São Paulo, domingo, 09 de abril de 2000


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CELSO PINTO

Os riscos do novo gradualismo

E se o soluço da "nova economia" americana tivesse se transformado, ou ainda vier a se transformar, numa tempestade?
Para o governo, mesmo num cenário de crise internacional, o risco seria pequeno para o Brasil graças ao câmbio flutuante e à melhora nos fundamentos da economia. Nem todo mundo concorda.
O economista Francisco Pinto, diretor do Banco Central na época da formulação do Plano Real, hoje presidente do BBA-Capital Icatu, acha que o país continua vulnerável a uma turbulência externa maior, como um colapso na Bolsa americana. Por uma razão, ironicamente, parecida com a do Brasil do câmbio controlado: o gradualismo no ajuste externo.
Note-se que ele, ao contrário de outros críticos da política econômica atual, não é um saudosista do câmbio controlado. Ao contrário, ele se convenceu da inviabilidade da política cambial anterior muitos meses antes do colapso e acha que o câmbio flutuante é uma saída inteligente.
O problema, a seu ver, é que o sistema atual é uma espécie de "câmbio flutuante heterodoxo", ou "câmbio controlado volátil". Não em razão de intervenções pontuais do BC no mercado, comprando ou vendendo dólares, o que considera legítimo. O motivo é outro: os US$ 50 bilhões de títulos do governo indexados ao dólar ainda existentes.
Esse estoque de papéis cambiais exerceria, hoje, um papel parecido ao do gigantesco volume de reservas quando o câmbio era controlado. Quer dizer, ajuda, no fundo, a defender uma certa cotação do dólar.
É verdade que os títulos, apesar de indexados ao dólar, são liquidados em reais. Quem compra esses papéis, contudo, está tentando se proteger contra desvalorizações cambiais. Ele aceita o argumento que se todos tentarem converter esses papéis em dólares a cotação do real vai disparar, reduzindo o volume possível de dólares a remeter. A pressão desestabilizadora, de todo modo, aconteceria.
O teste para saber se o estoque de papéis cambiais é mesmo relevante é imaginar o que aconteceria se o BC liquidasse tudo. Ele está convencido de que a demanda por proteção ("hedge") cambial seria transferida para o dólar ou outros ativos dolarizados, forçando uma desvalorização maior. Se isso é verdade, então o real está, de alguma forma, supervalorizado.
E isso é ruim? Não, dentro de uma perspectiva de ajuste externo gradual, que é a perspectiva do governo. Ao contrário da Ásia, que passou de déficits externos enormes para superávits (de US$ 25 bilhões, no caso do Coréia), o Brasil saiu da crise com um déficit externo ainda expressivo (US$ 23 bilhões estimados este ano, ou uns 3,5% a 4% do PIB).
A vantagem do gradualismo é que o custo da crise cambial foi muito menor do que na Ásia, onde houve uma recessão brutal. A desvantagem, diz ele, é que mantém o país ainda vulnerável a uma crise externa durante alguns anos. Não só o déficit externo é elevado, mas há uma rigidez no pagamento de serviços (juros, dividendos etc.). É uma conta superior a US$ 25 bilhões ao ano e que não tende a diminuir, alimentada por um estoque crescente de investimentos diretos.
A perspectiva do governo é que, em dois ou três anos, o ajuste poderá melhorar. Se: 1) a balança comercial gerar saldos crescentes; 2) não houver crise externa séria; e 3) houver disposição política para continuar gerando superávits fiscais primários da ordem de 2,5% a 3% do PIB por vários anos.
Existiria outra alternativa? Sim, se o estoque de papel cambial sumisse, o câmbio superaria R$ 2,00 por dólar mas, em compensação, os juros reais poderiam cair para uns 3%, calcula. Não dá para ter apenas a metade boa da equação, ou seja, reduzir os juros mais rapidamente sem aceitar, em contrapartida, uma desvalorização também maior.
A vantagem é que, com os juros despencando, o ajuste fiscal seria muito mais rápido e radical. O estoque da dívida pública cairia rapidamente a um nível sustentável sem exigir a geração de superávits primários expressivos durante muitos anos. Manter esses superávits, em qualquer cenário, é politicamente complicado.
Haveria duas desvantagens. A primeira é que uma desvalorização mais forte teria algum impacto inflacionário. Ele argumenta que, com a perspectiva de um ajuste fiscal forte e com os outros fundamentos sob controle, haveria como absorver o impacto inflacionário como um choque único, não permanente.
A outra desvantagem é que um arranjo de política econômica como esse seria incompatível com a manutenção do sistema atual de metas inflacionárias. Até porque o principal instrumento do BC para controlar a inflação, nesse sistema, é poder elevar os juros.
Em suma, aceitar as sugestões de Francisco Pinto significaria trocar um sistema que está funcionando bem, mas embute um gradualismo que pode ser perigoso, por outro que geraria um ajuste externo e fiscal mais rápido, mas criaria novas incertezas. Enquanto o mundo estiver em paz, a mudança parece um risco desnecessário. Quando um tombo na Nasdaq faz os mercados voltarem a sentir um frio na espinha, a discussão soa mais relevante.


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