São Paulo, sexta-feira, 08 de dezembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SUDAM

Documento diz que autarquia propicia "enriquecimento de pessoas físicas e jurídicas" e pede suspensão de novos projetos

Auditoria aponta fraudes "em alto grau"

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Documento confidencial do governo afirma que a Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) pratica irregularidades em "alto grau", propicia "o enriquecimento de pessoas físicas e jurídicas" à custa do erário, facilita o "desvio de recursos (públicos)", libera novos recursos para empresas "comprovadamente responsáveis pelos desvios" e "retarda a adoção de providências" para tentar reaver o dinheiro malversado. Hoje, a autarquia é ligada ao Ministério da Integração Regional.
O relatório, obtido pela Folha, foi preparado por uma equipe de auditores da Secretaria Federal de Controle, vinculada ao Ministério da Fazenda.
Ficou pronto há 12 dias. Refere-se à contabilidade da Sudam no ano de 1999.
Mas faz menção também a fatos levantados em inspeções anteriores, nos anos de 1997 e 1998.
A auditoria aponta a "ineficiência e a ineficácia" do Finam, o fundo de incentivos fiscais gerido pela Sudam. Recomenda-se que seja suspensa imediatamente a aprovação de novos projetos.
Empreendimentos aprovados no final do ano passado estão repletos de indícios de irregularidades.

552 páginas
O trabalho dos auditores foi esparramado em 552 páginas. Folheando-as, é difícil encontrar uma em que não haja acusação à Sudam.
Na prática, trata-se de uma continuidade da auditoria anterior, finalizada em 18 de junho de 1999.
Juntas, as duas auditagens ocupam 1.136 páginas e compõem o levantamento mais completo já realizado a respeito da ineficácia da política governamental de incentivos fiscais para a região amazônica.
O trabalho dos auditores é minucioso. Vasculharam-se as entranhas da Sudam.
O retrato que salta do calhamaço é o de uma autarquia em adiantado estágio de decomposição.

Exemplos
Abaixo, cinco exemplos de projetos novos com indícios de desvirtuamento. Foram todos aprovados pela Sudam num mesmo dia: 11 de novembro de 1999, numa fase em que a autarquia ainda era presidida por Maurício Vasconcelos, afastado há dias da secretaria executiva do Ministério da Integração Nacional:
1) Agroindustrial Brasil S/A: Fica em Terra Alta, no Pará. A Sudam já liberou R$ 1,3 milhão. A análise da capacidade econômica dos sócios é "insuficiente para garantir uma conclusão segura" do projeto, anotam os auditores. Mais: "A movimentação financeira apresenta indícios de que os recursos vêm sendo utilizados em objetivos diversos da finalidade do projeto".
Empresas contratadas para erigir as obras do empreendimento -EAC Azevedo Engenharia e FBC Comércio e Representações- "não se encontram devidamente regularizadas e qualificadas". Há indícios de que sejam utilizadas "apenas para subcontratar e/ou emitir notas fiscais".
2) Suinasa, Suínos da Amazônia S/A: Fica em Santo Antônio do Tauá, Pará. Foi avaliado em R$ 9 milhões, dos quais R$ 4,5 milhões sairão dos cofres públicos. Desse total, 77,9% (R$ 3,5 milhões) já foram liberados, sem que a contrapartida da empresa fosse comprovada.
Fiscais da Sudam consideraram como investimentos feitos obras não realizadas. Considerou como prontos, por exemplo, 100% dos serviços preliminares, tais como aterramento e compactação. Na verdade, só 10% da obra havia sido feita.
A Sudam aceitou máquinas e equipamentos usados ("sucata", na expressão dos auditores) e levou aos arquivos notas fiscais frias.
3) Propamar Amazônia S/A: Destina-se ao cultivo de cupuaçu, na rodovia Transamazônica, município de Placas, no Pará, ao custo de R$ 10,8 milhões, sendo metade da Sudam.
Imagens de satélite e documentos oficiais indicam que a área destinada ao projeto não fica em Placas, mas em Goianésia (PA), distante 700 km.
Até julho passado, já havia sido liberado R$ 1,3 milhão, sem comprovação da contrapartida da empresa. Há indícios de superfaturamento de insumos.
Análise do solo que fundamentou a aprovação técnica do projeto baseou-se em documento falso. Detectou-se pelo menos uma nota fiscal fria na contabilidade da empresa.
4) Agropecuária e Comércio Ouro Bonito S/A: Fica em Vizeu, no Pará. Destina-se à exploração de mandioca. Foi avaliado em R$ 7,1 milhões. De novo, metade (R$ 3,55 milhões) vem dos cofres públicos. A Sudam já entregou à empresa R$ 1,2 milhão. Está prestes a entregar mais R$ 1 milhão.
Até o momento, não há comprovação de que a empresa tenha pingado a contrapartida exigida por lei.
Uma das notas entregues à Sudam para comprovar foi emitida por Taizo Comércio de Plantas Ltda. Anota supostas despesas de R$ 146.100. Os auditores da Secretaria Federal de Controle tentaram visitar a firma Taizo.
Mas o endereço que consta da nota (av. Barão de Igarapé, 2.308) não existe. A numeração da avenida vai só até 1.600.
5) Agropecuária Virtuosa S/A: voltado ao cultivo e industrialização de café, em Anapu, rodovia Transamazônica, Pará. Avaliado em R$ 12,9 milhões, sorverá dos cofres públicos R$ 6 milhões (46,29% do investimento total). Migrou dos cofres da Sudam para a conta bancária da empresa R$ 1,4 milhão. Não houve comprovação de contrapartida.
A capacidade econômica dos sócios tampouco foi convenientemente avaliada. A Embrapa considerou inconsistentes as perspectivas de produção de café expostas no projeto, aceito integralmente pela Sudam.
O relatório menciona também o caso Usimar, noticiado pela Folha há 15 dias. O projeto foi estimado em R$ 1,8 bilhão, dos quais R$ 690 milhões da Sudam, a maior inversão da década. Segundo os auditores, "a Sudam analisou em apenas três dias úteis o processo".

Projetos antigos
Afora os casos novos, a auditoria da Secretaria Federal de Controle menciona vários projetos antigos. Entre eles os seis pertencentes ao empresário José Osmar Borges, de Mato Grosso: Agropecuária Santa Júlia, Saint Germany Agroindustrial, Moinho Santo Antônio, Pyramid Agropastoril, Pyramid Confecções e Royal Etiquetas.
Conforme já noticiado pela Folha, Osmar Borges é um campeão em matéria de incentivo fiscal: levou mais de R$ 100 milhões da Sudam. As prestações de contas de suas empresas estão apinhadas de documentos inidôneos: contratos falsos, notas calçadas, notas frias etc.
Um exemplo notável: a) A Santa Júlia levou aos arquivos da Sudam nota da Rondomaq Máquinas e Veículos. O documento registra a compra de maquinário ao preço de R$ 486 mil.
Em diligência à empresa, a Receita constatou que a via do talonário registrava valor mais modesto: R$ 26.
Constatou-se que o empresário efetuou depósitos na conta bancária de José Artur Guedes Tourinho, superintendente da Sudam até meados do ano passado.
Tourinho foi afastado da chefia da Sudam porque não conseguiu explicar os depósitos.
Os casos, já mencionados no relatório de auditoria do ano passado, ganharam espaço no novo relatório por uma única razão: a Sudam não moveu uma palha para reaver o dinheiro desviado.
Ao contrário, aprovou no final do ano passado a manutenção de dois empreendimentos de Osmar Borges, ainda com crédito.

Esforços
A inação da Sudam contrasta com os esforços empreendidos para apurar a fraude. O procurador da República Pedro Taques, de Cuiabá, investiga a movimentação de Osmar Borges há pelo menos quatro anos. Três órgãos públicos confirmaram os desvios detectados por Taques: a Receita, a Polícia Federal e a própria Secretaria Federal de Controle.
A auditoria aponta também o imobilismo da Sudam em relação a antigos desvios descobertos no Pará. O caso mais eloquente é o da empresa CMA (Cia. de Mecanização Agrícola), noticiado no último domingo pela Folha.
Trata-se de uma empresa fantasma. Criada em 1978, ela frequentou os arquivos da Sudam por 22 anos, sem levantar a menor suspeita.
A CMA amealhou R$ 12,5 milhões, em valores corrigidos. O projeto só foi cancelado em novembro do ano passado, depois que diligências feitas a pedido do procurador Ubiratan Cazetta constaram a sua inexistência.
Os auditores anotam: "Não foram informadas providências (...) para apurar a responsabilidade dos servidores da Sudam".
A autarquia tampouco "exigiu do empreendimento a devolução" do dinheiro, comprovado mediante apresentação de notas fiscais "calçadas" ou frias. Não fosse pela iniciativa do procurador Cazetta, os sócios de carne e osso que se escondem atrás da CMA talvez não tivessem sido molestados.


Texto Anterior: Justiça: Três acusados por chacina vão a júri popular no Paraná em 2001
Próximo Texto: Arquivos da autarquia não têm controle
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.