UOL

São Paulo, domingo, 09 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NO PLANALTO

Juros à casa-grande e bananas à senzala

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Há anos o Brasil escorrega em direção ao abismo. Para a minoria bem-posta, o país das profundezas é um inferno adiado. Para a maioria malnascida, o precipício chegou faz tempo.
A bugrada assa na grelha. Sente o calor de um Estado quebrado e ingovernável. Na fila do SUS, o sistema público de saúde, a atmosfera é insuportável.
Em junho do ano passado, quando o sonho de continuidade tucana ainda pulsava no comitê eleitoral de Serra, FHC concedeu um reajuste de 196% nas consultas do SUS. Congelado havia seis anos, o valor do atendimento médico do pobre foi a R$ 7,55 -o equivalente a 3,5 kg de banana prata.
Ao trombetear a gentileza, Brasília sonegou uma informação à plebe: o aumento premiaria só a rede privada de hospitais. Nos estabelecimentos públicos, o encontro do miserável com o médico continuaria valendo R$ 2,55 -1 kg de banana.
O afago aos hospitais particulares custará R$ 163 milhões ao orçamento anual do Ministério da Saúde. Eleito, Lula mandou orçar a extensão do reajuste de consultas à rede pública. Custaria R$ 490 milhões por ano. O plano foi à gaveta. Na escrituração restritiva de Palan (mistura de Palocci com Malan) não há sobras nem para bananas.
Responsáveis por 70% das consultas médicas da ralé, os hospitais públicos recebiam mais dinheiro do governo do que os privados. Em junho, mês em que o reajuste meia-sola de FHC foi anunciado, a rede estatal amealhou repasses de R$ 15 milhões, contra R$ 8 milhões entregues aos particulares, que respondem por escassos 30% dos atendimentos do SUS.
Em agosto de 2002, a coisa se inverteu: foram R$ 16,6 milhões para os hospitais privados e R$ 15,2 milhões para os públicos. Os números apontam para um futuro rude. Em queda livre, o sistema estatal de saúde está na bica de tatear o fundo do despenhadeiro.
Em lugares como Brasília, a penúria juntou-se à inépcia. Deu-se o caos. Sob Joaquim Roriz, a saúde na capital ultrapassou o fundo do abismo. Há falta generalizada de medicamentos. O pobre, quando resiste à fila da consulta, não sobrevive à espera pelo remédio. Morre de corredor.
É o caso de Andréia Cristiana de Urany. Padecia uma fibrose cística. Tratava-se no Hospital de Base. Faltou-lhe o remédio. Morreu em outubro de 2002. Junto com a cova, abriu-se um inquérito policial.
Ainda em outubro, Júlio César Brasil Ferreira perdeu a mãe no mesmo hospital. Guerreava com um câncer. Feneceu à falta de medicamentos quimioterápicos.
Também às voltas com um câncer, Valdirene de Jesus Rocha Matos foi buscar na Justiça o remédio que o hospital lhe sonegava. Obteve sentença favorável em 10 de outubro de 2002. E nada do medicamento. Virou estatística. Juntou-se aos mortos.
Graças ao Ministério Público, descobriu-se desvio de R$ 117 milhões do orçamento da saúde brasiliense. Parte do dinheiro foi enterrado em obras. Ajudou, por exemplo, a erigir uma ponte ligando o abastado Lago Sul às cercanias do Palácio do Planalto.
Em 12 de fevereiro de 2003, a Secretaria de Saúde de Brasília mantinha R$ 34,4 milhões numa aplicação financeira do Banco do Brasil. Sob Lula, segue o paradoxo. O Estado sonega bananas à senzala do SUS. Mas continua oferecendo o conforto dos juros à casa-grande dos fundos DI.



Texto Anterior: ACM afirma ser vítima da mídia e nega acusação
Próximo Texto: Crime organizado: Constrangido, STJ tenta afastar juiz suspeito
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.