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INVESTIGAÇÃO
José Maria Teixeira Ferraz diz que dossiê de 98 é falso e afirma ter um que seria autêntico, mas não apresenta prova
Brasileiro preso nega ter negociado papéis
DE WASHINGTON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O empresário José Maria Teixeira Ferraz negou, em resposta à
Folha por escrito, que ele e o sócio
Oscar de Barros tenham envolvimento com o dossiê Caribe. "Não
vendemos nenhuma informação
e não divulgamos nada", disse.
Nos últimos seis meses, a Folha
tentou falar pessoalmente com os
empresários brasileiros José Maria Teixeira Ferraz e Oscar de Barros a respeito do dossiê Caribe e
de outros fatos investigados pelo
FBI, a polícia federal dos EUA, e a
Justiça norte-americana. Os contatos, porém, foram feitos por
amigos, familiares e advogados.
Nesses contatos, em maio e nos
últimos dias, Ferraz sustentou
que existem dois dossiês. Pediu
que fosse dito à Folha que é falso o
dossiê Caribe que se tornou público em 1998 (conjunto de papéis
sobre a suposta conta secreta em
um paraíso fiscal do presidente
Fernando Henrique Cardoso, do
ministro da Saúde, José Serra, do
governador Mário Covas e de Sérgio Motta, ministro das Comunicações e amigo de FHC que morreu no dia 21 de abril de 98).
Segundo Ferraz, um outro dossiê, que ele afirmou ser autêntico,
estaria em poder dele e do sócio.
O empresário preso disse que sabe da existência de uma suposta
conta que estaria em nome de
uma empresa "offshore" (no exterior). Sugeriu que essa empresa e
a conta pertenceriam a alguém da
cúpula tucana, sem especificar
nomes de eventuais proprietários
dela. Ele, porém, não mostrou nenhum documento que pudesse
provar que diz a verdade.
Em entrevista por escrito, dada
em maio, José Maria Teixeira Ferraz afirmou: "Se o governo brasileiro está querendo realmente esclarecer esse caso, faça-o de forma
correta. Acuse-nos oficialmente e
tudo será esclarecido. Porém, tem
de haver uma indenização para o
ganhador da ação!"
A Folha insistiu em que ele
mostrasse alguma evidência de
que sabe de uma suposta conta
secreta, mas Ferraz não apresentou nada.
Nos seis meses de investigação,
a Folha ouviu a versão de que Oscar de Barros teria recebido de um
advogado norte-americano informação a respeito de um negócio
de Sérgio Motta. O jornal pediu a
Barros e a Ferraz que confirmassem essa versão, mas os dois não
se manifestaram.
Por meio do advogado norte-americano Edward Shohat, Oscar
de Barros disse que não daria entrevista antes de seu julgamento
em 4 de dezembro, pois está preparando sua defesa e não deseja
dizer algo que possa atrapalhá-la.
Segundo Shohat, as gravações do
FBI são "documentos difamatórios" e seu cliente provará inocência na Justiça.
CH,J&T
Nos últimos seis meses, a Folha
viajou a Miami e Nova York oito
vezes. O jornal esteve uma vez em
Nassau, onde está registrada a
CH,J&T Inc., empresa que apareceu no dossiê Caribe divulgado
em 1998 e que seria de Serra, Covas e Motta.
As letras da companhia significariam nomes de tucanos. O "C"
seria de Covas. O "H" seria o nome do meio de Fernando Henrique Cardoso. O "J" seria de José
Serra. O "T" seria o segundo nome de Ray Terrence, um suposto
diretor da empresa.
A Folha obteve apenas a informação de que a CH,J&T está paralisada por falta de pagamento
das taxas de 1999 e de 2000, segundo documento do registro de
companhias das Bahamas.
O jornal não obteve prova de
que a empresa pertença aos tucanos. A propriedade de uma "offshore" desse tipo não consta da
documentação pública nem da
empresa especializada na abertura de companhias assim. Em Miami, bons advogados da avenida
Brickell abrem uma "offshore"
por cerca de US$ 3.000, incluído o
primeiro ano de manutenção da
empresa. Em paraísos fiscais, cobram-se apenas taxas anuais, que
variam de US$ 800 a US$ 1.300,
dependendo do local.
Geralmente, a propriedade de
uma "offshore" é documentada
por uma ação ao portador. Em
outros casos, uma "offshore"
aberta em outro paraíso fiscal detém a propriedade de uma outra
"offshore". Advogados experientes em esconder propriedades dizem que o melhor método é abrir
duas ou três empresas em paraísos fiscais distintos, uma pertencendo a outra.
Uma "offshore" é operada por
executivos. Algumas companhias
desse tipo usam diretores laranjas, que passam uma procuração
ao verdadeiro dono. Laranjas ou
não, os nomes dos diretores devem ser mantidos em segredo pela empresa encarregada de abrir a
"offshore".
No caso do dossiê Caribe, quem
abriu a CH,J&T foi a Trident, no
dia 19 de janeiro de 1994. No dia
20, foi feito o suposto documento
que apontaria os diretores da empresa: Ray Terrence e Sérgio Motta. Esse papel, se verdadeiro, deveria ser mantido em segredo pela
Trident. No registro público,
consta apenas a informação sobre
o estado da empresa, se ativa, inativa ou paralisada.
A Folha apurou que o Banco
Central das Bahamas fez uma investigação informal na filial da
Trident em Nassau, quando, no
final de 1998, veio à tona o papel
com o nome de Sérgio Motta e de
Ray Terrence.
Teria havido suborno de funcionários da Trident por pessoas
interessadas na fabricação do
dossiê. Essas pessoas queriam copiar um documento verdadeiro
ou saber como falsificar uma declaração dessas.
Um homem que trabalhou na
Trident na época disse à Folha,
com a condição de não ter o nome
revelado, que funcionários da empresa foram demitidos. Nos seis
meses de investigação, a Folha
ouviu de empresários que tinham
negócios com Barros e Ferraz que
existiriam dois dossiês.
O primeiro seria o que se tentou
divulgar no Brasil às vésperas do
segundo turno das eleições de 98
-este seria composto basicamente por papéis falsos.
O segundo dossiê, que nunca teria vindo à tona, contaria com papéis que seriam verdadeiros e que
mencionariam uma conta de um
tucano ou da cúpula tucana, seja
em nome pessoal ou de uma empresa, em um dos paraísos fiscais
do Caribe.
Esse segundo dossiê é que teria
dado "inspiração" para a fabricação do conjunto de papéis que se
tornou público em 98, conferindo-lhe um ar de veracidade.
Planalto
Em 1º de junho, a Folha revelou
que o Palácio do Planalto voltara a
investigar nos Estados Unidos o
caso do dossiê Caribe. O motivo
era tentar esclarecer uma suposta
ligação empresarial do ex-ministro Sérgio Motta (morto em 21 de
abril) com Oscar de Barros e José
Maria Teixeira Ferraz.
O governo avaliou ser importante se antecipar a eventuais fatos da vida empresarial dos dois
brasileiros que pudessem ter alguma ligação com um tucano (no
caso, com Motta). Desde a prisão
de Barros e de Ferraz, o Planalto
ficou preocupado com a volta do
tema ao noticiário. Circulou, reservadamente, a versão de que
uma suposta bolada no exterior
teria ficado com um cacique tucano, depois da morte de Motta.
Tucanos ligados ao presidente,
ouvidos pela Folha com a condição de não terem os nomes publicados, apresentaram uma versão
semelhante no caso de surgir uma
revelação que incomode o governo: atribuir a Motta a responsabilidade por eventuais sobras de
campanhas do PSDB que possam
estar em contas no exterior.
Um amigo de Sérgio Motta, em
conversa reservada com a Folha,
disse que ele, como político, sempre trabalhou em nome de um
projeto partidário. Afirmou que,
se Motta tivesse aberto uma conta
no exterior para arrecadar fundos, função que desenvolvia no
PSDB, jamais a colocaria em seu
nome ou no de políticos tucanos.
Esse amigo aventou a seguinte
hipótese: pessoas de Miami, como
Barros e Ferraz, poderiam ter descoberto um negócio de Motta no
exterior. Ele era dono da Hidrobrasileira, uma empresa de engenharia que tinha negócios em outros países. A partir daí, pessoas
interessadas em prejudicar o governo teriam feito o dossiê.
Com a prisão de Barros e de Ferraz, causou preocupação no governo a investigação do FBI e de
parte da mídia brasileira a respeito dos dois. O governo reforçou
ainda o canal de comunicação reservado com o governo norte-americano e, por consequência
com o FBI, a fim de antecipar
eventuais revelações sobre os papéis e as pessoas relacionadas nos
dossiês.
Não foi a primeira vez que o Planalto pediu que se investigasse o
dossiê Caribe. Além de uma apuração conduzida pela Polícia Federal, que não conseguiu provar a
autenticidade ou falsidade da documentação, a Kroll Associates já
investigou o assunto.
A Kroll fez suas primeiras diligências após a divulgação do dossiê, no final de 98. Não teria encontrado nada que comprometesse FHC e os demais tucanos.
Segundo a Folha apurou, a primeira vez em que o FBI entrou no
caso foi a pedido do governo brasileiro. Em novembro de 98, Paulo Tarso Flecha de Lima, então
embaixador do Brasil em Washington e hoje à frente da embaixada em Roma, encontrou-se
com Greg Galagher, subdiretor
do FBI.
Flecha de Lima foi ao escritório
de Galagher, em Washington. O
embaixador disse que foi apresentar um pedido em nome do
presidente brasileiro: investigar o
dossiê e apurar o eventual envolvimento de FHC.
Dois meses depois, Flecha de Lima comentou com diplomatas
que Galagher acabara de telefonar
e dizer que, após uma intensa investigação, não havia sido comprovada qualquer ligação de FHC
com os documentos. Os diplomatas não viram resposta oficial nem
obtiveram o relato desse desfecho
de outra pessoa que não Flecha de
Lima.
(MA e KA)
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