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ENTREVISTA DA 2ª
Segundo o sociólogo Ignacio Cano, tática do confronto não encontra apoio em áreas de risco
"Violência contra crime opõe interesses"
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
Especialista no cotidiano de violência nas metrópoles brasileiras,
o sociólogo Ignacio Cano, 40, afirma que os candidatos que pregam
o confronto como meio principal
de combate à criminalidade encontram eco nas pessoas que não
moram em áreas onde o conflito
vai acontecer. "Ninguém que mora em área de risco defende o tiroteio como solução, porque pode
ser atingido. Esses confrontos
também colocam os policiais sob
maior risco e, na medida em que
passam para os bandidos a mensagem de que eles vão ser mortos
de qualquer jeito, também estimulam uma criminalidade cada
vez mais ousada", afirma.
A curto prazo, Cano afirma que
as medidas mais adequadas para
reduzir a violência são o controle
de armas e a integração das polícias em forças-tarefa dedicadas à
investigação de focos do crime organizado. A longo prazo, os programas sociais funcionam, mas é
preciso que sua eficácia seja avaliada de maneira independente, o
que não acontece hoje.
O sociólogo espanhol, radicado
no Brasil desde 1996, está lançando o livro "Introdução à Avaliação de Programas Sociais" (Editora FGV), que analisa os recursos
metodológicos disponíveis para
que seja preenchida essa lacuna.
"Sem avaliação, o cidadão perde o
controle, a sociedade perde a possibilidade de direcionar recursos
de forma eficiente", disse, em entrevista à Folha.
Folha - Como avaliar a eficácia de
um programa social?
Ignacio Cano - O primeiro passo
é uma avaliação de implementação, para ver se aconteceu o que
estava previsto. Em segundo lugar
é a avaliação de impacto, e em terceiro cabe uma avaliação de custo/benefício. Mas o mais importante é a avaliação de impacto, para dizer se o investimento realmente teve retorno. A metodologia mais adequada é a de comparação com grupo de controle,
quando você compara o grupo
que recebeu o programa com um
grupo similar onde o programa
ainda não aconteceu. Isso tem
forte tradição na área farmacológica, é assim que os remédios são
avaliados. Mas é ainda muito incipiente nas outras áreas.
Folha - Como são avaliados os
programas sociais no Brasil?
Cano - Não há uma cultura de
avaliação. O que acontece no Brasil é que, quando acaba o programa e você tem que prestar contas
do dinheiro, chama alguém para
avaliar. As políticas são lançadas
tendo como única base o critério
do formulador. Em alguns países
existe uma legislação impondo
que, a partir de um certo orçamento, todo programa dedique
verba para avaliação.
Sem avaliação, o cidadão perde
o controle, a sociedade perde a
possibilidade de direcionar recursos de forma eficiente. A avaliação
é um elemento de cidadania, o
poder público tem de dizer como
o dinheiro foi gasto.
Folha - Como é possível garantir a
independência da avaliação?
Cano - A avaliação tem que ser
técnica, planejada e feita por avaliadores externos. O que não impede que haja também uma avaliação interna. Aí entramos numa
área delicada, porque os políticos
têm medo de colocar a avaliação
de programas nas mãos de pessoas independentes. É preciso
mudanças legislativas, com obrigatoriedade de avaliações externas, e mudanças na opinião pública, com a sociedade dizendo:
"A gente não quer só tua palavra,
quer alguém de fora que diga se
isso funciona ou não".
Folha - O que o senhor acha da coqueluche de programas sociais
compensatórios, como bolsa-escola, defendidos por todos os partidos, do PT ao PFL?
Cano - Acho que eles são necessários em qualquer lugar do mundo. O problema é que o déficit social no Brasil é tão grande que os
programas compensatórios têm
de ter um volume enorme. Se o
sistema social e econômico funcionasse de forma menos excludente, os programas compensatórios poderiam ter dimensão
menor. Isso faz com que o programa compensatório seja o núcleo
central da política social.
Folha - Como avaliar a área de segurança, sua especialidade?
Cano - A área de segurança pública é paradigmática da incúria, do
descaso com avaliação. Vem um
novo secretário, diz: "Temos de
fazer alguma coisa", faz, e pronto.
Depois pega alguns números e cita os que lhe favorecem. As avaliações são parciais, feitas a posteriori, não são rigorosas. Uma das
coisas que eu acho importantes
nesse contexto é, por exemplo,
que as pessoas pedem mais e mais
polícia na rua. Vários estudos no
exterior mostram que só polícia
na rua não reduz a criminalidade,
mas ninguém quer refletir sobre
isso. Prender gente de alta periculosidade faz diferença. Prender
gente que está fumando maconha
não adianta.
Folha - Como reduzir os homicídios no Brasil?
Cano - As grandes metrópoles
brasileiras precisam de um plano
de choque de prevenção de homicídios. O que pode reduzir homicídios a curto prazo? Programas
de inserção da população jovem
são muito importantes, mas vão
demorar a dar resultados. A curto
prazo, é preciso restringir armas
de fogo, trabalhar com grupos de
investigação de crimes em áreas
de alta letalidade. Em terceiro lugar, mudar o tipo de policiamento
ostensivo por patrulhamento permanente e preventivo.
Folha - O que acha da estratégia
de guerra, na qual "bandido bom é
bandido morto"?
Cano - Em São Paulo, temos a figura do [candidato a governador
Paulo" Maluf, que encarna isso há
tempos. No Rio, [o prefeito" Cesar
Maia está usando essa estratégia
nos últimos meses. O grau de desespero das populações leva muita gente a acreditar que qualquer
coisa é válida. Essas pseudo-soluções não resolvem e provocam
um alto número de vítimas inocentes, pois incentivam policiais a
fazer uso da força.
As pessoas que defendem a estratégia do confronto não moram
em áreas onde o confronto vai
acontecer. Ninguém que mora
em área de risco defende o tiroteio
como solução, porque pode ser
atingido. É o reflexo da profunda
fragmentação social da sociedade
brasileira. Esses confrontos também colocam os policiais sob
maior risco e, na medida em que
passam para os bandidos a mensagem de que eles vão ser mortos
de qualquer jeito, também estimulam uma criminalidade cada
vez mais ousada.
Folha - Por que os programas sociais nas favelas não estão reduzindo a violência?
Cano - O investimento social
ainda é muito pouco, embora seja
maior do que há 30 anos, mas as
condições de vida nas favelas continuam muito diferentes das condições no asfalto. Em algumas
áreas, é um escândalo que a assistência social do pequeno criminoso seja maior do que a assistência
social do Estado. É uma perversão
absoluta. Quem paga o enterro, os
pequenos custos e festas é o criminoso. E o Estado se escandaliza:
"Ah, o funk está sendo financiado
por bandidos". Por que o Estado
não financia o funk? Se houvesse
um investimento público maior,
o que o criminoso tivesse a acrescentar não seria relevante.
Folha - Como o programa social
ajuda a reduzir a violência?
Cano - Esse tipo de programa
tem retorno a longo prazo. Alguns investimentos têm retorno
mais imediato, como lazer em
áreas críticas, tipo aqueles programas clássicos dos EUA, de basquete à meia-noite nas áreas de
mais violência juvenil. Colocaram
focos de luz à meia-noite e os caras ficavam fazendo campeonato
de basquete. Isso inibiu a criminalidade naqueles horários.
Por outro lado, vários estudos
tratam do fenômeno da inércia
criminal, mostrando que, uma
vez que se atinge um certo patamar de homicídios, as mortes
continuam aumentando, mesmo
que as condições sociais que originaram o fenômeno mudem.
Folha - O que vivemos no Brasil é
fruto da inércia criminal?
Cano - Todo mundo vive isso em
certa medida, pode ser que no
Brasil tenha um impacto maior. A
inércia criminal não é localizada
no tempo e no espaço, é uma tendência geral. Nós ainda não resolvemos nossos problemas sociais,
por isso não podemos dizer que a
situação atual é fruto apenas da
inércia criminal.
Folha - Como o sr.avalia os programas de segurança dos candidatos à Presidência?
Cano - Nos últimos anos, o governo federal aceitou a agenda da
segurança como agenda própria.
A segunda coisa positiva é a convergência de várias linhas: restrição de armas de fogo, integração
das polícias, importância de melhorar dados de segurança pública e de fortalecer a Polícia Federal.
Vi menções à guerra contra o
crime organizado, o que reforça o
paradigma bélico. Alguns candidatos mencionam o papel das
Forças Armadas. Em segurança
pública, o papel das Forças Armadas é limitado às fronteiras e talvez a uma certa colaboração na
inteligência, embora isso seja delicado. Há propostas de aumentar
penas e construir presídios muito
distantes. Aumentar penas não
resolve, o que não signifique que
não caiba um aumento de penas
para um certo tipo de crime.
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