São Paulo, quarta-feira, 09 de outubro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

O caso Márcio Moreira Alves

RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES

Não me venham com a idéia da fidelidade partidária. A cada eleição politicólogos, cientistas políticos e sociólogos lançam, na mesa, a tese da fidelidade partidária. Associam-na à idéia de governabilidade. E querem, pela via da fidelidade partidária, submeter a vontade livre do parlamentar às determinações do comando partidário ou das lideranças parlamentares. Seria a institucionalização da ditadura da direção partidária, uma agressão inominável à liberdade de consciência do parlamentar.
Exorcismo a tese lembrando o caso, ocorrido em 1968 com o então deputado do MDB/RJ, Márcio Moreira Alves. Márcio fizera, da tribuna da Câmara, uma bravata estudantil contra os militares. Atrás de um pretexto para endurecer o regime, os ministros militares por intermédio do presidente da República, solicitaram à Câmara dos Deputados licença para processar o inquieto, como jovem, deputado carioca. Houvesse fidelidade partidária e a solução seria simples: a Arena majoritária fecharia a questão, o líder votaria pela bancada, a licença estaria concedida, o deputado processado, e, provavelmente, condenado.
Mas a licença foi recusada. Graças ao voto majoritário dos deputados da Arena, partido de apoio ao governo. Sob a liderança republicana do deputado da Arena, pelo Rio Grande do Norte, Djalma Marinho, cujo eletrizante voto na Comissão de Constituição e Justiça, definiu a sorte da votação em plenário impondo ao governo uma esmagadora derrota. E o Djalma Marinho, na ocasião, festejado por sua integridade e bravura, ao caminhar pelo longo corredor que separa a ala das comissões do plenário, lançou, no ar, uma frase chapliana - ele era a encarnação do espírito chapliano do doce e distraído herói ungido pelas circunstâncias: "Estou farto de toda essa evidência e notoriedade. A glória momentânea pesa sobre estes ombros de um pobre político de Nova Cruz".
Djalma Marinho votou com a sua consciência. E levou seus companheiros de partido a acompanhá-lo, contra a orientação do governo e da liderança partidária. Existisse fidelidade partidária e ele teria se curvado para não perder o mandato. E não teria podido terminar o seu histórico discurso dizendo "a meu rei dou tudo -menos a honra. Nego a licença para processar o deputado do MDB Márcio Moreira Alves".


RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES, 71, ex-governador da Guanabara e ex-ministro da Previdência do governo Sarney, escreve às quartas nesta seção


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