segundo Ferraz, um outro dossiê, que ele afirmou ser autêntico, estaria em poder dele e do sócio. O empresário preso disse que sabe da existência de uma suposta conta que estaria em nome de uma empresa "offshore" (no exterior). Sugeriu que essa empresa e a conta pertenceriam a alguém da cúpula tucana, sem especificar nomes de eventuais proprietários dela. Ele, porém, não mostrou nenhum documento que pudesse provar que diz a verdade.
Em entrevista por escrito, dada em maio, José Maria Teixeira Ferraz afirmou: "Se o governo brasileiro está querendo realmente esclarecer esse caso, faça-o de forma correta. Acuse-nos oficialmente e tudo será esclarecido. Porém, tem de haver uma indenização para o ganhador da ação!"
A Folha insistiu em que ele mostrasse alguma evidência de que sabe de uma suposta conta secreta, mas Ferraz não apresentou nada.
Nos seis meses de investigação, a Folha ouviu a versão de que Oscar de Barros teria recebido de um advogado norte-americano informação a respeito de um negócio de Sérgio Motta. O jornal pediu a Barros e a Ferraz que confirmassem essa versão, mas os dois não se manifestaram.
Por meio do advogado norte-americano Edward Shohat, Oscar de Barros disse que não daria entrevista antes de seu julgamento em 4 de dezembro, pois está preparando sua defesa e não deseja dizer algo que possa atrapalhá-la. Segundo Shohat, as gravações do FBI são "documentos difamatórios" e seu cliente provará inocência na Justiça.

CH,J&T
Nos últimos seis meses, a Folha viajou a Miami e Nova York oito vezes. O jornal esteve uma vez em Nassau, onde está registrada a CH,J&T Inc., empresa que apareceu no dossiê Caribe divulgado em 1998 e que seria de Serra, Covas e Motta.
As letras da companhia significariam nomes de tucanos. O "C" seria de Covas. O "H" seria o nome do meio de Fernando Henrique Cardoso. O "J" seria de José Serra. O "T" seria o segundo nome de Ray Terrence, um suposto diretor da empresa.
A Folha obteve apenas a informação de que a CH,J&T está paralisada por falta de pagamento das taxas de 1999 e de 2000, segundo documento do registro de companhias das Bahamas.
O jornal não obteve prova de que a empresa pertença aos tucanos. A propriedade de uma "offshore" desse tipo não consta da documentação pública nem da empresa especializada na abertura de companhias assim. Em Miami, bons advogados da avenida Brickell abrem uma "offshore" por cerca de US$ 3.000, incluído o primeiro ano de manutenção da empresa. Em paraísos fiscais, cobram-se apenas taxas anuais, que variam de US$ 800 a US$ 1.300, dependendo do local.
Geralmente, a propriedade de uma "offshore" é documentada por uma ação ao portador. Em outros casos, uma "offshore" aberta em outro paraíso fiscal detém a propriedade de uma outra "offshore". Advogados experientes em esconder propriedades dizem que o melhor método é abrir duas ou três empresas em paraísos fiscais distintos, uma pertencendo a outra.
Uma "offshore" é operada por executivos. Algumas companhias desse tipo usam diretores laranjas, que passam uma procuração ao verdadeiro dono. Laranjas ou não, os nomes dos diretores devem ser mantidos em segredo pela empresa encarregada de abrir a "offshore".
No caso do dossiê Caribe, quem abriu a CH,J&T foi a Trident, no dia 19 de janeiro de 1994. No dia 20, foi feito o suposto documento que apontaria os diretores da empresa: Ray Terrence e Sérgio Motta. Esse papel, se verdadeiro, deveria ser mantido em segredo pela Trident. No registro público, consta apenas a informação sobre o estado da empresa, se ativa, inativa ou paralisada.
A Folha apurou que o Banco Central das Bahamas fez uma investigação informal na filial da Trident em Nassau, quando, no final de 1998, veio à tona o papel com o nome de Sérgio Motta e de Ray Terrence.
Teria havido suborno de funcionários da Trident por pessoas interessadas na fabricação do dossiê. Essas pessoas queriam copiar um documento verdadeiro ou saber como falsificar uma declaração dessas.
Um homem que trabalhou na Trident na época disse à Folha, com a condição de não ter o nome revelado, que funcionários da empresa foram demitidos. Nos seis meses de investigação, a Folha ouviu de empresários que tinham negócios com Barros e Ferraz que existiriam dois dossiês.
O primeiro seria o que se tentou divulgar no Brasil às vésperas do segundo turno das eleições de 98 -este seria composto basicamente por papéis falsos.
O segundo dossiê, que nunca teria vindo à tona, contaria com papéis que seriam verdadeiros e que mencionariam uma conta de um tucano ou da cúpula tucana, seja em nome pessoal ou de uma empresa, em um dos paraísos fiscais do Caribe.
Esse segundo dossiê é que teria dado "inspiração" para a fabricação do conjunto de papéis que se tornou público em 98, conferindo-lhe um ar de veracidade.

Planalto
Em 1º de junho, a Folha revelou que o Palácio do Planalto voltara a investigar nos Estados Unidos o caso do dossiê Caribe. O motivo era tentar esclarecer uma suposta ligação empresarial do ex-ministro Sérgio Motta (morto em 21 de abril) com Oscar de Barros e José Maria Teixeira Ferraz.
O governo avaliou ser importante se antecipar a eventuais fatos da vida empresarial dos dois brasileiros que pudessem ter alguma ligação com um tucano (no caso, com Motta). Desde a prisão de Barros e de Ferraz, o Planalto ficou preocupado com a volta do tema ao noticiário. Circulou, reservadamente, a versão de que uma suposta bolada no exterior teria ficado com um cacique tucano, depois da morte de Motta.
Tucanos ligados ao presidente, ouvidos pela Folha com a condição de não terem os nomes publicados, apresentaram uma versão semelhante no caso de surgir uma revelação que incomode o governo: atribuir a Motta a responsabilidade por eventuais sobras de campanhas do PSDB que possam estar em contas no exterior.
Um amigo de Sérgio Motta, em conversa reservada com a Folha, disse que ele, como político, sempre trabalhou em nome de um projeto partidário. Afirmou que, se Motta tivesse aberto uma conta no exterior para arrecadar fundos, função que desenvolvia no PSDB, jamais a colocaria em seu nome ou no de políticos tucanos.
Esse amigo aventou a seguinte hipótese: pessoas de Miami, como Barros e Ferraz, poderiam ter descoberto um negócio de Motta no exterior. Ele era dono da Hidrobrasileira, uma empresa de engenharia que tinha negócios em outros países. A partir daí, pessoas interessadas em prejudicar o governo teriam feito o dossiê.
Com a prisão de Barros e de Ferraz, causou preocupação no governo a investigação do FBI e de parte da mídia brasileira a respeito dos dois. O governo reforçou ainda o canal de comunicação reservado com o governo norte-americano e, por consequência com o FBI, a fim de antecipar eventuais revelações sobre os papéis e as pessoas relacionadas nos dossiês.
Não foi a primeira vez que o Planalto pediu que se investigasse o dossiê Caribe. Além de uma apuração conduzida pela Polícia Federal, que não conseguiu provar a autenticidade ou falsidade da documentação, a Kroll Associates já investigou o assunto.
A Kroll fez suas primeiras diligências após a divulgação do dossiê, no final de 98. Não teria encontrado nada que comprometesse FHC e os demais tucanos.
Segundo a Folha apurou, a primeira vez em que o FBI entrou no caso foi a pedido do governo brasileiro. Em novembro de 98, Paulo Tarso Flecha de Lima, então embaixador do Brasil em Washington e hoje à frente da embaixada em Roma, encontrou-se com Greg Galagher, subdiretor do FBI.
Flecha de Lima foi ao escritório de Galagher, em Washington. O embaixador disse que foi apresentar um pedido em nome do presidente brasileiro: investigar o dossiê e apurar o eventual envolvimento de FHC.
Dois meses depois, Flecha de Lima comentou com diplomatas que Galagher acabara de telefonar e dizer que, após uma intensa investigação, não havia sido comprovada qualquer ligação de FHC com os documentos. Os diplomatas não viram resposta oficial nem obtiveram o relato desse desfecho de outra pessoa que não Flecha de Lima. (MA e KA)


Texto Anterior: "Eu tenho toda a papelada"
Próximo Texto: Empresários foram condenados no Brasil
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.