São Paulo, domingo, 9 de agosto de 1998

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DESAPARECIDOS
Família de Wlademiro Jorge Filho foi indenizada por comissão
"Morto' no regime militar aparece vivo em São Paulo

EMANUEL NERI
da Reportagem Local

Vinte e nove anos depois de abandonar a família e ter sido considerado morto pelo regime militar, fato que levou sua família a ser indenizada pelo governo, o aposentado Wlademiro Jorge Filho, 60, está vivo e mora em São Paulo.
Suspeito à época de ser guerrilheiro, Wlademiro desapareceu em fevereiro de 69, dois anos após ter abandonado o emprego na Rede Ferroviária Federal, no Rio. A partir daí, começa o mistério em torno de sua vida. Para amigos, ele entrou na clandestinidade e morreu sob tortura ao ser preso.
Por causa disso, em 1982, sua família obteve por via judicial uma declaração de ausência, reconhecida em um cartório de Campos (RJ), sua cidade. Em 1996, os parentes obtiveram indenização da Comissão dos Mortos e Desaparecidos do regime militar (64-85).
Sexta-feira à noite, em seu apartamento do bairro de Santo Amaro, zona sul de São Paulo, Wlademiro reconheceu que abandonou a família, que trabalhou como ferroviário, mas negou sua atividade política. "Não sou morto-vivo."

Polícia investiga
A indenização pela suposta morte de Wlademiro foi aprovada por unanimidade pelos sete membros da comissão do governo que analisa esses casos.
Sua família -o filho, Uelinton, e a mulher, Maria José -recebeu R$ 100 mil, gastou todo o dinheiro e agora não sabe como ressarcir os cofres públicos.
Criada pela lei 9.140, de 1995, a comissão que indeniza familiares de mortos do regime militar pediu na última quinta-feira que a Polícia Federal abra inquérito para apurar se houve ou não má-fé da família ao requerer a aposentadoria. Se não houve má-fé, não há obrigação de devolver o dinheiro.
O relatório propondo a indenização da família de Wlademiro foi apresentado pelo deputado Nilmário Miranda (PT-MG), membro da comissão. Várias pessoas disseram conhecer Wlademiro.
Herval Aroeira, ex-dirigente do Sindicato dos Ferroviários da Leopoldina, no Rio, diz ter convivido "sindical (sic) e politicamente com Wlademiro Jorge Filho, o "Miro', até abril de 1964", diz. Outro depoimento é de Berenício Pessoa, ex-líder ferroviário.
Berenício contou que Wlademiro participara de greves e passeatas contra os militares e deu um detalhe físico do ex-ferroviário -por ter um defeito na planilha do pé, era chamado pelos companheiros de "Pé-de-pombo".
Outra informação era a de que Wlademiro havia participado da guerrilha de Caparaó, organizada em Minas por um grupo conhecido por Movimento Nacionalista Revolucionário em 1966.
"Conheci o cidadão brasileiro, patriota e revolucionário destemido Wlademiro Jorge Filho, tanto pelo nome próprio como pelos nomes de guerra "Miro' e "Pé-de-pombo", diz Amadeu da Luz Ferreira, ativista de Caparaó.
Amadeu contou que ficou sabendo da prisão de Wlademiro em 1969, quando também estava preso. "Posteriormente, soube por outros presos políticos que o companheiro Wlademiro não havia resistido à tortura e teria falecido."
O mistério em torno de Wlademiro começou a ser desfeito este ano quando seu filho procurou a Previdência Social para solicitar pensão para a sua mãe. Ficou sabendo que seu pai estava vivo, mora com outra mulher em São Paulo e que já está aposentado.
Depois de conhecer o pai em seu apartamento de São Paulo, há 20 dias, o filho de Wlademiro comunicou o equívoco à comissão que indenizara sua família. "Acho que não houve má-fé, pois assim ele não nos avisaria", diz Suzana Lisboa, integrante da comissão.
Luís Francisco Carvalho Filho, outro membro da comissão, entende que pode ter havido engano na avaliação do caso.
"O erro era uma hipótese prevista na lei. Isso não desmerece o trabalho da comissão", afirma. "A polícia tem que apurar o caso com bastante rigor."
Responsável pelo processo de indenização pela "morte" de Wlademiro, o deputado Nilmário Miranda acha que o ex-ferroviário "está mentindo" ao dizer que não participou de atividade política.



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