São Paulo, domingo, 9 de agosto de 1998

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COMENTÁRIO
Lições de um professor encantado

LUIZ CAVERSAN
Diretor da Sucursal do Rio

Qual foi a última vez em que você ouviu falar em solidariedade?
Quando alguém o lembrou, firmemente, que, sim, você pode fazer alguma coisa, de sua própria iniciativa, para ajudar os que nada têm e, assim, contribuir para amainar um pouquinho a miséria deste país?
Provavelmente faz tempo.
Pois é, depois da morte do Herbert de Souza, o Betinho, há um ano, solidariedade, cidadania, trabalho voluntário, ajuda aos desfavorecidos pela sorte, esses termos todos que servem para lembrar que o ser humano, quando quer, sabe abrir o coração, tornaram-se escassos.
Antes não era assim. Betinho estava sempre em algum lugar dando seu recado. Doente, frágil como um passarinho, ele mantinha sua voz e sua imagem -numa revista, num programa de TV, em cartazes, num artigo de jornal ou seja lá onde pudesse deixar seu recado- a serviço da causa que defendeu como ninguém neste país em toda sua história: cidadania e solidariedade contra a fome.
Era um ícone carismático: o que ele dizia contagiava as pessoas. Fazia com que elas fossem à luta, se mobilizassem e se sentissem verdadeiramente úteis.
Militante político, exilado, crítico da direita e exigentíssimo com a esquerda, Betinho tinha a bondade dos que amam seu semelhante de maneira autêntica, quase messiânica.
Em diversas conversas com ele foi possível constatar como essa bondade transbordava para o brilho dos olhos e para o sorriso largo todas as vezes que ele tentava convencer que sempre é possível fazer alguma coisa para melhorar a vida de um semelhante que está na pior.
Contra programas de governo inócuos, ele tinha palavras duras: a fome não sabe esperar, dizia.
Contra a inércia das pessoas, era paciente e didático: organizem-se, em casa, na rua, no bairro, que as coisas passam a acontecer normalmente, garantia.
Ensinou, nos breves anos de sua militância social, como é possível, agradável e necessário dividir, seja um bem material ou apenas um pouco de carinho e afeto.
Quanto tempo faz que você não ouve falar disso?



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