São Paulo, segunda-feira, 09 de setembro de 2002

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MEMÓRIA

Em entrevista à Folha em fevereiro, cardeal afirmou que considerava divórcio "anti-humano e devastador"

D. Lucas defendia manutenção da doutrina

PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO

O cardeal mineiro d. Lucas Moreira Neves, 76, passou boa parte dos dois últimos anos em seu apartamento diante da praça São Pedro, no Vaticano, com sessões de diálise constantes. Apesar do diabetes e da saúde cada vez mais frágil, estava totalmente lúcido quando concedeu uma entrevista à Folha em fevereiro passado. Recordou todos os nomes dos presidentes e dos secretários-gerais em 50 anos de CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), que presidiu de 1995 a 1998.
D. Lucas manteve-se convicto de suas posições -alvo de críticas de progressistas- contra o divórcio e o controle artificial da natalidade, por exemplo. "A igreja não deve fazer concessões no conteúdo. Como o papa destacou recentemente, o divórcio é anti-humano, é devastador. Ele disse isso a juízes e advogados. Suas posições provocam inconformismo em alguns, sobretudo os políticos, mas ele não faz concessões".
Uma pesquisa recém-divulgada indicava que 87,5% dos italianos rejeitavam a proibição do divórcio. Para ele, isso mostrava que "a igreja precisa mudar a forma de transmitir seus princípios. Mas jamais alterá-los. A igreja deve modernizar a forma como transmite a mensagem, sem alterar a doutrina, a norma, o conteúdo".
Sobre as novas tecnologias, disse que "são bem-vindas para a pregação do Evangelho. O papa fez questão de enviar uma encíclica à Austrália por e-mail". A respeito da missão da igreja, acreditava que "a principal é religiosa, criar comunhão de fé, amizade, ação pastoral".

Confiança
Homem de confiança do papa João Paulo 2º, d. Lucas foi prefeito da Congregação para os Bispos do Vaticano (quarto posto em importância na Cúria Romana) entre 1998 e 2000. Mantinha encontros semanais com o líder católico "até sua saúde piorar a ponto de ele renunciar ao cargo e deixar a disputa pelo trono de são Pedro. Até então, ele sempre foi o grande candidato brasileiro à sucessão ", disse o vaticanista Giancarlo Zizola. Em seu livro "Il Sucessore" (o sucessor), Zizola o considerava o quarto "papável", atrás de três cardeais italianos.
Desconversava quando lhe diziam que, por anos, foi o candidato "natural" brasileiro à sucessão, devido sobretudo à posição conservadora, que o aproximava de João Paulo 2º -a quem não poupava elogios. Sobre as considerações de que o próximo papa poderia ser um brasileiro, disse que "tudo é possível, até um latino-americano, um brasileiro", mas, na opinião dele, "seria até um desdouro [..." falar em um novo papa enquanto está vivo o atual".
Em fevereiro, elogiou a posição conciliatória do papa em relação a outras denominações cristãs e a outras religiões. Em 24 de janeiro, o papa havia promovido um dos maiores encontros inter-religiosos da história, em Assis (cidade natal de são Francisco). "É necessário reconhecer que a igreja também precisa do perdão alheio."
Sobre as alegações de que, sob a liderança de João Paulo 2º, a igreja experimentou um retrocesso, após os avanços do Concílio Vaticano 2º, d. Lucas disse que o papa "foi um bispo do concílio. Graças a ele e a outros fatores, hoje se conhece muito melhor o concílio".
Quando conversou com a Folha, falou pausadamente, com menos dificuldade do que em encontros anteriores, e interrompeu a entrevista brevemente por algumas vezes. Após uma hora e meia, às 18h, despediu-se para orar com um padre visitante em um cômodo reservado à oração.



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