São Paulo, domingo, 9 de agosto de 1998

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JANIO DE FREITAS
O erro sem remédio

Quem seguir as recomendações do Ministério da Saúde para identificar remédios falsos, agora distribuídas em suplementos especiais e 8 milhões de cartilhas, corre o risco de não comprar o medicamento certo e autêntico. Por encontrar nele os indícios que o ensinamento oficial dá como provas de falsificação.
Antes de brigar com o balconista e de chamar um dos postos da Vigilância Sanitária indicados nas cartilhas, ao consumidor convém saber que grande quantidade de remédios não adota, nas embalagens, as comprovações de sua legitimidade exigidas por lei. Os fabricantes desses remédios foram dispensados de adotá-las. Pelo mesmo Ministério da Saúde que recomenda procurá-las nas embalagens e, se não encontradas, denunciar e pedir a prisão do vendedor.
A coincidência entre os números de lote inscritos na caixa e no recipiente do remédio, dada como principal verificação de autenticidade, tornou-se objeto de inúmeras exceções concedidas pelo Ministério da Saúde, em atos de duvidosa legalidade. Mesmo quando o descumprimento é decorrente da adoção, pelo fabricante, de normas internacionais, que o governo brasileiro não adotou nem em suas medidas mais recentes.
E tampouco o fará nas vindouras, ao que se deduz das novas providências que o ministério prepara em favor da autenticidade dos remédios e contra o consumidor dos remédios. Informa a assessoria de comunicação de José Serra, sobre um pacote vindouro: "Todas as embalagens de medicamentos deverão trazer um selo holográfico (em relevo e com brilho especial)", atestando a autenticidade.
Quem pagará os custos dos laboratórios com o selo sofisticado? Será o mesmo cidadão que paga para que o Ministério da Saúde tenha dispositivos de fiscalização, como a Vigilância Sanitária e tantos outros, que dispensem o consumidor do papel de fiscal e de mais gastos com preços ainda mais altos.
Se permitido o exagero inevitável na generalização, os laboratórios farmacêuticos, no Brasil, merecem tanto crédito de confiança quanto os remédios falsificados. Mas seu protesto contra o selo modernoso tem razão de ser. Mesmo que não se subscreva sua estimativa de aumento dos custos.
Custos citados levam a preços, e preços levam a um problema até mais grave que a falsificação. A quantidade de remédios comprovadamente falsificados, em relação ao total produzido, é insignificante. Por tristes que sejam, também suas consequências não se comparam às de desgraças causadas pelos preços que tornam os remédios inacessíveis a multidões, assim condenadas ao sofrimento e à morte antecipada.
Os remédios brasileiros são dos mais caros do mundo, quaisquer que sejam o método e a moeda de comparação. Mesmo que a confrontação seja só de preço contra preço, sem considerar a importante diferença entre o poder aquisitivo do povão brasileiro e nos outros países da comparação (ainda que seja o pobre Paraguai).
A falsificação, se o governo quiser, não resiste a um trabalho fiscalizador honesto. Já quanto aos preços, é certo que o governo nada quer. Ou os remédios, há muito já situados entre os mais caros do mundo, não teriam subido, só nestes anos do desinflacionado Plano Real, mais escandalosos 300%.



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